José de Abreu diz que errou ao ofender Tabata e que no Twitter há muita baixaria

Ator acaba de lançar 'Abreugrafia', catatau em que narra sua trajetória cheia de sexo, drogas, teatro e retuítes

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Belo Horizonte

A abreugrafia era um exame rápido em raio-X dos pulmões, obrigatório aos trabalhadores brasileiros da primeira metade do século 20. Seu inventor, o paulista Manoel de Abreu, chegou a ser indicado ao Nobel. Agora, "Abreugrafia" vira nome de livro, escrito por outro paulista, o ator José de Abreu, que pita um cigarrinho enrolado durante a entrevista.

Homem é submetido a uma abreugrafia, exame para diagnóstico da tuberculose - Folhapress

"Toda vez que venho para a Europa, eu volto a fumar essa desgraça desse cigarrinho", conta o autor fumante eventual, por videochamada. Ele fala de Portugal, para onde foi junto com a mulher, Carol Junger, depois de terminar as gravações da novela "Um Lugar ao Sol".

É óbvio que o livro "Abreugrafia" não tem absolutamente nada a ver com o exame de pulmão, o título é um jogo de palavras com o sobrenome do autor e com o gênero literário do livro. É uma autobiografia em dois volumes do ator que, apesar de nunca ter sido indicado ao Nobel, teve uma trajetória notável capaz de encher 796 páginas.

Abreu mostra em seu livro ter sempre vivido, de alguma forma ou de outra, de acordo com o espírito de seu tempo.

No fim dos anos 1960, fez parte do movimento estudantil e lutou contra a ditadura militar. Esteve na famosa batalha da rua Maria Antônia, em São Paulo, foi preso e fez parte do teatro Tuca, da Pontifícia Universidade Católica paulistana.

Nos anos 1970, desistiu da carreira de vendedor de máquinas de escrever da IBM enquanto puxava fumo nas dunas de Gal, em Ipanema, e foi molhar os pés no movimento do desbunde e comer arroz integral na Bahia. Depois foi ser cabeludo na Europa, onde viajou no ácido e numa Kombi usada.

O ator José de Abreu em ficha da polícia de 1968, quando foi preso por agentes da ditadura - Instagram/osedeabreu

Ele casou, descasou, virou gaúcho, fez teatro, fez cinema, tornou a ser paulista, ganhou um Kikito, foi para a Globo. Agora, aos 75 anos, em vez de fazer o tipo "no meu tempo é que era bom", ele sinaliza que segue com o radar atento para mudanças e com os dois pés fincados no presente.

Primeiro porque hoje demonstra estar às voltas com as pautas identitárias. Segundo porque Abreu não é de fugir de briga no Twitter. Difícil estar mais na moda do que isso. "Estou torcendo, eu quero muito ter um neto negro", conta o ator, que também lembra a filha caçula, que é trans. "Eu imediatamente a protegi, sabe, bicho? Em nenhum momento me passou que isso era loucura da cabeça dela."

"Eu costumo dizer, cara, que a vida me dá muita oportunidade de aprender", diz. "Parece que faz sentido essas coisas que me acontecem para me ajudar a aprender, sabe?" Só que isso não o torna imune às dores do crescimento. "Fiz anos de análise. A gente não muda de uma hora para outra. É um processo de transformação."

"Eu lembro aquela história do José Mayer. Eu entendi aquela carta dele quando ele fala que talvez ele não tivesse percebido que ele estava morando num outro tempo", diz Abreu, sobre o colega de profissão que foi acusado de assédio sexual por uma figurinista da Globo e acabou demitido.

O repórter então pergunta se houve algum tipo de aprendizado depois do episódio envolvendo Tabata Amaral, quando o ator retuitou a frase "se encontro na rua, soco até ser preso", que se referia à deputada do PSB de São Paulo e colunista deste jornal.

"Cara, aí tem dois aspectos", ele responde. "Tem um aspecto de que RT [retuitar] não é endosso. Eu sempre dei RT em tudo. Eu lembro direitinho do RT", diz.

Abreu afirma que a intenção do compartilhamento foi mostrar o tipo de reação que a parlamentar estava provocando na rede. "Foi mostrar ‘olha o que estão dizendo de você', olha a que ponto chega a loucura'. 'Você, no máximo, está provocando instintos baixos.’"

Depois de conversar com gente do PSB, do PT e com jornalistas que acompanharam o caso, ele diz acreditar que acabou se envolvendo numa briga familiar em Pernambuco. "Porque ali tem uma situação extremamente complicada. Ela [Amaral] está namorando com o João [Campos, do PSB, prefeito do Recife], e o PSB e o PT estão negociando há meses uma campanha juntos."

"Eu errei naquele RT? Errei, me dei conta que cometi um vacilo. Mas continuo dando RT em tudo que acho que devo."

E, para comentar parte das críticas que recebeu, volta seu olhar ao identitarismo, desta vez de forma mais crítica. "Aconteceu com uma vereadora preta LGBT do PT de Campinas [Paolla Miguel], foi xingada de preta lixo. Não houve a mesma sororidade que houve com a com a branca paulista", compara.

E sobre seus não raros embates no Twitter, como que para demonstrar que os sururus online nos quais toma parte são democráticos, ele pergunta "só posso atingir homens de classe média?". "Se eu estiver discutindo com um trans ou um gay, índio ou preto eu sou acusado de preconceito. Por quem? Hoje em dia não mais pelos bolsonaristas, mas pelos ciristas. As minhas amigas feministas os chamam de 'feministos'."

"E aí a briga é ‘Zé de Abreu ou Ciro, quem é mais misógino?'. Nem Ciro nem eu somos misóginos", completa.

Recentemente, ele resolveu apagar a conta no Twitter, temporariamente. "Desintoxicação", explica. "Dar um tempo, estou sofrendo muitos ataques. Muita baixaria."

O repórter pergunta a Abreu, recém-filiado ao Partido dos Trabalhadores, qual a sua avaliação sobre a gestão de Mario Frias na Secretaria Especial da Cultura. "Não tem gestão, né?", ele responde. "Um ator que vai trabalhar armado, com a arma na mesa. O secretário de Cultura. A arma da cultura é a literatura, o livro, as artes plásticas, teatro, cinema, dança. Essas são as nossas armas", comenta.

"Então quando eu falo dessa minha disposição de 'ir para o sacrifício' e me candidatar a deputado federal, uma das coisas que eu penso é nos meus colegas camareiros, os técnicos, carpinteiros de teatro e que estão todos desempregados."

Só que Abreu repensou o sacrifício, e a família falou mais alto. "Não posso quebrar a minha família", disse à coluna da jornalista Mônica Bergamo. "Eu já tinha assumido os riscos. Mas não posso transferir isso para toda a família."

Ele diz que acha engraçado como a direita tem um problema sério com cultura. "A impressão que me dá é que eles não conhecem e que é um mundo que eles não conseguem entrar, não conseguem entender. E aí têm um medo do desconhecido."

"Durante a ditadura a gente achava que uma peça de teatro ia fazer a pessoa pegar em armas. Óbvio que era petulância nossa. Mas a impressão que eles [direita atual] dão é isso. O que uma peça de teatro pode fazer? Por que proibir uma peça de teatro?"

"Se o próximo presidente quiser retomar o que foi feito em termos de cultura vai ter que primeiro reconstruir o ministério." E, se o próximo presidente for Lula, este não deputado aceitaria um convite para ser ministro da Cultura?

"Honestamente eu acho que tem pessoas mais bem preparadas." Ele lembra o ator Antonio Grassi, que chefiou a Funarte no primeiro governo Lula e foi diretor-presidente do Instituto Inhotim, além de Eliane Costas, que foi gerente de patrocínios da Petrobras de 2002 a 2013.

"Não é que eu não aceitaria um convite. Eu digo que tem pessoas mais bem preparadas que eu, no meu ponto de vista. Mas se for uma condição, sei lá, às vezes o interesse nacional é maior do que o interesse pessoal."

Abreugrafia

  • Autor José de Abreu
  • Editora UBK Publishing House
  • Livro 1 R$ 69,90 (408 págs.)
  • Livro 2 R$ 69,90 (388 págs.)
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