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Por que os millennials trocam grifes de luxo pelas independentes na China

Preferência dos consumidores jovens por estilistas menores tem implicações profundas para a indústria da moda

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Annachiara Biondi Sherry Fei Ju
Financial Times

"Odeio ficar com cara de US$ 1 milhão. Quero parecer independente e chique –diferente, mas não demais." A millennial Keira Kong, que vive em Xangai e é empresária de músicos sul-coreanos, está tentando explicar por que gosta tanto da grife francesa Coperni.

Desde que os estilistas Arnaud Vaillant e Sébastien Meyer relançaram a marca, em 2019, Kong montou um pequeno guarda-roupa de peças básicas da Coperni que inclui dois vestidos, dois tops, três casacos e uma calça. Ela elogia a alfaiataria da marca, os cortes assimétricos pelas quais a Coperni é conhecida e seus preços —as camisetas da Coperni são encontradas pelo equivalente a R$ 735.

"Os tecidos nunca estarão no nível dos da Chanel, mas o corte, o conceito e o modo como eles enxergam a mulher nunca é ‘girly’ demais", diz Kong. "Eles gostam de mulheres fortes e independentes, e é essa mulher que quero ser."

mulher chinesa é maquiada em intervalo de desfile
Desfile da marca Bodpashow na China Fashion Week em setembro - Reuters

Como Kong, cada vez mais consumidores chineses, muitos deles da geração Z ou millennial, estão usando suas aquisições de roupas e produtos de luxo para se diferenciar de seus pares.

As escolhas são menos motivadas pelo paradigma de status, tão forte para a geração mais velha, e mais por elementos como "afirmação de identidade", diz Federica Levato, sócia da Bain & Company, em Milão. Essa mudança de paradigma abriu o caminho para grifes menos conhecidas e mais ousadas que se diferenciam das grandes marcas de luxo presentes em toda parte na China.

É uma tendência que não passou despercebida de Wenyan Jiao, diretor da butique multimarcas Mushion, de Xangai, que vende peças de grifes como Cult Gaia, By Far e Nanushka.

"Os consumidores jovens de grandes cidades como Pequim, Xangai e Guangzhou vêm mostrando características cada vez mais pessoais em seus estilos de indumentária", ela comenta. "As gerações anteriores podem não ter um nível tão alto de aceitação quando se trata de experimentar coisas situadas fora de sua zona de conforto."

Butiques multimarca independentes, em expansão no país desde o final da década de 2000, vêm contribuindo para essa mudança de paradigma. Como Jiao, muitos de seus proprietários estudaram no exterior e estão em sintonia com influências internacionais.

Meimei Ding, executiva-chefe do showroom DFO International, descreve uma nova geração de compradores menos apegados a logotipos institucionais e grifes de luxo e mais interessados em ser formadores de gostos. "Em vez de ser liderados por grifes muito grandes, eles próprios querem ser os que escolhem o que é cool", ela afirma.

Marcas estrangeiras de nicho vêm ganhando espaço na China nos últimos cinco anos, pelo menos, mas sua influência tem crescido recentemente. A chegada de plataformas de comércio estrangeiras que dão espaço a uma grande diversidade de marcas menores tornou essas grifes muito mais acessíveis em todo o país.

Em 2019, a Farfetch abriu uma loja digital na plataforma de comércio eletrônico chinesa JD.com e hoje está disponível também na Tmall. A Ssense lançou seu site Mandarin em 2018.

Mas, para Adam Knight, cofundador da agência de marketing Tong Digital, que enfoca principalmente a China, também há uma mudança maior em curso na cultura dos consumidores. Ele aponta para as maneiras mais nuançadas de definir o sucesso, que não se limitam a quanto dinheiro a pessoa ganha ou quais grifes de luxo veste.

E enxerga movimentos contraculturais como o "ficar deitado", com jovens se opondo à sobrecarga de trabalho e à exaustiva cultura "996" vigente no país –trabalhar das nove da manhã às nove da noite, seis dias por semana–, como sinal de uma mudança de prioridades e valores.

"Os consumidores jovens estão buscando maneiras mais expressivas de criar uma identidade própria através de compras de luxo", ele afirma. "É um tempo instigante para muitas grifes menores penetrarem no mercado e começarem a se construir do zero."

Foi esse o caso da Yuzefi, de Londres, fundada em 2016 e conhecida por suas bolsas esculturais. A grife faz 15% de suas vendas anuais na China, mas prevê que essa parcela suba para 25% nos próximos 12 meses em função de seu lançamento recente nas plataformas de comércio eletrônico Tmall e JD.com e na plataforma social Xiaohongshu.

Sua fundadora, Naza Yousefi, atribui o sucesso da grife na China à singularidade de seu produto e a um timing benéfico, além de uma ajudinha da influenciadora chinesa residente em Atlanta Savi, que começou a usar a grife independentemente em 2017 e a expôs a seus 4 milhões de seguidores no Weibo. "Temos bons resultados nesse território porque nossos produtos são tão diferentes de outras marcas, e isso nos confere uma vantagem", afirma Yousefi.

Beste Manastir, cofundadora da marca turca de artigos de couro Manu Atelier, comenta que consumidoras chinesas se renderam ao design incomum e às cores vibrantes de suas bolsas Pristine. A grife foi lançada em 2014 e rapidamente ganhou fãs na China, apesar de não ter presença direta no mercado chinês na época –hoje, porém, ela é vendida na Tmall e na JD.com, além de seis lojas varejistas offline.

A China agora representa 34% das vendas ao atacado da Manu Atelier e está empatada com os Estados Unidos na posição de maior mercado da grife.

Para ter uma chance de agradar aos novos consumidores de moda chineses, a exclusividade de design é fundamental, mas Ding, do DFP Showroom, destaca que ela precisa vir acompanhada de um bom ajuste, faixa de preço, conhecimento de marca e disponibilidade.

Pascal Conte-Jodra, diretor gerente da Mugler, parece ter seguido essa fórmula quando se lançou no mercado chinês, três anos e meio atrás, como parte do relançamento maior da marca sob o diretor criativo Casey Cadwallader. A grife formou uma parceria com seis estoquistas em locais chaves e se concentrou em construir relacionamentos com talentos locais, como a consultora criativa Leaf Greener e os cantores Jike Junyi, Bibi Zhou e Cai Xukun.

"Mais do que é o caso em outros países, na China é fundamental levar o tempo necessário para formar relacionamentos com talentos locais, para realmente se tornar aquela grife indie da qual todo mundo fala em um nível muito pessoal", diz Conte-Jodra.

Jamie Freed, vice-presidente global da Farfetch, diz que desde o início da pandemia os clientes que gastam mais no site de ecommerce, desembolsando pelo menos o equivalente a R$ 88 mil por ano, têm mostrado interesse especial por grifes sul-coreanas e ocidentais de nicho.

"Eles estão começando a abandonar o que era o mais procurado na moda antes da pandemia –o streetwear de luxo--, e estamos assistindo a uma diversificação maior do portfólio de moda, uma tendência a favorecer grifes tipicamente femininas como Alessandra Rich e marcas minimalistas enxutas como Rick Owens e The Row."

Essas mudanças no comportamento dos consumidores se evidenciam especialmente nas cidades de primeira e segunda grandeza, onde o consumo de luxo já amadureceu, mas Danni Liu, diretora gerente da iBlue Communications e ex-estrategista de mídia da Chanel, diz que as redes sociais estão rompendo as barreiras entre cidades maiores e menores e as tendências estão passando mais facilmente entre elas. "Não são apenas setores sofisticados –é mais amplo", afirma.

"Há uma tendência muito forte nessa direção e que está chegando aos consumidores comuns", acrescentou Ding, do DFO, destacando o aumento dos posts sobre grifes de nicho na Xiaohongshu, plataforma social de ecommerce com mais de 300 milhões de usuários.

Do mesmo modo, Knight diz que, em vez de passar dos consumidores mais ricos e elegantes para um conjunto maior de consumidores, essas transformações são uma mudança geracional que ocorre em todos os setores sociais. Para ele, as grifes que descansam sobre seus louros sairão prejudicadas. "É esta geração que vai alimentar todo o consumo dos próximos dez anos", diz.

Tradução de Clara Allain

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