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'Salvatierra' usa povoado inventado para retratar Argentina que desaparece

Novo romance de Pedro Mairal, autor de 'A Uruguaia', mostra filho que busca conhecer o pai depois que este morre

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Buenos Aires

Dois irmãos retornam ao povoado onde nasceram e cresceram com a tarefa de organizar a venda da obra do pai, um artista plástico mudo que passou 60 anos dedicado a apenas um imenso quadro de quatro quilômetros de extensão. Nele, Juan Salvatierra gravou cada acontecimento relevante de sua vida, da família e do povoado de Barrancales, uma pequena cidade imaginária argentina perto do rio que separa o país do Uruguai.

Ao quadro, porém, falta o trecho dedicado a um ano específico da vida de Salvatierra, o de 1961. O que teria acontecido então? Enquanto o irmão mais velho, Luis, pragmático, quer só resolver o problema, vendendo o quadro e a propriedade em Barrancales, o mais novo, Miguel, fica intrigado com o mistério, e sai em busca do pedaço que falta da obra.

Esta é a trama de "Salvatierra", romance de 2008 do argentino Pedro Mairal que sai agora pela Todavia. O autor assina a coluna Nosso Estranho Amor, neste jornal, com Milly Lacombe, Chico Felitti e Tati Bernardi.

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O escritor argentino Pedro Mairal, autor de 'A Uruguaia' e 'Salvatierra' - Xavier Martin/Divulgação

"É um livro sobre a relação de um filho com o pai, mesmo depois que este desaparece. Sobre o processo de conhecer o pai depois que este morre, que é algo que ocorre a muita gente. Miguel se vê com a necessidade de saber o que ocorreu na vida do pai e que estaria contado no pedaço que falta. Ao mesmo tempo, vai se conhecendo melhor, porque vê o quadro com mais atenção e se surpreende, por exemplo, ao ver o que o pai o pintou. Ou seja, ao conhecer como o pai o enxergava", diz Mairal, em entrevista por videoconferência.

O escritor argentino está no Uruguai, acompanhando as filmagens de "A Uruguaia", adaptação de seu livro homônimo de cinco anos atrás que foi sucesso dos dois lados do rio da Prata e no Brasil, além de ter sido traduzido para várias línguas. A trama acompanha um dia na vida de um homem que idealiza um romance numa viagem a Montevidéu que não sai exatamente como o planejado.

O filme, que deve estrear no ano que vem, é financiado em conjunto por quase 2.000 pessoas, numa espécie de crowdfunding em que os colaboradores atuam ativamente na produção. Eles votaram na escolha do casting e estão participando do longa em papéis menores, além de ajudarem com soluções para locações e para as filmagens.

"Tem sido uma aula de cinema colaborativo, um ambiente muito agradável de comunidade", afirma Mairal. "Mas tive de me desapegar da obra, porque cinema é uma coisa muito diferente da literatura."

O escritor conta que voltar a falar de "Salvatierra", lançado originalmente há 13 anos, é se reencontrar com um texto que não perdeu a atualidade com a passagem do tempo.

"A mesma coisa não acontece com outros romances meus, porque estamos vivendo um tempo de mudança de paradigma muito importante, de valores, e no modo como se relacionam homens e mulheres. Portanto, sinto que meus livros que falam de casais têm elementos que hoje poderiam causar ruídos. Mas com 'Salvatierra' não acontece isso, porque é um livro sobre a relação de um pai com um filho, e isso é algo que persiste no tempo de modo mais intenso, mais clássico."

A narrativa tem um ritmo que evoca o movimento de um rio e descreve as paisagens dessa região litorânea da Argentina que vem se transformando muito rápido. Hoje, por causa das plantações de soja, há muitos povoados abandonados, pequenos cultivos foram substituídos pela monocultura, e as relações nas cidades pequenas não são mais como eram antes.

"Esse é o grande tema do livro, as transformações do tempo sentidas por um personagem. Como nessa viagem de volta ao povoado em que cresceu ele se encontra com suas memórias da infância, mas o lugar não é mais o mesmo."

Embora Barrancales seja imaginária, Mairal se inspirou em lugares que conhece, na província de Entre Ríos, em que "há um mundo que está acabando", não apenas devido à mudança do modelo econômico da região, mas porque esta altera as relações interpessoais.

"Antes havia um sentido de comunidade, de troca de mercadorias, de camaradagem, de familiaridade, é uma decepção que esse universo esteja desaparecendo. Quis mostrar isso com as imagens que descrevo no livro."

capa de livro
Capa do romance 'Salvatierra', de Pedro Mairal, lançado pela editora Todavia no Brasil - Reprodução

A história dos irmãos Luis e Miguel são como a de muitos argentinos que, a partir dos anos 1980, começaram a sair em maior volume dessa região para buscar trabalho em Buenos Aires ou em outras cidades grandes.

"Estou muito curioso para saber como o livro será lido no Brasil. Apesar de esse cenário ser local, entendo que ele corresponde a coisas que ocorrem lá", afirma. E lembra como inspiração o conto "A Terceira Margem do Rio", do brasileiro Guimarães Rosa.

Salvatierra

  • Preço R$ 54,90 (112 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Pedro Mairal
  • Editora Todavia
  • Tradução Mariana Sanchez
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