Museu da Casa Brasileira pode virar museu do 'Castelo Rá-Tim-Bum' com expansão

Fundação Padre Anchieta assume gestão com planos de dedicar parte do prédio a exposição sobre o programa infantil de TV

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Museu da Casa Brasileira, no Jardim Paulistano

Museu da Casa Brasileira, no Jardim Paulistano Chema Llanos/Divulgação

São Paulo

Depois de 50 anos dedicado exclusivamente à arquitetura e ao design nacionais, o Museu da Casa Brasileira, que faz parte da rede de instituições culturais do estado de São Paulo, está prestes a ganhar novas feições. Com sua gestão transferida para a Fundação Padre Anchieta, a FPA, ele deve se tornar, ao menos em parte, o museu do "Castelo Rá-Tim-Bum".

Em janeiro, a entidade de radiodifusão responsável pela TV e pela rádio Cultura assume a administração do espaço, consolidando um movimento revelado por este jornal em junho. A FPA substituirá uma gestão de 12 anos a cargo da organização social A Casa. Uma das primeiras medidas da nova gestão foi instalar placas de sinalização com o nome da FPA à entrada do museu, que está em recesso desde segunda-feira.

O Museu da Casa Brasileira, localizado na avenida Brigadeiro Faria Lima, zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

O presidente da FPA, José Roberto Maluf, diz que há planos de "colocar o museu Rá-Tim-Bum em partes no imóvel". Ele conta que a ideia não seria instalar de uma vez toda a exposição inaugurada em 2014 no Museu da Imagem e do Som, que teve versão ampliada em 2017 e 2018, no Memorial da América Latina.

Até porque o espaço do MCB não comporta toda a expografia que reconstruía ambientes onde viviam personagens como Nino, uma criança de 300 anos, e a bruxa Morgana, sua tia-avó —na segunda versão da mostra, eram 700 metros quadrados de cenários.

O solar Crespi Prado, onde funciona a instituição, na verdade, mal acomoda seu crescimento nos últimos anos –de acordo com dados da organização social A Casa, o acervo aumentou 133%, com base em uma política de doações–, motivo pelo qual desde 2015 a gestão tinha planos de ampliar e renovar seu espaço.

A história do MCB é indissociável de sua sede na avenida Brigadeiro Faria Lima. O imóvel foi doado por Renata Crespi à FPA em 1968, cinco anos após a morte de Fábio da Silva Prado, seu marido e ex-prefeito de São Paulo.

A viúva estabeleceu como condição para a doação que sua antiga casa fosse usada para fins culturais. Nasceu assim o museu, no imóvel cedido em comodato pela FPA para tal. O acervo de móveis e objetos do casal Crespi Prado é a semente original da coleção do MCB.

Por isso, quando em 2018 a FPA comunicou que não tinha interesse em renovar o comodato de 50 anos, que expirava em 2021, houve dúvidas sobre a continuidade do projeto museológico.

À frente da Secec, a Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do estado de São Paulo, Sérgio Sá Leitão diz que a mudança se dá num momento em que o contrato de cinco anos com a organização social se encerraria e outra concessão teria de ser realizada. "Não trabalhamos com o conceito de capitanias hereditárias."

Os 12 anos em que A Casa esteve à frente do MCB corresponderam a três contratos sucessivos de gestão. Na primeira renovação, não houve concorrentes. Na segunda, se apresentaram as organizações responsáveis pelo Intituto Lina Bo e P. M. Bardi e pelo MIS, mas o plano apresentado pela Casa venceu.

Segundo Sá Leitão, a transferência de gestão "resolveu a questão do imóvel e não altera em absolutamente nada a questão do museu". O secretário diz que, no novo termo, "até poderia ter havido" uma mudança no rol de temas com os quais o MCB lida, mas que isso não se deu.

"É possível que haja exposições relacionadas ao acervo, com obras do acervo da TV Cultura ou de outras instituições geridas pela FPA, desde que se enquadrem no escopo do Museu da Casa Brasileira", diz. Ainda de acordo com Sá Leitão, esse escopo "está muito bem definido nesse contrato e nós esperamos que a gestão se atenha a ele, porque é o perfil do museu".

Em complemento enviado por escrito, a Secec reafirmou que "o contrato prevê medidas em caso de descumprimento de cláusulas". Mas acrescentou um dado novo quanto ao uso do espaço que abre brecha para o que seria o Museu do Castelo Rá-Tim-Bum.

"O imóvel ocupado parcialmente pelo museu pertence à Fundação Padre Anchieta, que pode realizar exposições com outra temática em áreas não ocupadas pelo museu. Essas exposições não podem ser feitas com recursos humanos e financeiros do museu, nem ter a assinatura do museu."

A definição do museu como ocupante de parte do solar Crespi Prado é uma novidade. No contrato com a Casa, há um anexo que é o termo de permissão de uso do imóvel em sua integralidade.

Além da ideia de ampliar o solar Crespi Prado, que Sá Leitão diz já estar acertada com a FPA, e de levar para lá a atração de maior sucesso da TV Cultura, pouco se sabe sobre os planos para o espaço a partir de janeiro.

O termo de gestão não foi disponibilizado no Portal da Transparência do governo ou no da Secec, ao contrário do que costuma ocorrer com contratos do gênero.Após três dias de pedidos de acesso ao documento, público, esta repórter recebeu o termo, mas não os anexos nele mencionados, um dos quais estabelece o plano de trabalho para a instituição.

"Nós vamos dar um ‘up’ no museu", afirma José Roberto Maluf ao ser questionado sobre as mudanças que a FPA pretende implementar. "Vamos divulgar mais, colocar mais pessoas lá dentro, ver se aumentamos o patrimônio do museu com outras obras e peças de exposição."

A diretora-executiva de saída do MCB, Miriam Lerner, afirma que, de todo o planejamento de exposições temporárias para 2022, apenas a primeira mostra foi aceita pela FPA. A medida assegura a programação em janeiro, na volta do recesso.

Ela conta que foi em junho que ficou sabendo oficialmente da transferência de gestão e que a transição no museu teve início no mês seguinte. "A fundação pediu uma sala para que um representante já se inteirasse dos processos" –o que, diz, não se deu com os membros da diretoria, mas em contato direto com os funcionários da equipe.

Sobre a equipe, há uma "boa notícia" a comemorar, diz Lerner. Em novembro Carlos Magalhães, coordenador designado pela FPA para a transição, apresentou um organograma que absorveria os 44 membros do atual corpo técnico. Alguns já haviam buscado e encontrado novas colocações, conta ela, mas a maioria manifestou desejo de continuar, inclusive o diretor técnico do museu, o arquiteto Giancarlo Latorraca.

Lerner diz ter recebido o gesto com alívio. "Embora a secretaria sempre sinalizasse que queria manter as ações e programas, a gente não via como seria possível [sem a permanência da equipe]."

Indagado a respeito do pessoal, Sá Leitão diz que, em mudanças de gestor, a recomendação da Secec é "que haja o aproveitamento do maior número possível de funcionários, tendo em vista a questão da cultura organizacional".

No entanto, frisa, não se trata de uma obrigação. "Há também esferas de autonomia. O que a FPA nos passou é que o desejo dela é contar com o maior número possível de funcionários do museu. Agora, acho que mudanças também são bem-vindas."

Mais sucinto, José Roberto Maluf disse que reuniões estão ocorrendo para decidir "quem ficará e quem deixará o museu", sem dar mais detalhes. "Temos interesse, sim, em ter os melhores profissionais."

Há, ainda, a questão orçamentária. Embora a Secec destine verbas a seus museus, no caso do MCB, 40% do orçamento era de recursos captados pela administração. O restaurante e a operação do estacionamento proveem parte dessa receita.

As exposições temporárias do MCB, que se somam à mostra permanente de peças do acervo, vinham sendo realizadas por meio de parcerias com produtores culturais, que captavam recursos, ou com produção própria, mas com verba de editais.

O repasse do governo para o MCB em 2021 foi de R$ 6,62 milhões –valor nominal mantido desde 2016, quando, devido ao cenário econômico desfavorável, deixou de haver reposição da inflação. O convênio firmado com a FPA prevê R$ 35,8 milhões para os cinco anos da vigência do termo de gestão, ou R$ 7,16 milhões ao ano, um incremento da ordem de 8% no repasse.

"Não há nenhuma crítica à administração do museu", diz Maluf. "Nós pretendemos fazer ainda melhor."

Projeto faz museu crescer para baixo e para cima

Na ocasião da assinatura do termo que transferiu a gestão do Museu da Casa Brasileira para a Fundação Padre Anchieta, tanto a Secretaria de Cultura e Economia Criativa quanto José Roberto Maluf, presidente da FPA, destacaram a expansão física do solar Crespi Prado.

O projeto de ampliação, porém, não é uma ideia nova. Em 2015, o Brasil Arquitetura –escritório com vasta experiência em centros culturais, como o Cais do Sertão, no Recife, e a Praça das Artes, equipamento municipal no centro de São Paulo– elaborou um estudo para o MCB.

O plano chegou a ser aprovado pelo conselho do museu, "mas não foi para frente", conta o arquiteto Marcelo Ferraz.

bloco de cimento de cor rosada com linhas retas e aberto para um jardim; à esquerda, vemos mesas e cadeiras do restaurante sobre o gramado
Perspectiva mostra anexo que a Brasil Arquitetura projetou para o Museu da Casa Brasileira - Divulgação

No ano passado, o escritório foi procurado pelo governo do estado para retomar a ideia da ampliação. Com orientação da gestão do MCB, reformulou o estudo para atender as novas necessidades que surgiram nos cinco anos em que o projeto não avançou.

A intervenção proposta pela equipe de Ferraz e Francisco Fanucci se dá em três frentes. A primeira e mais visível é a construção de um anexo no jardim ao fundo do solar Crespi Prado. A construção não é tombada, mas a grande área verde, sim, pelo Condephaat, órgão estadual de patrimônio.

Por esse motivo, qualquer acréscimo no jardim deve se limitar à projeção da varanda que hoje existe atrás da casa. No estudo do Brasil Arquitetura, essa varanda dá lugar a um prisma retilíneo, num concreto com pigmentação rosada.

Abrigando o restaurante e um salão que se abre para o jardim por meio de um vão envidraçado, esse anexo não interfere no edifício do museu. A partir desse corpo, se acessaria a segunda frente da proposta, um subterrâneo.

Nele, os arquitetos criaram uma reserva técnica capaz de acomodar toda a coleção Crespi Prado, o que hoje não é possível. Atualmente a instituição gasta quase R$ 220 mil anuais de aluguel de uma reserva técnica externa.

O subsolo teria ainda um auditório para 250 pessoas, permitindo a realização de cursos, palestras e recitais, e a cozinha do restaurante.

O estudo dos arquitetos cria ainda um segundo andar –invisível para os visitantes– se valendo da grande altura da platibanda que esconde os telhados da casa.

Elevando em alguns centímetros as tesouras –parte triangular da estrutura dos telhados–, é possível liberar altura suficiente para um novo pavimento. Nele se concentraria a parte administrativa do museu, hoje instalada no térreo, que ganharia assim mais área para visitação pública.

No total, a proposta acrescenta 3.356 metros quadrados de área construída ao imóvel –cerca de mil metros quadrados seriam para um estacionamento para 50 carros, também em subsolo, que pode ou não ser construído, de maneira independente.

Sem chegar à etapa de projeto executivo, não é possível dizer quanto exatamente custaria a expansão. Antes da pandemia, era estimado que uma obra desse tipo custasse em torno de R$ 5.000 por metro quadrado.

Multiplicando esse valor pela área da ampliação, é possível que se chegue a R$ 17 milhões –sem levar em conta a alta recente de preços na construção civil. Segundo o governo do estado, há R$ 7,1 milhões disponíveis no orçamento do ano que vem para a ampliação do MCB.

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