Não sei se a história da família de Cora será compreensível a partir da leitura de "Antonio", o livro de Beatriz Bracher com que o filme de Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani afirma buscar um diálogo.
Não sei também se existe em "Antonio" alguma pista sobre a história narrada no filme por Cora no ano de 2064. Não a vemos, mas ela diz ter nascido em 2016, portanto tem quase 50 anos no momento em que se dedica à narrativa.
Cora vive em Copenhague e é dinamarquesa como a mãe (embora, se bem entendi, tenha nascido no Brasil) e busca descobrir a história de seu estranho pai, Benjamin, a partir de certa documentação filmada em super-8 e gravada em base digital.
As imagens em super-8 não são facilmente visíveis, enquanto as digitais são com frequência corrompidas. São fragmentárias, também, claro. Como sabemos pelo menos desde "Cidadão Kane", todo homem é indecifrável. Ou, ao menos, um labirinto. Tentar descobrir o sentido de sua vida é cultivar um fracasso.
Mas a história de Benjamin é um pouco mais complicada, porque remete a seu pai, Teo, a figura que a rigor rege sua existência, até onde pude entender. Cora mergulha no pantanal familiar que o filme busca descrever. Por vezes parece se perder tanto quanto o espectador. Seria esse o objetivo do filme? Não é a descartar.
Pois ali temos amigos de Teo (e Isabel, a avó), que falam sobre ele. Raul (Fabio Miguez, até aqui mais conhecido como um talentoso pintor da geração Casa Sete), narrador discreto, que mais parece se espantar ao descobrir a trajetória da família de Benjamin (ou pretende ocultar a história) e o exuberante e falador Haroldo, que, francamente, fala muito e não diz nada. Ou seja, esses depoimentos não ajudam muito. Há o de Isabel, a mulher de Teo, mas ela está muito doente, mal se entende o que diz.
Cora parece perdida nessa história que, nos velhos super-8, parece a de uma família feliz, mas onde não faltam traumas, exotismos, comportamentos antissociais etc. Cora quer decifrar tudo isso, a genética. Ela carrega uma melancolia escandinava diante de uma família brasileira cuja exuberância não a ajuda em nada. Cora acredita que será o último elo dessa história, e esse parece ser seu único consolo.
Se a narração começa em um ponto indeterminado (as gerações que se sucedem), marcada por imagens e palavras ora truncadas, ora inaudíveis, sempre fragmentárias, a dificuldade em acompanhar tudo não parece buscada pelo filme. Decorre do acúmulo de imprecisões de toda espécie, enquanto palavras e imagens se acotovelam em busca de um sentido que, no fim das contas, será esclarecido –Cora vai resolver melancolicamente, é nela que se encerra essa história. Não haverá mais descendentes nessa história.
O experimentalismo proclamado pelas velhas imagens pode até não ter essa intenção, mas soa um tanto pedante e o resultado lembra aqueles filmes da avant garde francesa de 1920 –intelectualizado demais, esforçado demais, enigmático demais, mas, antes de tudo, confuso demais para que dele o espectador (eu, pelo menos) consiga se aproximar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.