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'And Just Like That' é 'Sex and the City' com menos sexo e mais Nova York

Com personagens gays e não binários, continuação da série clássica atualiza debates sobre inclusão e preconceitos

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O dia amanheceu diferente. Um dos grandes mistérios do ano do mundo do entretenimento foi finalmente revelado –que fim levou Samantha Jones, personagem fundamental da série "Sex and the City", que foi ao ar de 1998 a 2004, cuja continuação, agora batizada "And Just Like That...", tem os dois primeiros episódios disponíveis no canal de streaming HBO Max desde a última madrugada.

Samantha era (é?) uma mulher verdadeiramente libertária nos costumes, em especial na maneira como conduz (conduzia?) sua vida sexual, e foi interpretada com gana pela atriz canadense Kim Cattrall, de 65 anos, nos 94 episódios do seriado original, que teve seis temporadas no período de sete anos, ganhou sete troféus no ​Emmy, além de outros 48 prêmios.

Depois, participou dos dois desnecessários longas-metragens, em 2008 e 2010, tão caça-níqueis que a produção não se deu nem o trabalho de pensar em um título. Os filmes se chamaram "Sex and the City" e "Sex and the City 2", respectivamente.

E um "Sex and the City 3" estava sendo planejado, apesar das críticas destruidoras e da bilheteria apenas OK dos dois anteriores, quando Kim Cattrall rompeu publicamente pelo Twitter com Sarah Jessica Parker em 2018. A disputa entre as duas era assunto dos tabloides nova-iorquinos desde a época da série. Segundo eles, Kim Cattrall lutava para que seu salário fosse equiparado ao de Parker, que, além de ser protagonista, era também produtora-executiva.

Quando foi anunciado, em janeiro, que "Sex and the City" teria uma continuação no mesmo formato original, um seriado de TV, e que iria ao ar ainda neste ano com nome novo e uma nova ambição, ao contrário dos longas-metragens, a falta de Samantha lançou como que um feitiço sobre o projeto. Não podia dar certo sem ela.

Muitos boatos, suposições, apostas, mandingas e suspeitas depois, "And Just Like That..." entrou no ar e esclarece o motivo da ausência de Samantha na trama nos primeiros minutos. Não, ela não morreu de Covid. E mais não direi.

Michael Patrick King, produtor-executivo das seis temporadas de "Sex and the City" e dos dois filmes de mesmo nome, não é bobo. E hoje, aos 66 anos, tem muito mais experiência e prestígio. Tem, por exemplo, na bagagem, o crédito pela criação das ótimas "The Comeback", com Lisa Kudrow (a Phoebe, de "Friends"), que durou de 2005 a 2014 e "2 Broke Girls", que existiu entre 2011 e 2017. E ele é um dos cérebros por trás da volta de Carrie Bradshaw e companhia.

Ele e Sarah Jessica Parker. Os dois, amigos desde os anos 1990, começaram a trocar ideias no começo da pandemia sobre o que podiam fazer de trabalho naquelas condições de isolamento social, medo e terror em Manhattan (e no resto do mundo, claro, mas neste caso específico é Manhattan que importa –hoje em dia o Brooklyn também conta, afinal foi para este bairro que a personagem Miranda Hobbes se mudou com o marido e o filho no final de "Sex and the City").

Pensaram em um podcast nos moldes de "Talking Sopranos", em que os atores Michael Imperioli, intérprete de Chris Moltisanti em "The Sopranos", e Steve Schirripa, ator que vivia Bobby Bacala no drama, estrearam no ano passado. No começo, por causa da pandemia, cada um gravava de sua casa, depois se encontraram em um estúdio. O podcast é um sucesso de audiência, apesar de os episódios durarem em geral mais de duas horas cada um. E o assunto é sempre o mesmo, os bastidores do seriado que fizeram juntos entre 1999 e 2007.

Mas a ideia de Michael Patrick King e Sarah Jessica Parker logo evoluiu para o futuro, em vez de continuar olhando o passado. Foi a atriz quem questionou o que estaria acontecendo na vida daquelas personagens hoje em dia, agora por volta dos 50 anos. E será que essas seriam histórias que o público gostaria de conhecer?

"Sex and the City", a série, criada por Darren Star a partir do livro de Candace Bushnell, por sua vez uma coletânea de colunas publicadas ao longo dos anos 1990 no jornal The New York Observer, tinha como protagonistas mulheres na casa dos 30 anos, solteiras, independentes financeiramente e na maneira de levar a vida. E essas mulheres ganharam espaço tanto no jornal quanto na TV porque representavam o novo na época –na ficção e nas ruas das grandes metrópoles.

Mas o que é novidade a respeito de três mulheres casadas, pós-menopausa, não mais independentes financeiramente (pelo menos duas delas), que têm até os melhores amigos gays também casados? E é exatamente aí que o fator Samantha poderia ser o pulo do gato de "And Just Like That...". Não só ela é uma década mais velha do que as outras personagens como foi a única que não tinha sossegado o facho, por assim dizer, quando a história parou de ser contada.

Mas ela não está mais na trama. Ou melhor, está, mas a distância. Não frequenta mais os brunches dos finais de semana, não lança na mesa os assuntos mais embaraçosos, não treta com Charlotte, a certinha da turma, nem induz Carrie a ser mais arrojada do que seria naturalmente.

Esse papel agora é das novas personagens. E elas vêm em bando. São quatro. Che Diaz, papel de Sara Ramírez, é uma comediante de stand-up latina e não binária que apresenta um podcast que tem Carrie Bradshaw como convidada, representando uma mulher cis e mais velha. O terceiro convidado é um jovem asiático gay e inclemente.

A doutora Nya Wallace, personagem de Karen Pittman, é uma professora negra de um curso de pós-graduação de direito que Miranda Hobbes começa a frequentar na Universidade Columbia e com quem, em princípio, ela parece não saber como ter uma conversa normal, sem manifestar o tempo todo o fato de que a professora é negra, mais jovem do que ela, mais atualizada e mais tranquila com isso.

Lisa Todd Wexley, interpretada por Nicole Ari Parker, é uma documentarista também negra, muito rica, de quem Charlotte faz questão de ficar amiga. O quarto elemento desse tabuleiro não apareceu nos primeiros dois episódios. É a personagem de ascendência indiana Seema Patel, papel de Sarita ​Choudhury.

A novidade de "And Just Like That...", portanto, é o mundo como ele está. Ou, mais especificamente, Nova York como ela está. Mais inclusiva, mais tolerante, mais alerta aos preconceitos estruturais que costumavam ser empurrados para debaixo de um tapete imaginário –ou para os trilhos dos metrôs que correm pelo subsolo da cidade.

Nova York é uma metrópole flexível, que absorve e se adapta rapidamente às mudanças na sociedade. Em geral muito mais rápido do que seus moradores e frequentadores, eternamente saudosos de uma Nova York de algum tempo atrás, quando eles mesmos eram o que havia de mais contemporâneo.

Carrie, Miranda e Charlotte vão ser tão atraentes nessa nova versão quanto sua capacidade de lidar com a nova realidade. No caso de Carrie, essa nova realidade não estará apenas no mundo ao seu redor. Uma mudança chocante e fundamental envolvendo o seu grande amor acontece no final do primeiro episódio, o que vira sua vida de cabeça para baixo. Como, aliás, acontecia nos melhores momentos de "Sex and the City".

Sua inteligência, seus insights, seu humor –ou mau humor– para traduzir e tentar encontrar algum sentido nesses acontecimentos eram o principal tempero da série original. Mas "Sex and the City" sempre foi muito mais do que isso.

And Just Like That

  • Onde Disponível na HBO Max
  • Elenco Sarah Jessica Parker, Cynthia Nixon, Kristin Davis, Sara Ramirez, Karen Pittman
  • Produção EUA, 2021
  • Criação Darren Star
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