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Artes Cênicas

Stephen Sondheim teve um impacto inigualável no teatro musical

Revolucionário da Broadway, compositor influenciou nomes como Jonathan Larson e Lin-Manuel Miranda

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Maior compositor e letrista da história da Broadway, até onde foi possível conhecer, Stephen Sondheim preencheu a segunda metade do século 20 com obras para o teatro musical americano que elevaram o gênero a alturas não conhecidas.

Seguidas vezes era questionado, inclusive em público, por que não se dedicava de uma vez à ópera. Respondia com humildade irônica que gostava do contraste entre música e diálogos, gostava de teatro.
Para os seguidores que reuniu pelo mundo, pouco importa. Criações como "Company", "A Little Night Music" e "Sweeney Todd" são ricas tanto musical como literariamente. Várias delas foram encenadas no Brasil, ajudando a dar forma ao gênero retomado neste século.

No trato pessoal, era retraído e direto. Foi assim em entrevista. Parecia saber que cada palavra sua carregava peso canônico. Mas vivia nos teatros, inclusive menores, vendo peças.

Seu personagem está bem retratado em "Tick, Tick... Boom!", filme que acaba de estrear na Netflix, baseado no musical de câmara de Jonathan Larson. Na história, que é real nos acontecimentos básicos, ele vislumbra as qualidades de Larson, compositor e letrista iniciante, e se torna seu mentor, quase um professor.

O resultado, anos depois, foi "Rent", que estabeleceu novo marco histórico na Broadway, reaproximando o distrito dos teatros nova-iorquinos da cultura pop e de temas contemporâneos. "Tick, Tick... Boom!" foi adaptado e dirigido por outro discípulo de Sondheim, Lin-Manuel Miranda, o compositor e letrista de "Hamilton".

Larson e Miranda traçam uma linha direta até Sondheim, desde sua primeira criação para a Broadway. Frank Rich, ex-crítico do New York Times e amigo de Sondheim, falou a este jornal que "nenhum artista teve mais impacto no teatro musical, americano e mundial". Que "a influência de suas músicas, espetáculos e inovações pode ser encontrada em todos os principais musicais" que se seguiram à sua estreia com "West Side Story", em 1957.

A linha é direta também para o passado, vai até Oscar Hammerstein 2º, o revolucionário anterior da Broadway e quase um parente seu. Foi quem o criou, a partir da adolescência, e guiou nos primeiros musicais.

Hammerstein ajudou a tirar o gênero popular americano das revistas e dos enredos mal costurados, o aproximando mais do teatro, propriamente. Mas os três citados aparecem esmaecidos diante da obra construída por Sondheim, que criava ao detalhe, obsessivo e nada místico.

Retratou seu tempo americano, consagrou os sentimentos difíceis de um país mais adulto, pós-Guerra. Foi muito questionado por isso, com críticos de jornal que, até deixar de compor regularmente, duas décadas atrás, diziam ser alguém que desvirtuava a Broadway.

Tudo nele ganha complexidade e conflito, das relações pessoais nos anos 1960 aos contos de fadas —e aos muitos assassinatos de presidentes americanos. Miranda, que também abraçou a política como tema, diz dever isso a Sondheim, a possibilidade de buscar assunto seja onde for.

Sondheim deixou dois livros, "Look, I Made a Hat" e "Finishing the Hat", que de certa maneira refletem sua obsessão com a criação. Detalha cada um de seus musicais, as canções que sobreviveram neles, explicando, justificando e criticando ao extremo versos e palavras.

Faz também análises ao mesmo tempo aprofundadas e espirituosas sobre seus colegas e antecessores. É a grande aula que deixou para aqueles que virão agora. Mas o que o distingue está sobretudo em seus musicais. E aí sua obra-prima, ao menos aquela que o consagrou, é "Company".

Larry Kert and company in Company. 1973
O ator Larry Kert em montagem do musical ‘Company’, na Broadway, nos anos 1970 - Reprodução

É aquele em que abraçou inteiramente a ironia, do início ao fim, encontrando seu lugar no teatro, sua marca. Refletia, como quase toda a criação daquele final dos anos 1960, a influência dos musicais do alemão Bertolt Brecht, inclusive nos comentários sobre a própria ação, durante a ação.

Ele até nega, diz que no fundo é romântico, que a culpa de ganhar essa marca foi do diretor original de "Company", Harold Prince, um de seus maiores colaboradores. Mas a suposta frieza de suas obras, tão questionada, foi então identificada pela primeira vez.

Frieza que também se deve, muito provavelmente, às regras rígidas que se impunha —e defende que outros sigam— ao escrever e compor. "O conteúdo dita a forma. Menos é mais. Deus está nos detalhes." E tudo a serviço da "clareza".

Embora algumas adaptações para o cinema sejam as mais lembradas, como "Caminhos da Floresta" ou "Amor, Sublime Amor", que está para estrear uma nova versão de Steven Spielberg, até seus musicais mais obscuros são cultuados.

Rich, para se despedir do amigo, foi buscar versos de "Anyone Can Whistle", de que poucos se lembram. "Thanks for everything we did/ Everything that's past/ Everything's that's over too fast/ None of it was wasted/ All of it will last." (Obrigado por tudo que fizemos, tudo que passou, tudo que acabou muito rápido. Nada disso foi desperdiçado, tudo isso vai durar.)

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