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Edney Silvestre reescreve 'Vidas Provisórias', sobre brasileiros expatriados

Após mudanças em livro, escritor relança o romance, que está mais atual do que quando foi lançado originalmente, em 2013

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São Paulo

O escritor e jornalista Edney Silvestre não chegou a renegar seu livro de quase uma década atrás, mas tinha uma porção de ressalvas em relação ao romance. "Vidas Provisórias" foi publicado em 2013, rodeado de insatisfações do seu criador, que só cresceram nos anos seguintes.

Faltava detalhar a trajetória de alguns dos personagens, contextualizar melhor determinadas passagens, dar mais fluência a certos trechos. Muito desassossego para o autor, que havia conquistado o Jabuti de 2010 por "Se Eu Fechar os Olhos Agora", seu romance de estreia.

Edney Silvestre na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, em 2011 - Leticia Moreira/Folhapress

Edney tomou uma decisão incomum. Não se limitaria a fazer ajustes pontuais em "Vidas Provisórias", como é praxe de uma edição para a outra, mas iria reescrever efetivamente o livro. Com esse rearranjo amplo e dois capítulos inéditos, a obra ganha sua segunda vida a partir deste mês de dezembro.

Segundo ele, "mudar um livro com o qual você está insatisfeito é um prêmio". Há poucos casos semelhantes na literatura brasileira, como "O Braço Direito", de Otto Lara Resende, lançado em 1963 e bastante modificado nas décadas seguintes até 1992, quando o escritor mineiro morreu. A quinta edição saiu um ano depois.

Terceiro romance de Edney, "Vidas Provisórias" conta as histórias de dois brasileiros que se viram obrigados a deixar o país, expatriados em períodos diferentes da história recente. As tramas correm paralelas ao longo de quase 350 páginas.

Uma delas acompanha Paulo, um estudante de pedagogia que é preso por engano nos anos 1970. É torturado por jagunços a serviço da ditadura militar e, sob ameaça constante, foge para o Chile e depois para a Suécia, onde passa a maior parte dos seus anos de exílio.

A outra história é a de Barbara, também muito jovem. Sua vida começa a desabar quando seu pai é injustamente considerado culpado pela morte de uma criança, e tudo piora com a crise econômica decorrente do Plano Collor. Ela consegue comprar um passaporte argentino falso e embarca no começo da década de 1990 para os Estados Unidos, onde trabalha como faxineira e pedicure.

"Barbara é personagem de ficção, mas as Barbaras que conheci com outros nomes não são, não eram. Os Paulos também não", escreve Edney na introdução desta segunda edição. "São essas mulheres e homens sem pouso, rejeitados pelo Brasil, lutando para não perder sua língua, sua identidade, sua dignidade humana, que estão nas páginas seguintes."

As intervenções do autor para o relançamento foram feitas sobretudo para acrescentar densidade às ligações desses dois personagens com as pessoas e os lugares que conhecem nos países de destino.

Edney muda, por exemplo, uma decisão de Paulo em relação a Anna, a sueca com quem ele viria a se casar —e mais do que isso não convém revelar.

Na frente americana do livro, ganham textura as conexões de Barbara com as prostitutas para quem faz faxina e com o amigo Silvio, que se submete a tratamentos experimentais contra o vírus HIV.

"Vidas Provisórias" demonstra hoje mais atualidade do que quando foi lançado originalmente, em 2013, o que certamente é um mau sinal para o Brasil e o mundo. Nesse sentido, Edney espera que o romance tenha uma função de alerta. "Naquela época, vivíamos em plena democracia, com a admiração do mundo em relação ao que estávamos construindo. A situação do Paulo, que havia sido torturado, e da Barbara soavam até um pouco vagas", lembra o autor.

"Neste momento, temos o quê? Situações de destruição sistemática. Espero que Paulo, Barbara, Silvio e outros personagens possam ser compreendidos como os brasileiros cujas dores nós podemos evitar."

Esses fios, conectados ao dínamo de que lhe falei, quando ligados, vão lhe causar choques e dores como o senhor nunca imaginou que fossem possíveis. Semelhantes ao que o senhor sentiu há pouco, quando tentou retirar o capuz. Só que mais agudas. Muito mais agudas. Percebeu que as correias que o atam à cadeira são forradas de espuma de borracha? A espuma absorve e retém a água. Para melhor conduzir a eletricidade, os interrogadores vão jogar água no senhor. O mesmo bastão que o conteve, minutos atrás, será utilizado para dar choques em seus mamilos e seu saco escrotal.

Edney Silvestre

Trecho de "Vidas Provisórias" no qual um médico, a serviço da ditadura militar, explica a Paulo os efeitos dos equipamentos de tortura

Dois livros receberam a atenção de Edney ao longo deste ano, o reelaborado "Vidas Provisórias", agora nas lojas, e o novo "Amores Improváveis", lançado no primeiro semestre. Curiosamente, um romance é o reverso do outro.

"Amores" reúne histórias de imigrantes que chegaram no século 19 e no começo do 20 ao Brasil, onde, apesar de tantas adversidades, a acolhida a quem vinha de fora era possível, havia confiança no futuro. "Vidas", entretanto, é o Brasil que expulsa sua gente, por razões políticas ou econômicas. Para Paulo e Barbara, a saudade de casa não é mais forte que o desejo de sobreviver, seja onde for.

Vidas Provisórias

  • Preço R$ 59,90 (352 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Edney Silvestre
  • Editora Globo Livros
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