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Moda em 2021 ressuscitou a periguete com muita fenda, transparência e sensualidade

Escândalos ambientais também fizeram corar uma indústria têxtil que promete ser mais verde

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modelo negro com roupas pretas em desfile de moda

Modelo no desfile de Rober Dognani na 49ª Casa de Criadores, no Teatro Mars, em São Paulo Marcelo Soubhia/Fotosite

São Paulo

Se fosse preciso vestir a moda deste ano com uma única palavra, desejo cairia bem. O represado, fruto da clausura dos dias pandêmicos, foi o que moveu a maior parte das minicoisas vendidas como última moda, um guarda-roupa no qual os comprimentos diminuíram, a bolsa encolheu e os sapatos desceram dos saltos.

Veio a calhar. Se o mundo não aguentava mais as camadas do look home office, rogava pela ideia de carregar só o essencial e, do ponto de vista econômico, a crise de insumos provocada pela desorganização logística da pandemia travou a produção em escala sem precedentes, a solução mais fácil foi despir o corpo até os limites da decência.

A ideia ornou com o erotismo ruminado entre quatro paredes por uma juventude fashionista já cansada dos padrões estéticos do passado desde o pré-pandemia.

Brinquedos sexuais, peitos, colos, pélvis e coxas abertas passearam pelas passarelas mais chiques, de Versace a Saint Laurent, de Gucci a Chanel, porque, como bem disse Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci, "moda é desejo" e "o desejo, você sabe, é erótico".

À parte a lascívia do termo, um outro tipo de desejo, o de mudança, pautou as discussões sobre os rumos dessa indústria acossada pela pecha de poluente num momento em que a crise climática já não reverbera como aviso ao planeta, mas como alerta vermelho.

Emissões de carbono e economia circular, jargão para definir o reaproveitamento têxtil e o uso de roupas de segunda mão, cujo mercado deve ter o dobro do tamanho do fast-fashion até 2030, segundo dados da consultoria Global Data, são a alma do novo marketing das grifes.

Durante a COP26, a 26ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em novembro, em Glasgow, no Reino Unido, em meio ao falatório responsável dos executivos e a entrada do grupo LVMH na lista de signatários do Pacto da Moda, documento construído em parceria com a ONU como carta de boas intenções da indústria para reduzir suas emissões de carbono pela metade, a imagem de um grande lixão têxtil descoberto no deserto do Atacama, no Chile, rodou o mundo para enrubescer essa elite do consumo mundial.

O caldo engrossou ainda mais quando foi divulgado no final do mesmo mês um estudo da empresa especializada em cadeia de suprimentos Stand Earth, cujo teor aponta o suposto envolvimento de medalhões da moda como Prada, Fendi, Coach, Adidas, Nike e o próprio grupo LVMH, dono de Louis Vuitton e Dior, com o desmatamento da Amazônia.

Esse vínculo teria a ver com o fato de sua cadeia de insumos de couro estar ligada ao frigorífico JBS, um dos grandes exportadores mundiais da matéria-prima que, em 2020, enfrentou acusações do Ministério Público por grilagem de terras e desmatamento ilegal.

Não foi coincidência que, em abril deste ano, a empresa lançou o Leather Labs, uma iniciativa de seu braço JBS Couros que, entre outras demandas, passou a vender produtos feitos de um suposto "couro sustentável", cuja manufatura reduziria o consumo de água em 52% e o uso de energia em 62%, além de mitigar em 93% os resíduos da cadeia produtiva. Na moda, parece evidente, boas práticas costumam surgir como resposta a crises de imagem.

As mudanças fundamentais não passam apenas pelo processo produtivo, mas pelas plataformas nas quais veremos e consumiremos moda nos próximos anos. No contexto de gamificação da vida, em que tudo é visto e comprado em uma realidade paralela, o ano fez saltar da teoria à prática o conceito de metaverso aplicado à moda.

Balenciaga, Gucci, Louis Vuitton. Balmain e Dolce & Gabbana, para citar as mais incensadas desse movimento, entraram de cabeça na ideia de vender peças que só podem ser usadas virtualmente, os chamados NFTs, que vêm revolucionando o mercado da arte e da música e, agora também, a indústria fashion.

De olho na geração Z, provável motor do consumo na próxima década e que já nasceu enredada em jogos de videogame nos quais assumem avatares, essas grifes passaram a vender versões de produtos por dezenas de dólares. São, na prática, os novos produtos de entrada, substitutos dos perfumes que nas últimas décadas do século 20 foram a base da cadeia alimentar de seus negócios.

O fato é que 2021 materializou na moda o processo de desmaterialização do produto cultural iniciado nos estertores do milênio passado e no início deste, quando o MP3 substituiu o CD, o streaming subjugou o DVD e os ebooks surgiram no horizonte como opção à celulose. Era questão de tempo até a ideia de roupa em bits entrar no balaio de opções, só não se sabia ainda como ao certo isso tomaria forma.

Paradoxalmente, as roupas de mentirinha, visualizadas só pela tela do computador ou por meio dos dispositivos de realidade aumentada —a exemplo dos óculos que logo podem chegar às prateleiras com preço acessível e, com a disseminação do 5G, detonar o metaverso no dia a dia— são tudo que a indústria dos desfiles quer enterrar.

Enquanto, no ano passado, as marcas lançaram, por pura obrigação, pequenos filmes para substituir a experiência real da passarela, neste jogaram na vala do esquecimento a ideia de que o videotape daria o tom da nova ordem fashion nas próximas temporadas. O carão, as etiquetas parecem ter percebido, é intrínseco à experiência da moda.

As passarelas semipresenciais de Nova York, Londres, Milão, Paris e São Paulo tentaram parir um mundo híbrido, no qual coexistam os chamados fashion filmes e o vaivém de modelos ao vivo. Não deu certo, talvez devido ao mesmo desejo represado da audiência de voltar os olhos para fora da sala de estar e esquecer a impessoalidade dos monitores.

Foi assim com a despedida de Virgil Abloh, morto aos 41 no mês passado, que ganhou uma apresentação majestosa da marca para a qual criava, a Louis Vuitton, durante o desfile de sua última coleção em paralelo à feira Art Basel Miami Beach, grande motor do mercado mundial e latino-americano das artes visuais. Mesma homenagem física que ganhou Alber Elbaz, ex-estilista da Lanvin e um dos designers mais importantes do luxo, cuja morte por Covid-19 em abril motivou um desfile assinado por 45 figurões da indústria na semana de moda de Paris.

Giorgio Armani, Jean Paul Gaultier e Vivienne Westwood integraram a lista de amigos que desenharam looks para a AZ Factory, grife fundada por Elbaz depois de sua saída da Lanvin, inspirados no legado de opulência construído pelo designer marroquino que, por ironia, era ícone do desejo.

O próximo ano ainda versará sobre a palavra. É que, seja cobrindo ou descobrindo novos corpos, a capa de mistério que é invólucro da moda permanece íntegra e viva depois de toda a turbulência.

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