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Distopia de Marcelo Ferroni faz alerta contra os abusos das big techs

Romance 'As Maiores Novidades' investiga uma descoberta tecnológica que permite viajar no tempo

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Luiza Crosman

As Maiores Novidades: Uma Viagem no Tempo

  • Preço R$ 49 (128 págs.)
  • Autoria Marcelo Ferroni
  • Editora Mapa.Lab

"As Maiores Novidades: Uma Viagem no Tempo", novo romance do brasileiro Marcelo Ferroni, investiga os bastidores corporativos de uma descoberta tecnológica –a capacidade de um celular de modificar o passado ao tirar fotografias.

O livro se desenvolve através dos diferentes personagens corporativos, o técnico, o CEO, a assistente, o COO, a diretora de marketing. Cada personagem traz para a história o seu ponto de vista a partir da hierarquia imposta pela empresa tech europeia Challenger.

Menos uma história de ficção científica, em que por meio da imaginação exploramos um mundo alternativo, e mais uma espécie de crônica expandida e distópica, não é difícil imaginar os eventos do livro de fato ocorrendo.

capa de livro
Capa do livro 'As Maiores Novidades: Uma Viagem no Tempo', de Marcelo Ferroni, publicado pelo Mapa.Lab - Reprodução

Chefes, diretoras e técnicos perdidos diante de uma inovação maior que eles mesmos, tentando achar, ao mesmo tempo, culpados e possibilidades de lucro —como se fossem esses os dois únicos lados de um avanço tecnológico. Por vezes os personagens soam por demais caricatos, mas servem a um propósito –povoar o ambiente empresarial com o que poderia ser visto como a versão empreendedora da burocracia, um egocentrismo feito de ansiedade, atrações físicas e déficits de atenção.

A distopia aqui é que os personagens só conseguem enxergar onde a inovação os afeta na sua relação direta com o lançamento do produto. Questões como ter de refazer a campanha comercial exemplificam a miopia corporativa.

Dessa forma, a mesquinharia, os abusos e a competição empresarial tomam muito mais espaço no livro do que a exploração de qualquer implicação que a descoberta poderia trazer. Essa inversão explica o fato de a única consequência que testemunhamos —atenção, spoilers a seguir— ser interna à própria empresa.

Como na maioria das histórias de viagem no tempo, a alteração do passado compromete o futuro, modificando seus acontecimentos. Em Juncheon, sede da fábrica coreana absorvida pela empresa europeia, um dos gerentes percebe a verdadeira oportunidade comercial da viagem no tempo que o celular oferece. As tentativas são falhas justamente porque ao longo dos dias de reuniões na Europa, a realidade já está em transformação.

O gerente coreano volta no tempo aniquilando a antiga rival, reescrevendo a história e tornando a sede coreana a principal. Com isso, o CEO, a técnica, a assistente, a diretora de marketing da divisão europeia, aos poucos vão desaparecendo junto de suas tão estimadas funções.

A história ecoa o que a escritora e acadêmica australiana McKenzie Wark desenvolve em seu livro "Capital Is Dead, Is This Something Worse?", traduzível como uma pergunta sobre se o que temos hoje seria pior do que a morte do capital.

Segundo a autora, uma nova luta de classes surge com a centralização econômica de vetores de informação, incluindo sistemas de logística, patentes e propriedade intelectual. É a disputa entre a classe vetorialista —a nova classe dominante que controla os meios pelos quais informação, uma vez abundante, se torna escassa— e a classe hacker —responsável pela produção da informação.

Nessa análise, Wark demonstra como a extração de riqueza está cada vez mais atrelada aos mediadores e quem controla a informação, em vez de na informação em si.

Quando o tempo —passado, presente e futuro— se torna vetor de informação mediada através de uma tecnologia restrita e controlada por poucos, ou seja, quando seu acesso passa a ser desigual, a famosa frase de origem grega, popularizada por Benjamin Franklin e tornada mote capitalista "tempo é dinheiro" se atualiza.

Não é mais a possibilidade de gerenciar seu próprio tempo que está atrelada à condição econômica de alguém, mas sim a própria possibilidade de existir no tempo presente. Ferroni mostra, por meio dessa premissa forte, embora um pouco sufocada pela insistência satírica, que em tempos neoliberais não há nada tão ruim que uma guerra corporativa não possa piorar

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