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Toni Morrison costura vidas negras com maestria no livro 'Sula'

Vencedora no Nobel apresenta história ligada por traumas, racismo, pobreza e violência em livro breve e denso

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Stephanie Borges

Sula

  • Preço R$ 49,90 (176 págs.) R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria Toni Morrison (tradução: Débora Landsberg)
  • Editora Companhia das Letras

"Sula", o segundo romance de Toni Morrison, publicado em 1973 e até então inédito no Brasil, é uma referência para pensadoras como Audre Lorde e bell hooks. As teóricas feministas destacaram como a autora retrata diversas mulheres negras e as complexidades e sutilezas nas relações entre elas. Conflitos geracionais, divergências entre mães e filhas e uma amizade de infância são centrais neste livro breve e denso que acompanha momentos da vida de uma jovem em uma comunidade negra tradicional.

A narrativa se passa entre 1919 e 1965, no bairro negro de uma pequena cidade de Ohio, nos Estados Unidos. Os efeitos da segregação racial e da Primeira e da Segunda Guerra Mundial ressoam nas vidas dos personagens, de forma que a protagonista é apresentada em meio a uma série de relações familiares e comunitárias.

A história começa antes do nascimento de Sula e inclui as origens do bairro, as vidas dos vizinhos e os traumas e segredos que sua família carrega, pois a escolha de ir embora e se recusar a ser como sua avó ou sua mãe dizem muito sobre a protagonista.

No prefácio da edição da Companhia das Letras, Toni Morrison afirma que escreveu "Sula" pensando nas liberdades que mulheres negras experimentaram nos anos 1960 e imaginando quais seriam as possibilidades de quem vivia nos anos 1920. São liberdades experimentadas entre os limites impostos por uma sociedade machista e racista, vividas entre empregos e a criação de filhos, em conversas entre amigas.

A amizade como um espaço de liberdade para meninas e mulheres negras também é abordada em romances como "Identidade", de Nella Larsen, e "Um Outro Brooklyn", de Jacqueline Woodson. No livro de Morrison, Sula e Nel se unem na solidão da infância, embora fossem muito diferentes uma da outra.

A relação delas abarcava um segredo sombrio e o alívio que as duas sentiam ao entender que uma vida diferente da que existia em suas casas era possível. No entanto, Nel se casa com Jude, segue o caminho previsível, e Sula vai embora da cidade.

Dez anos se passam e a volta de Sula é cercada de agouros e boatos. Uma amiga é vista pela comunidade como a mãe e esposa exemplar, a outra como uma ovelha desgarrada. Sula se recusa a arrumar um homem, ter filhos e sossegar. Decide não cuidar da avó. O fato de uma mulher se comportar assim perturba as relações no bairro. O medo e a raiva que as pessoas cultivavam por Sula reforçavam os laços entre cônjuges, parentes e vizinhos.

As atitudes de Sula abalam sua amizade com Nel. Não há conversa ou possibilidade de perdão. Uma se apega à mágoa, a outra ao seu compromisso radical de viver de acordo com seus desejos. As consequências são dolorosas para as duas. Nel se considera boa e ignora a própria arrogância e infelicidade. Sula não se importa com o que os outros pensam, ainda que o custo disso seja alto.

Em menos de 200 páginas, Morrison criou uma história impactante em que a amizade e a liberdade são humanas e imperfeitas como os personagens. Traumas individuais e coletivos, o racismo estrutural, a pobreza e a violência interferem nas escolhas feitas pelas pessoas e na sua incapacidade de imaginar a possibilidade de mudança.

Para muitos, Sula pode ser uma protagonista egoísta e teimosa, mas há de se reconhecer que ela tenta criar uma vida cometendo seus próprios erros, sem repetir as violências desesperadas de sua avó ou o sofrimento silencioso da mãe. Sula tem a coragem de inventar uma vida sem roteiros predefinidos numa comunidade em que o casamento, a maternidade e o trabalho pareciam as únicas possibilidades.

"Sula" é uma amostra da maestria de Morrison na caracterização de personagens. A autora trabalha a ausência e o não dito como elementos da narrativa e articula questões coletivas e individuais das vidas de pessoas negras, sem se esquivar das contradições que compõem a nossa humanidade.

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