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Dinklage diz se incomodar com fama após 'GoT': 'Não sou animal num zoológico'

Ator que participou de 'Game of Thrones' como Tyrion Lannister agora vive poeta que canta e duela no musical 'Cyrano'

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Kyle Buchanan
The New York Times

Peter Dinklage não se considera um grande cantor, e esgrima não é uma de suas especialidades. Mas a oportunidade de desenvolver essas habilidades foi exatamente o que o atraiu ao seu papel no novo musical cinematográfico "Cyrano", que ele estrela como um poeta que canta e duela.

"A coisa precisa me intimidar", disse o ator. "Qualquer coisa que me assusta atrai meu interesse."

Haley Bennett e Peter Dinklage em cena do filme "Cyrano", de Joe Wright
Haley Bennett e Peter Dinklage em cena do filme 'Cyrano', de Joe Wright - Peter Mountain/Divulgação

Dinklage, 52, encontrou o material inicialmente em forma de um musical escrito e dirigido por sua mulher, Erica Schmidt, com canções compostas por integrantes da banda The National. Depois de uma estreia off-Broadway no final de 2019, "Cyrano", de Schmidt, foi transformado em um filme de produção luxuosa, dirigido por Joe Wright ("Desejo e Reparação"). A história traz o personagem título cortejando sua amada, Roxanne (Haley Bennett), por meio de cartas supostamente enviadas por um soldado apaixonado, Christian (Kelvin Harrison Jr.).

E isso, é claro, nos conduz a uma pergunta altamente contemporânea: será que Cyrano de Bergerac inventou o "catfishing?" Ainda que o novo filme retenha o cenário de época da peça de Edmond Rostand na qual se baseia (escrita em 1897), Dinklage vê muitos paralelos entre a história e a vida moderna. "É exatamente o que fazemos hoje nos namoros online, com pessoas criando perfis que não necessariamente as retratam de maneira fiel", ele disse. "Todos fingimos ser pessoas diferentes, em graus variáveis".

Mas poucos fingem melhor do que Dinklage, ganhador de quatro prêmios Emmy, que interpretou o pequenino e astuto Tyrion Lannister por oito temporadas em "Game of Thrones", até o controvertido final da série em maio de 2019.

"‘Game of Thrones’ na verdade não era uma série de TV –era minha vida toda", disse Dinklage. "Minha família passava seis meses por ano na Irlanda, e isso por quase dez anos. Criamos raízes lá, minha filha ia à escola lá. Ela desenvolveu um sotaque irlandês, porque convivia com crianças irlandesas o dia inteiro".

Mas, ainda assim, Dinklage me disse em uma conversa recente e ampla via vídeo que sua vida pós-"Game of Thrones" vinha sendo uma espécie de libertação. "Você sente um vazio, mas também percebe que não precisa mais fazer aquilo, e começa a pensar no que pode fazer a seguir. E isso é empolgante."

Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Até onde sei, sua mulher, Erica, estava bem adiantada na adaptação dela para "Cyrano" antes de você ler o texto e decidir assumir o papel. O que o convenceu? Sim, ela tinha sido contratada para escrever uma adaptação de "Cyrano" e teve a ótima ideia de reduzir a história ao essencial mais básico. E de substituir os longos monólogos sobre amor por canções de amor. O mais importante para mim, e o que me levou a me conectar com o papel, foi que ela se livrou do mais famoso atributo de Cyrano, que é o nariz obviamente falso no rosto bonito do ator.

Sou ator, e já trabalhei com próteses no passado, mas o fingimento que isso envolve não me caía bem. Sempre pensei que "e o que isso importa? Você tira a prótese no fim do espetáculo". E quando Erica decidiu acabar com isso, eu comecei a achar que precisava interpretar o papel, porque ele passa a ser sobre um cara que não sabe o que fazer diante do amor e não tem a quem culpar pela situação a não ser a si mesmo.

O que você quer dizer com isso? Creio que Cyrano é apaixonado pelo amor, como muitos de nós somos, mas não fazemos ideia do que o amor seja. Sempre salto à frente na história e penso bem o que aconteceria se Cyrano conseguisse o que ele realmente deseja. Será que ele e Roxanne começariam a irritar um ao outro? Será que ele a ama porque a colocou em um pedestal e a mantém nele? Acho que muita gente faz isso. Não querem se aproximar demais. Querem ver só as coisas boas sem as ruins.

Como você se sentia com relação ao amor na casa dos 20 anos? Você amava a ideia do amor? Sim, acho que sim. Existe alguma coisa de "O Morro dos Ventos Uivantes" em todo amor, quando você é jovem, não é? "Romeu e Julieta" não foi escrito para pessoas de 40 anos. Sempre fui culpado de me apaixonar por pessoas que não retribuíam, porque manter a pessoa distante é mais romântico do que trazê-la para perto. Você se apaixona por pessoas que sabem que não vão corresponder para tornar as coisas ainda mais atormentadas, e não se interessa pelas pessoas que se interessam por você. Meu cérebro funcionava assim, porque eu me sabotava o tempo todo, quando era mais novo.

E como lidar com isso? Você começa a envelhecer um pouco e percebe que aquilo não serve para coisa alguma. Mas tudo bem, porque o certo é que a pessoa seja bem confusa, nos seus 20 anos. Eu sou apresentado a muita gente ambiciosa e profissional na casa dos 20 anos, e são pessoas altamente controladas; a sensação é a de que não cometeram os erros realmente importantes, diferentemente de mim e dos meus amigos em Nova York. Quando tínhamos 20 e poucos anos, saíamos e bebíamos e fumávamos a noite toda, uivando para a Lua. Éramos completamente tontos, e isso era muito divertido.

Você se lembra do dia em que conheceu Erica? Claro. Faz cerca de 18 anos. Estávamos todos na casa de amigos, e alguém disse que "tem elefantes andando no Queens Midtown Tunnel". O circo tinha chegado à cidade, estava nevando, e eles estavam levando os elefantes a pé para Manhattan, uma longa fila deles. Parecia uma cena de um lindo filme romântico, uma história fantástica de fim de mundo. Está vendo? Penso sobre filmes o tempo todo. E foi essa a noite em que nos conhecemos, a noite em que os elefantes passearam por Manhattan.

Àquela altura, você já tinha deixado para trás sua tendência de se atormentar quanto ao amor? Não acho que seja assim que funciona. Acho que são as ações dos outros que levam isso a mudar em você. Quem teve a sorte de experimentar o amor sabe que ele simplesmente chega e toma conta. Não há como controlar o que você sente, mas há como escolher o que você fará a respeito.

O que é parte do problema de Cyrano, que ele talvez se sinta indigno de ser amado. Eu cresci como parte de uma família católica irlandesa, e por isso me sinto completamente indigno de tudo. Espero que seja sobre isso que o filme fale, essa sensação de que somos indignos, que aflige a todo mundo. Quando você ama alguém, a pessoa se torna tão poderosa e importante que sua reação, claro, é a de que "não sou digno disso, e por que seria? É algo tão maior do que eu".

Na década de 1990, você deu uma entrevista em que dizia que o que mais queria era interpretar o papel romântico principal e ficar com a garota. Acho que eu estava me referindo mais é à ideia de que o papel principal se estende por toda a narrativa, e isso é uma alegria. Eu tinha interpretado muitos papéis divertidos, àquela altura, mas sempre coadjuvantes. Por trás da cortina da produção cinematográfica, muito gira em torno da continuidade do personagem. Se você faz uma ou duas cenas, por melhor que seja seu trabalho nelas, você se diverte, mas logo está fora da história. Não há um arco narrativo que o enquadre.

Acho que uma das coisas fascinantes em "Game of Thrones", e o motivo para que muitos atores se sintam atraídos pela televisão, agora, está nas histórias lentas. Por exemplo, se você pensa no personagem do irmão de Tyrion, Jaime. Ele joga um garotinho da janela no primeiro episódio, mas duas temporadas mais tarde se transforma em herói para a audiência. Será que as pessoas esqueceram que ele jogou um menino da janela? É louca a maneira pela qual se pode surfar na narrativa e conduzi-la em qualquer direção que você prefira. Pude fazê-lo no caso de Tyrion, e um ator pode fazê-lo em um filme no qual tenha o papel principal, mas é preciso condensar o trabalho um pouco mais.

Como era ser famoso no auge da mania de "Game of Thrones?" Havia uma imensa variedade de reações, que eu ainda encontro a cada dia. As intenções das pessoas são boas, mas quando você está andando na rua com seu filho e as pessoas tiram sua foto sem pedir... Começo a dizer essas coisas e me detenho, porque não cai bem para um ator se queixar disso. As pessoas dizem que "você tem uma vida ótima. Qual é o problema de eu tirar sua foto? Você é artista, tenho esse direito".

Mas o ponto não é esse. É mais uma questão de nível humano. Não sou um animal de zoológico. Sou uma pessoa. Digamos que eu esteja passando por um dia realmente péssimo, e você me aborda. Tenho a obrigação de sorrir? E por que você não está se comunicando diretamente comigo? O mais frequente é que as pessoas tirem fotos sem pedir, e às vezes, quando respondo, mesmo que gentilmente, elas não dizem coisa alguma, porque parecem surpresas por eu estar falando com elas. É bem louco. Se você é fã do meu trabalho, porque agiria assim comigo?

Em sua opinião, por que as pessoas agem dessa maneira? Acho que muita gente vive completamente distanciada das demais pessoas. Os celulares com câmera se tornaram como que dedos, uma extensão dessas pessoas, e elas nem pensam antes de agir, porque todo mundo vive dessa maneira agora. Atores muito mais famosos do que eu podem caminhar pela Broadway, caso se escondam corretamente, mas eu não posso fazer isso, o que dificulta as coisas. Vim morar em Nova York para ser anônimo. "Quem se importa? Ninguém olha para os outros duas vezes". E agora, por causa da tecnologia, todo mundo se importa.

George R.R. Martin queria que "Game of Thrones" durasse mais duas temporadas. Você acha que isso deveria ter acontecido, ou era a hora certa para terminar? Foi a hora certa. Não mais, não menos. É melhor ir embora antes que sua estadia comece a incomodar as pessoas, embora eu não tenha certeza de que isso se aplique à série. Mas acho que a razão para que os fãs tenham tido reações negativas é porque desmanchamos o relacionamento com eles, e isso os deixou zangados. Íamos sair do ar e eles não teriam mais o que fazer nas noites de domingo. Queriam mais, e por isso reagiram negativamente.

Tínhamos de terminar quando terminamos, porque aquilo em que a série era realmente boa era abandonar ideias preconcebidas. Vilões se tornam heróis e heróis de se tornam vilões. Se você estuda história e acompanha o progresso dos tiranos, sabe que eles não começam como tiranos. Estou falando –"spoiler alert"– sobre o que acontece no final de "Game of Thrones", quando a personalidade de uma personagem muda. É gradual, e amei ver como o poder corrompe aquelas pessoas. O que acontece ao seu compasso moral quando você começa a saborear o poder? Os seres humanos são criaturas complicadas, não é?

Tradução de Paulo Migliacci

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