Descrição de chapéu Flip Livros

Alejandro Zambra e Ana Martins Marques tratam das feridas da ditadura na Flip

Escritores discutiram como florescimento das plantas pode interromper legado autoritário no Brasil e no Chile

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São Paulo

O lirismo suave com que o chileno Alejandro Zambra e a mineira Ana Martins Marques se identificam com a natureza verdejante marcou neste sábado (4) o penúltimo dia da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.

Ambos da mesma geração de autores, nascidos na ditadura militar em seus respectivos países e vistos como vozes originais da literatura contemporânea, falaram da relação explícita entre as plantas e a escrita, o escrever e o plantar, e o silêncio do autoritarismo e a repressão.

Na mesa "Ouvir o Verde", eles debateram as principais motivações da dimensão metafórica que a imagem dos jardins evoca em suas literaturas. "É uma tentativa de aproximação, mas ao mesmo tempo uma certa consciência da fratura e da distância", afirmou Marques, revelando sua falta de conhecimento "para discernir uma árvore da outra" apesar da veemência de seu "O Livro dos Jardins", de 2019.

Homem encara câmera em foto preto e branco
O romancista chileno Alejandro Zambra - Mabel Maldonado

"Eu me lembrei do livro 'A Mulher que Matou os Peixes' [1968], da Clarice [Lispector] e recordei de todas as plantas que deixei morrer por falta de zelo", completou, bem-humorada.

Já o poeta chileno relacionou a sensação de repressão que seu primeiro romance, "Bonsai", de 2006, carrega, com a amplitude de sua obra. "Bonsais são árvores reprimidas e acho isso muito comovente", disse, sobre o processo de florescimento lírico do interior do livro. "Acho interessante a ambiguidade que é recebida de forma automática, bela, mas nasce do violento, do horror. Isso convive dentro do interior de um organismo."

ana martins marques
A poeta Ana Martins Marques, que lançou 'Risque Esta Palavra' pela Companhia das Letras - Mauro Figa

O autor ainda de "A Vida Privada das Árvores", de 2007, e de "Poeta Chileno", recém-lançado, citou a dificuldade dos poetas atuais de superarem a paralisia imposta pelos períodos de repressão em seus países.

"Crescemos na ditadura e diziam para nós que crescíamos protegidos. Eu me interesso muito em saber o que fazemos com a ideia da autoridade. Acredito que crescemos com uma ideia agressiva disso. O que escrevo nos livros é uma busca, uma forma de falar desses assuntos."

Marques realçou que no Brasil o período da ditadura costuma ser menos debatido do que no Chile. "Temos um presidente que é capaz de fazer uma homenagem a um torturador." E Zambra completou com a avaliação de sua última visita ao país. "Quando estive no Brasil, Bolsonaro ainda não havia sido eleito, mas me identifiquei com os diálogos sem esperança dos meus amigos brasileiros. É difícil não falar disso."

Presença constante na obra de Zambra, a relação de herança entre as gerações chega à prosa e à poesia do autor, tornando-se mais forte em "Poeta Chileno", que trata de literatura, família e paternidade a partir de um protagonista aspirante a poeta.

A figura do poeta também é lembrada por Marques, que conta ter bebido na obra do também chileno Roberto Bolaño (1953-2003) para escrever "Prosa (II)" poema de "Risque Esta Palavra", publicado neste ano. "Ele gira em torno do mito da poesia e da figura do poeta, não só a prática literária, mas um modo de vida. É bonito ver o cruzamento entre a tensão da poesia e a prosa se relacionam com a obra do Bolaño. Não escrevo prosa, mas tenho interesse nela como leitora."

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