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Romance gay 'Um Homem Só' é atemporal e repleto de honestidade

Livro é obra vívida, extremamente atual e transporta o leitor por períodos de intenso lirismo sem que soe excessivo

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Itamar Vieira Junior

Doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA, é autor de "Torto Arado" (Todavia), vencedor do prêmio Oceanos e do Jabuti de melhor romance

Um Homem Só

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  • Preço R$ 59,90 (160 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autor Christopher Isherwood
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Débora Landsberg

Se o luto já é um processo complexo de ruptura do cotidiano, capaz de desestabilizar os fluxos rotineiros da vida, imagine para um homem gay, nos anos 1960, que se torna viúvo repentinamente e procura encontrar meios para extravasar sua dor?

Essa é a premissa de "Um Homem Só", de Christopher Isherwood, que acaba de chegar às livrarias em edição da Companhia das Letras. Se observarmos que 60 anos depois de sua publicação original, os direitos das populações LGBTQIA+, mesmo em meio a avanços, ainda permanecem aquém do necessário para sua livre expressão na maior parte do mundo, o romance permanece atual, entranhado da sutileza que evoca a intensidade e a banalidade da vida, revelada ao leitor através do protagonista da história, George Falconer.

George é um professor de origem britânica que vive em Camphor Tree Lanes, subúrbio de Los Angeles, e acabou de perder seu companheiro, Jim. Uma relação que permanecia no armário aos olhos da sociedade e este parece ser um grande entrave para que o personagem viva plenamente sua dor.

Nesse contexto, adentramos as 24 horas que demarcam o tempo do romance, acompanhando George em um dia corriqueiro –a irritação com as crianças da vizinhança; a atividade física enquanto admira a vitalidade dos homens que jogam tênis; a tensão da sala de aula; o jantar com Charley, a amiga igualmente solitária; o encontro casual com um aluno em um bar que costuma frequentar.

Nesse breve intervalo está a vida de George, um homem de meia-idade atravessado por sentimentos intensos de isolamento, raiva e depressão, que caracterizam a perda que sofreu, como Isherwood descreve no início do romance.

"E é aqui, quase todas as manhãs, que George, depois de descer a escada, tem essa sensação de de repente se encontrar em uma borda abrupta, brutalmente interrompida, irregular —como se o caminho tivesse desaparecido num deslizamento. É aqui que ele estanca e se dá conta, com uma estranheza aflitiva, quase como se fosse pela primeira vez: Jim morreu, morreu", escreve o autor.

Um homem com óculos olha
Cena do filme 'Um Homem Só' - Imdb

Jim é evocado a cada memória como o "pensamento mágico" quando a fronteira entre presença e ausência ainda não está plenamente demarcada.

No outono da vida, George se agarra ao que resta de seu tempo, intelecto e corpo para poder prosseguir –a capacidade de continuar a sentir a vida pulsando de inúmeras maneiras em seu entorno. Não há grandes questões sobre a sexualidade e a aceitação. George parece viver plenamente, conciliando autopreservação e satisfação. Ele se agarra às reminiscências da juventude, se cercando no presente de corpos ativos, que de alguma maneira são capazes de manter seu mundo cada vez mais fugidio sob controle, ainda que caminhe para a inevitável solidão.

"Um Homem Só" é um romance vívido, extremamente atual, e Isherwood é um escritor capaz de transportar o leitor por períodos de intenso lirismo sem que soe excessivo. Embora haja rigor na forma, na escolha das palavras, sua escrita nunca é capaz de ofuscar a história que se quer contar.

Há momentos de rara beleza, como naquela que talvez seja uma das mais belas cenas eróticas da literatura ocidental. George flerta com seu aluno Kenny e deduz que no jogo intelectual que se estabelece há correspondência de sentimentos. A recordação de que a homossexualidade acompanha a história humana, como na referência à Grécia Antiga, se instaura com delicadeza quando Kenny, na ausência de roupas limpas, se envolve em um lençol "deixando à mostra um braço e um ombro e se transformando em traje grego clássico, as clâmides usadas pelo jovem discípulo —o predileto, sem dúvida— de um filósofo".

Isherwood foi um dos pioneiros da ficção gay em língua inglesa, amante do poeta W. H. Auden e se tornou célebre com a adaptação de seu romance "Cabaret - Adeus Berlim" nas telas de cinema, estrelado por Lisa Minelli, em 1972.

"Um Homem Só" integrou a lista dos cem melhores romances do século 20 do jornal The Guardian publicada em 2015. Uma obra atemporal que permanecerá marcada por sua inegociável honestidade, retrato cruel e humano da solidão de um homem gay durante o passar dos anos.

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