Prédio tombado do século 16 que abriga Arquivo Público da Bahia vai a leilão

Entidades se manifestaram contra possível privatização da construção com um dos acervos mais valiosos do mundo

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Salvador

Um imbróglio jurídico envolvendo o governo da Bahia e uma empresa de arquitetura pode resultar no leilão do Solar Quinta do Tanque, prédio do século 16 que abriga o Arquivo Público do Estado da Bahia.

O casarão está penhorado em um processo judicial da Bahiatursa, estatal de turismo extinta pelo governo em 2016, e vai a leilão nesta terça-feira com lance mínimo de R$ 5 milhões. O imóvel fica em um terreno de 20 mil metros quadrados e foi avaliado em R$ 12,5 milhões.

O governo da Bahia, comandado por Rui Costa, do PT, informou em nota que tentou impedir a realização do leilão na Justiça, mas não obteve êxito. Também disse que adotará medidas para que o imóvel "retorne ao patrimônio público em propriedade plena, sem ônus algum".

Prédio construído no século 16 e transformado em arquivo público em 1980, abriga o Arquivo Público do Estado da Bahia, o segundo maior arquivo colonial do mundo - 6.set.2018 - Raul Spinassé/Folhapress

O Solar Quinta do Tanque, também conhecido como Quinta dos Padres, foi erguido no século 16 em Salvador para ser uma espécie de residência de campo dos padres jesuítas. No final do século 17, foi morada do padre Antônio Vieira, que lá escreveu alguns de seus sermões.

Por sua importância histórica e mérito arquitetônico, é tombado pelo Iphan desde 1949. O imóvel passou a abrigar em 1980 o Arquivo Público do Estado da Bahia, segunda maior instituição arquivística do país com cerca de 40 milhões de documentos. Ele é considerado um dos mais valiosos do mundo e guarda documentos raros do período colonial —o mais antigo é de 1552.

A notícia do leilão provocou reações de entidades de arquitetos, de historiadores, de arquivistas, além da Universidade Federal da Bahia e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

O Instituto dos Arquitetos do Brasil emitiu uma nota na qual repudia o leilão do prédio histórico e destaca que um decreto-lei de 1935 determina que bem tombado pertencente ao poder público não pode ser privatizado —só pode ser vendido ou cedido para outro ente público.

"Estamos perplexos. Esse leilão é um atentado contra a memória nacional e pode abrir precedente escandaloso e preocupante em relação ao patrimônio nacional", disse Luiz Antônio de Souza, presidente do IAB na Bahia.

A Universidade Federal da Bahia manifestou "indignação em relação ao possível leilão de conjunto arquitetônico que é tombado. "É digno da maior estranheza que um bem alvo do maior grau de preservação existente no país possa ser arrolado em leilão e, consequentemente, privatizado".

A Associação Nacional de História, seção Bahia, também manifestou indignação com o possível o leilão do imóvel.

Em nota, a Procuradoria Geral do Estado informou que o Solar da Quinta do Tanque é objeto de uma ação movida em 1990 contra a Bahitursa pela a TGF Arquitetos. A firma pertence ao empresário e arquiteto Fernando Frank.

A empresa busca receber indenização por serviços que teriam sido prestados na elaboração de projetos. Na época, a Bahiatursa alegou que os projetos tinham sido apresentados espontaneamente, sem contrato.

Em 2005, na gestão do então governador Paulo Souto, do DEM, a ação foi executada e a Bahiatursa ofereceu o Solar da Quinta do Tanque para penhora.

A Procuradoria Geral do Estado disse que "tem apresentado sucessivas manifestações no processo no sentido de preservar o patrimônio público, sem lograr êxito" e informou que apresentou medidas judiciais para impedir a realização do leilão, também sem êxito. Também informou que o governo "adotará todas as medidas para que o imóvel, de inestimável valor histórico e cultural, retorne ao patrimônio público em propriedade plena, sem ônus algum".

O Iphan informou em nota que, apesar do tombamento, não cabe interferência do órgão federal sobre o leilão. "Compete ao Iphan apenas notificar os realizadores do leilão de que a edificação é acautelada pelo governo federal. Além disso, o edital da venda deve informar sobre o tombamento, bem como sobre as regras para intervenções, que devem manter as características originais do edifício."

A reportagem não conseguiu contato com a TGF Arquitetos.

Além do imbróglio judicial que ameaça a sua sede, o Arquivo Público do Estado da Bahia tem um histórico de problemas de manutenção, incluindo infiltrações e papéis armazenados em condições inadequadas. Entre 2011 e 2013, o prédio funcionou sem energia elétrica por causa do risco de curto-circuito.

Entre 2012 e 2019, o imóvel foi alvo de restauros e requalificações em três etapas, com investimentos de R$ 5 milhões. Para os próximos anos, estão previstos aportes de R$ 13 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para restauro, catalogação, higienização, acondicionamento e armazenamento do acervo.

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