Descrição de chapéu
Rebeca Oliveira

bell hooks me ensinou a amar, transgredir, erguer a voz e celebrar o meu corpo

Textos da autora tratam do amor como potência de transformações internas e sociais

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Há coisas que só o ato de se sentar em uma cadeira de cabeleireira aos 13 anos de idade com o formol fritando seu couro cabeludo e matando a estrutura dos fios cacheados para "amansar" esses fios ensina. Talvez seja a voz da cabeleireira dizendo que "ser bonita dói" ou que "a dor vai valer a pena quando o cabelo deixar de ser armado" num timbre doce que ensine que o valor de uma menina negra está atrelado ao volume de seus cabelos e do quão "arrumada" ela se apresenta.

Eu fui uma dessas meninas. Assim como milhares de outras espalhadas pelo Brasil, tive machucados no couro cabeludo devido à exposição indevida de formaldeído para tentar alisar as madeixas. Meus cabelos são pretos, grossos, cacheados e volumosos. Passei horas em salões de bairro, com os fios nas mãos de mulheres acostumadas a aplicar o produto alisador na própria cabeça.

A indústria cosmética tentava de tudo para disfarçar o cheiro de químico que irritava narizes, olhos e garganta. As cabeleireiras ligavam ventiladores, abanavam com leques, colocavam toalhas umedecidas sobre meu rosto e me juravam que tudo valeria a pena.

Foi em 2014, aos 17 anos, que decidi parar de alisar os cabelos com química, inspirada pela minha irmã mais velha, que teve um corte químico na época. O processo de transição capilar veio com a tentativa de desconstrução de um padrão de beleza que não foi feito para abrigar mulheres que se pareciam comigo e uma noção de feminilidade ligada ao comprimento e estrutura dos meus fios de cabelo.

A reconstrução da autoestima quando se tem três texturas diferentes de cabelo na cabeça e todos os seus conhecidos dizem que você "era mais bonita antes" pode ser bastante complicada. Foi quando eu ingressei na universidade e conheci a obra de bell hooks.

Em "Alisando o Nosso Cabelo" a autora fala da relação de mulheres negras com seus cabelos, sobre a opressão racista sofrida e os argumentos que usamos para nos convencer de que não somos belas ou aceitáveis como somos.

Esse texto foi o empurrão que eu precisava em direção a uma relação de amor próprio, de me aceitar e de me amar dentro dos meus próprios termos e dos meus próprios padrões, mesmo que isso desafiasse a norma estabelecida de beleza e de valor para mulheres negras.

A obra de hooks nos ensina que amor não é um sentimento, mas uma ação. Em "Tudo Sobre o Amor", ela define que "é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e compromisso" em todas as relações. Inclusive consigo mesmo.

O texto que mudou a forma que me olho no espelho diz "em uma cultura de dominação e anti-intimidade, devemos lutar diariamente por permanecer em contato com nós mesmos e com os nossos corpos, uns com os outros". "Especialmente as mulheres negras e os homens negros, já que são nossos corpos os que frequentemente são desmerecidos, menosprezados, humilhados e mutilados em uma ideologia que aliena. Celebrando os nossos corpos, participamos de uma luta libertadora que libera a mente e o coração."

Erguer a voz. Transgredir. Amar, como verbo. Obrigada pelos ensinamentos, bell hooks. Rest in power.

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