Descrição de chapéu Livros

Stanislaw Ponte Preta tem o melhor de suas crônicas e anedotas reunido em livro

Organizada por Alvaro Costa e Silva, obra privilegia a produção folhetinesca que tomou o Rio nos anos 1950 e 1960

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São Paulo

"Vocês desculpem, mas nós não guenta", começa Stanislaw Ponte Preta na crônica "O Poliglota". Em seguida, ele vai esculachar o colunista social Ibrahim Sued, que havia escrito que tivera uma conversa com o duque de Windsor na Europa, mas não em português e sim num misto de espanhol, inglês e francês. "O que, aliás, deve ser verdade, pois o duque fala um pouquinho de português, mas Ibrahim não."

Em "Levantadores de Copo", solta uma frase espertíssima ao descrever um papo de quatro amigos num boteco. "Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mulher no bar. Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada de mulher no bar."

O jornalista Sérgio Porto, também conhecido como Stanislaw Ponte Preta, carrega livros sobre jazz, uma de sua grandes paixões - Divulgação

Já em "Por Trás do Biombo", sacaneia um deputado ao comentar sobre um atropelamento fatal. "O falecido pode morrer à hora que for que ficará estirado na calçada, exposto à curiosidade pública, porque as autoridades policiais só vão aparecer depois que o caso já caminhou para o perigoso terreno da galhofa e o falecido já goza da intimidade dos que passam."

"Agora aparece o projeto do deputado Fioravante Fraga. Vejam que beleza! O projeto obriga as delegacias distritais a contarem com um biombo, para esconder os que morrem nas vias públicas. Como se isso adiantasse. Se a polícia é que chega atrasada, tá na cara que se ela trouxer o biombo, este também chega atrasado, pombas!"

Eis alguns vislumbres de "A Fina Flor de Stanislaw Ponte Preta", reunião das melhores crônicas, histórias e anedotas do personagem, que sai agora pela Companhia das Letras.

Ponte Preta, que assina os textos, é um personagem inventado pelo jornalista carioca Sérgio Porto, que viveu de 1923 a 1968. "Mas não é um pseudônimo, como se diz por aí. Stanislaw está mais para um heterônimo do Sérgio, como aqueles que o Fernando Pessoa fazia", diz o colunista deste jornal Alvaro Costa e Silva, que selecionou e organizou o volume para a editora.

O jornalista Sérgio Porto durante o show "Lições de Samba", em 1966 - Acervo UH/Folhapress

"Stanislaw tem seu próprio estilo, tem sua história, comete erros de português propositadamente e se comunica para divertir as pessoas, sem complicar a vida do leitor. Ele vem da zona norte. Já Sérgio Porto é um homem de Copacabana", avalia Costa e Silva, que escolheu privilegiar nessa antologia o lado de cronista de costumes do Rio de Janeiro.

"Segui duas linhas para a escolha dos melhores textos —que não fossem datados e ainda fizessem sentido hoje e que não ferissem tanto a suscetibilidade do leitor do século 21", diz o organizador. Mesmo assim, Stanislaw Ponte Preta está longe de ser politicamente correto.

Para a seleção, Costa e Silva se valeu de sete livros assinados por Ponte Preta quando Porto ainda era vivo e de mais um póstumo. Esses livros originais já eram coletâneas do que Stanislaw publicava ininterruptamente em jornais como Diário Carioca e Última Hora e revistas como Manchete.

São eles —"Tia Zulmira e Eu", de 1961, "Primo Altamirando e Elas", de 1962, "Rosamundo e os Outros", de 1963, "Garoto Linha-Dura", de 1964, os três "Febeapá", de 1966, 1967 e 1968, além de "Bola na Rede: A Batalha do Bi", de 1993.

Republicados pela Agir nos anos 2000, a maioria ainda pode ser encontrada em livrarias online. Já a Companhia das Letras relançou os três "Febeapás" em um volume único em 2015.

"Febeapá", para quem não conhece a expressão cunhada por Stanislaw (ou seria Porto?), é a sigla para Festival de Besteiras que Assola o País. Foi uma série de textos que comentava notícias reais ridículas que aconteciam pelo Brasil afora (como a do deputado Fioravante Fraga, lembrada aqui).

"Após o golpe militar, Stanislaw foi se enveredando pela política", conta Costa e Silva. "Sérgio Porto era um tanto conservador, à moda antiga, mas quando aparecem os militares querendo se meter na vida das pessoas, mudar o comportamento, ele não aguenta. E tem ainda essa gente desqualificada que gruda nos militares e alcança altos postos na hierarquia."

"Se ele estivesse vivo, eu não queria estar no lugar dele", brinca Costa e Silva. "Porque ele ia ter que trabalhar em dobro para falar das besteiras desse povo da Terra plana, anticomunistas, a favor da ditadura. Dava para fazer mais uns dez ou 20 livros de 'Febeapá' no Brasil de hoje."

Costa e Silva é um grande estudioso de uma geração de cronistas, herdeira de Rubem Braga, que tomou o Rio nas décadas de 1950 e 1960. Nomes como Paulo Mendes Campos, Antônio Maria e Fernando Sabino, entre outros.

Quando Sérgio Porto morreu de infarto em 1968, com apenas 45 anos, Alvaro Costa e Silva não era nem rapazola. Anos depois, foi seu pai, leitor voraz de Stanislaw, quem chamou a atenção do filho para o autor.

Nesta semana, Costa e Silva, de 58 anos, vai retribuir a gentileza e entregar o livro novinho na casa de seu velho, que, aos 85 anos, ainda é grande apreciador da fina flor de Stanislaw Ponte Preta.

A Fina Flor de Stanislaw Ponte Preta

  • Preço R$ 79,90 (360 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autor Stanislaw Ponte Preta; Álvaro Costa e Silva (org.)
  • Editora Companhia das Letras
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