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Por que moderninhos pagam fortunas em jeans pesados como lona de caminhão

Calças feitas só com algodão, sem elastano, motivam competições pelos desbotados mais incríveis

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São Paulo

Por que alguém pagaria mais de R$ 1.000 para vestir uma calça jeans quase tão pesada como uma lona de caminhão e que restringe os movimentos nas primeiras semanas de uso? Na contramão do conforto e da maleabilidade proporcionados pelos modelos skinny, vendidos por preços módicos nas redes de fast fashion, uma tendência que se estabeleceu na última década em confecções fora do Brasil vem agora ganhando adeptos por aqui —o resgate do denim em seu estado bruto, ou seja, de peças feitas 100% em algodão.

Para a turma dos "denim heads", ou fanáticos por denim, como são conhecidos, usar elastano na manufatura destas calças é um crime inafiançável. São também delitos lavagens e rasgos artificiais feitos na fábrica, que dêem à calça nova uma aparência de já ter sido usada.

As marcas de uso desses jeans, em geral vendidos na cor azul tradicional, com corte reto ou levemente ajustado nas pernas, devem ser conquistadas arduamente, dia após dia, período no qual a calça perde sua rigidez, ganha conforto e se molda ao corpo.

Cós de calça jeans azul bem escura
Calça 'selvedge' da marca brasileira Krieger - Divulgação

O objetivo é criar desbotados únicos, produtos do uso constante que refletem os hábitos de quem veste a calça. Por exemplo, pais que rastejam no tapete brincando com seus filhos pequenos verão os joelhos perderem índigo primeiro, e quem carrega o celular no bolso terá uma marca quadrada esmaecida nesta região.

Para obter desbotados dignos de Instagram, há uma regra de ouro —só lavar a peça pela primeira vez depois de no mínimo seis meses de uso diário, mas quanto mais tempo antes de ir para a água, melhor.

A clássica Levi’s 501 é o modelo mais conhecido e mais acessível de calça jeans bruta, mas não a que mais bem representa o espírito dessa comunidade que faz competições mundiais para ver quem obtém os desbotados mais incríveis.

A sueca Nudie é bastante popular entre os adeptos, com calças de algodão orgânico vendidas a partir de R$ 1.165 na Denim City, em São Paulo. Os conhecedores, contudo, sonham mesmo em ter um jeans tecido em alguma microconfecção de Okayama.

Os teares desta província ao sul do Japão, alguns dos quais estão em atividade há décadas, abastecem sites e lojas especializados com peças que chegam a 550 euros, cerca de R$ 3.400. O jeans nipônico difere um tanto do habitual, pois muitas calças têm textura rugosa, como as da Oni, e outras têm gramatura alta, ou seja, são bastante rígidas, como as da Iron Heart, ou "coração de ferro". Como o tecido é pesado, esses pares são afeitos a climas amenos, sofridos de vestir no calor tropical.

Há ainda um outro fator. Os jeans de Okayama, devido ao método mais lento de confecção, apresentam uma faixa vertical do lado de dentro, elemento visual que dá um charme extra quando a barra da calça é dobrada e que serve como código de pertencimento a um clubinho. A faixa na cor azul índigo, com as margens costuradas em linha vermelha, rosa ou amarela identifica os jeans do tipo "selvedge", uma corruptela de "self edge", ou borda própria.

Aqui no Brasil, marcas jovens como Dreher 1989, do Rio Grande do Sul, e Krieger, de Santa Catarina, estão há pouco costurando calças jeans "selvedge" bem leves, pensadas para serem usadas no calor de mais de 30 graus, em tecido 100% algodão, produzido por teares da década de 1910 instalados no interior de Minas Gerais.

As máquinas foram recentemente restauradas e estão sob responsabilidade da Fertex, a única fornecedora deste tipo de jeans no país. Os valores são mais acessíveis —o modelo da Dreher custa R$ 578 e o da Krieger, R$ 590.

Tanto fora do Brasil quanto aqui, o universo do denim bruto tem um ar de exclusividade, tipo o mundo do café de microlote e do vinho com denominação de origem, além de muito marketing envolvido, pois seu amigo não vai saber que sua calça foi tecida numa cidadezinha do Japão com algodão do Zimbábue, como as peças da Momotaro, se você não puxar o assunto. É uma calça jeans, afinal, independente da contação de história.

Por outro lado, os jeans "selvedge" costumam ter tanto esmero na produção, muitas vezes semi-artesanal e em quantidades limitadas, que detalhes como a costura nos bolsos traseiros, a textura do tecido ou a faixa à mostra na barra dobrada deixam visíveis as características que os tornam objetos de desejo. E ninguém mais terá um desbotado como o seu.

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