Ômicron fecha a Broadway com nova ameaça de Covid-19, abalando os espetáculos

Testagem do coronavírus mostra novos contágios e setor cultural vive nova era de cancelamentos

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Michael Paulson
Nova York | The New York Times

Os atores de teatro sempre se orgulharam de subir ao palco apesar de todos os obstáculos, desconsiderando infecções e ferimentos, cantando em momentos de sofrimento e dançando apesar da dor.

Isso acabou. A pandemia do coronavírus derrubou a filosofia de "o show deve continuar" que dominou o setor de teatro por muito tempo, substituindo essa ideia por uma estratégia que pensa em primeiro lugar na segurança. O resultado é uma sequência de cancelamentos de apresentações sem paralelos na história.

Recentemente, "Tina", um musical que reúne grandes sucessos de Tina Turner, cancelou suas duas apresentações, e "Harry Potter e A Criança Amaldiçoada", uma continuação teatral dos romances do personagem, cancelou sua apresentação. Uma nova adaptação musical de "Mrs. Doubtfire" cancelou quatro apresentações. E o grupo de improvisadores de Lin-Manuel Miranda, Freestyle Love Supreme, cancelou três. "Ain’t Too Proud", um musical com grandes sucessos do grupo Temptations, cancelou uma de suas apresentações.

Além disso, num teatro off-Broadway, uma remontagem de muito sucesso para "Little Shop of Horrors" cancelou quatro apresentações na semana passada.

Todos esses cancelamentos foram justificados com base na Covid-19. Em cada um dos casos, pelo menos um integrante do elenco ou da equipe do espetáculo foi identificado em exame como portador do coronavírus. Houve ainda falta de pessoal para substituir os contagiados, e, por preocupação quanto à possibilidade de contagiar outras pessoas, apresentações tiveram de ser canceladas.

Pessoas em roda se apresentam
Uma apresentação de 'Chicken & Biscuits', em Nova York, em 22 de setembro de 2021 - Sara Krulwich / The New York Times

Não foram as primeiras e dificilmente serão as últimas vezes que isso acontece, porque a pandemia se mostra persistente a representar um desafio para um setor que ainda está tentando recuperar o equilíbrio depois de uma paralisação longa e destrutiva que manteve as luzes dos teatros apagadas por mais de um ano.

A Broadway adotou muitas precauções —existe uma regra de vacinação obrigatória válida para espectadores e trabalhadores do setor, e os espectadores precisam usar máscaras—, mas ninguém vive em uma bolha, e exames frequentes (diários, em alguns espetáculos) estão revelando uma sequência constante de infecções em pessoas vacinadas.

Agora que a variante ômicron está fazendo com que o número de casos aumente, algumas instituições de artes cênicas começam a ir além –a ópera Metropolitan anunciou recentemente que a partir de 17 de janeiro começaria a exigir doses de reforço de vacinação, tanto de seus empregados quanto para os espectadores.

Em muitos casos, uma pessoa com Covid identificada num exame pode ser assintomática ou exibir sintomas amenos, mas não será autorizada a voltar ao trabalho até que não esteja mais contagiosa.

"Temos de aceitar que haverá alguma porcentagem de perda de apresentações por causa disso", disse Hunter Arnold, produtor cujos espetáculos incluem nesta temporada uma nova comédia, "Chicken & Biscuits", que passou por dez dias de paralisação devido a casos de coronavírus entre os integrantes da companhia.

Os cancelamentos são não só incômodos para os espectadores —alguns foram anunciados apenas minutos antes do horário de abertura— como dispendiosos para os produtores, muitos dos quais já estão enfrentando dificuldades para sair do vermelho num setor onde o número de produções que fracassam supera em muito o de sucessos.

Para um espetáculo que fature US$ 1 milhão por semana, cada apresentação cancelada pode significar um prejuízo de cerca de US$ 125 mil; cancelamentos em finais de semana custam ainda mais caro, porque é nesses dias que muitos dos espetáculos lotam; e cancelamentos nesta época do ano são especialmente dolorosos, porque a Broadway tradicionalmente passa por um pico de bilheteria na temporada de festas.

No caso de "Mrs. Doubtfire", por exemplo, os cancelamentos causados pela Covid-19 carregaram com eles todo o lucro previsto para a semana —cerca de US$ 300 mil—, de acordo com Kevin McCollum, o principal produtor do espetáculo. Mas ele disse confiar em que muitos dos ingressos cancelados venham a ser transferidos para datas posteriores.

"O que está acontecendo é um desafio para todos nós no setor, porque o nosso negócio é reunir pessoas", disse McCollum. "Não podemos fingir que ninguém tem Covid quando as pessoas têm Covid. Espero que a doença no futuro venha a ser tão inofensiva quanto um resfriado, mas até que isso aconteça precisamos respeitar completamente."

"Chicken & Biscuits", que já vinha enfrentando dificuldades de bilheteria quando alguns integrantes da companhia foram apanhados em exames de coronavírus, mencionou os custos do cancelamento de apresentações como motivo para a decisão de encerrar de vez o espetáculo.

Líderes do setor dizem que os cancelamentos são uma demonstração de compromisso para com a segurança, mas que continuam preocupantes mesmo assim.

"O que está acontecendo foi discutido —não esperávamos que acontecesse o número de vezes que está acontecendo, mas foi discutido, porque sabemos que existe uma pandemia em curso", disse Mary McColl, diretora executiva do Actor’s Equity, um sindicato que representa atores e encenadores.

"O fato de que um número grande de casos esteja sendo identificado e apresentações estejam sendo suspensas demonstra que os dois lados estão prestando atenção —os produtores e os sindicatos— e é para isso que todos os protocolos de segurança estão em vigor. Minha esperança é que isso tudo faça com que as audiências se sintam mais seguras."

A Broadway League, uma organização setorial de produtores e proprietários de teatros, concorda em que os cancelamentos não são surpresa, mas também apontou que a maioria das produções continua. Até poucos dias atrás, 2.351 apresentações, vistas por 2,3 milhões de pessoas, haviam sido realizadas na Broadway desde a reabertura dos teatros, em setembro.

"Não existe questão de que a sequência atual de casos de contágio em pessoas vacinadas é preocupante, mas o setor não fechou as portas", disse Charlotte Martin, presidente da Broadway League.

"Estou batendo na madeira com tanta força que até machuquei a mão, mas até agora continuamos abertos, e acho que uma parada de dois ou três dias, aqui e ali, era de se esperar."

Os espectadores estão frustrados, irritados e temerosos, mas tentam ser compreensivos. "Não sou louca. É claro que uma apresentação vai ser cancelada se alguém tem Covid", disse Karleigh Kebartas, de 21 anos, estudante de psicologia na Universidade Pace, em Nova York. "Mas é decepcionante."

Kebartas, que tinha ingresso para uma apresentação de "Little Shop of Horrors" cancelada, já estava no teatro quando o cancelamento foi anunciado. De fato, boa parte dos espectadores estava esperando no saguão até minutos depois do horário oficial de abertura, e só então foi feito o anúncio de cancelamento, sem explicação do motivo. Mas Kebartas teve sorte. Conseguiu comprar um ingresso para a apresentação dias depois, o que permitiu que ela visse o trabalho de Jeremy Jordan, o astro do espetáculo, antes de viajar para o feriado de festas no estado americano de Massachusetts.

Os cancelamentos começaram logo que a Broadway reabriu. Em 28 de setembro, o musical "Aladdin", da Disney, reiniciou sua temporada no New Amsterdam Theather, e logo no dia seguinte as apresentações foram suspensas por 12 dias, com a justificativa de que tinham surgido casos de coronavírus entre pessoas vacinadas na companhia.

De lá para cá, houve algumas paralisações em outros espetáculos —a longa suspensão de "Chicken & Biscuits" e paradas mais curtas, relacionadas à Covid-19, em "Chicago", que passou cinco dias suspenso no começo do mês. E os problemas não se limitam ao teatro. O aclamado grupo de balé Alvin Ailey American Dance Theater cancelou apresentações mencionando contágios pela Covid-19.

Mas até agora os espectadores parecem continuar dispostos a assistir aos espetáculos. Os cancelamentos "ainda envolvem um número baixo de apresentações, comparado ao total", disse Victoria Bailey, diretora executiva do Theater Development Fund, organização sem fins lucrativos que opera a bilheteria TKTS em Times Square.

"Estamos muito conscientes dos fatos porque todo mundo no setor vive com essa ansiedade. Precisamos que a temporada perdure, precisamos que a temporada vá em frente. Precisamos seguir abertos. Mas o consumidor médio não parece tão ansioso."

Atores substitutos estão ajudando alguns dos espetáculos a continuar. Mas em alguns casos, especialmente quando se trata de produções novas, não existem substitutos em número suficiente para encenar a produção.

"Pode ser que alguns espetáculos tenham de pensar sobre seu grau de cobertura e sobre se é possível expandir essa cobertura dentro de nossas limitações econômicas", disse Tom Kirdahy, um dos principais produtores de "Little Shop of Horrors". "Pode acontecer que toda uma produção tenha de fechar caso um exame mostre que uma pessoa tem Covid. Esse modelo é insustentável."

Tradução de Paulo Migliacci

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