De 'Amor, Sublime Amor' a 'Encanto', latinos prometem brilhar no Oscar 2022

Produções lançadas no ano passado celebraram cultura da América Latina e estão entre principais apostas nos prêmios

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São Paulo

Nunca se ouviu tanto espanhol em grandes produções hollywoodianas como no ano que encerrou agora. Em 2021, os latino-americanos marcaram território no cinema e na televisão, após anos em segundo plano de uma luta que tenta trazer mais diversidade para as telas —capitaneada por mulheres, negros e LGBTQIA+, mas que também inclui asiáticos, indígenas e outros grupos historicamente sub-representados.

Falamos, afinal, de um ano em que Steven Spielberg resolveu rever o que mais havia de problemático num dos maiores clássicos cinematográficos de todos os tempos, "Amor, Sublime Amor", e em que a Disney viajou até a Colômbia para contar uma história pautada pelas peculiaridades desse lado do continente, em "Encanto".

Ariana DeBose e David Alvarez em cena do filme "Amor, Sublime Amor", de Steven Spielberg
Ariana DeBose e David Alvarez em cena do filme "Amor, Sublime Amor", de Steven Spielberg - Niko Tavernise/Divulgação

Ambos, ao lado de outros títulos "latinos", estão indicados ao Globo de Ouro deste domingo (9) e ao Critics Choice Awards, que remarcou sua data, e são apostas seguras para a lista de indicados ao próximo Oscar. Resta saber se as premiações vão abraçar ou rejeitar essas produções com seus troféus, que historicamente negligenciam talentos da América Latina.

"Amor, Sublime Amor", indicado a quatro Globos e 11 prêmios Critics Choice, é uma releitura do musical que já havia sido levado às telas em 1961, e acompanha a rivalidade de uma gangue de garotos brancos e outra de porto-riquenhos. Latina, a protagonista é Maria, e foi vivida na nova versão por Rachel Zegler, de ascendência colombiana —enquanto nos anos 1960, a diva Natalie Wood, filha de imigrantes russos, estrelou o longa com um sofrível sotaque espanhol.

Para o novo "Amor, Sublime Amor", aliás, Spielberg reformulou partes do roteiro e das letras das canções, dando mais espaço para que o espanhol e expressões latinas invadissem a trama. Há diálogos inteiros no idioma, que não foram legendados nos Estados Unidos. "Esse filme precisava ser sobre diversidade, precisava ser honesto e autêntico", disse o cineasta a este repórter às vésperas do lançamento do longa.

Mesmo com os erros do passado, vale lembrar que foi com o "Amor, Sublime Amor" de 1961 que o Oscar premiou, pela primeira vez, uma atriz latino-americana —Rita Moreno, que abriu uma porta imensa ao levar o prêmio de atriz coadjuvante, mas viu poucas pessoas passarem por ela desde então. Ela retornou à trama para a versão de Spielberg, num papel criado sob medida para ela.

Já "Encanto", indicado a três Globos e dois prêmios Critics Choice, é a primeira animação da Disney centrada numa família latino-americana. O filme é uma verdadeira ode à cultura do sul do continente e, apesar de ter uma ambientação específica, a Colômbia, mostra símbolos e costumes presentes em diversos países, incluindo até mesmo o Brasil.

Tucanos, capivaras e onças estão lá, dançando ao som de cúmbia, joropo e do rock difundido por Shakira, enquanto a trama fala em milagres a partir de uma narrativa inspirada em Gabriel García Márquez e nas telenovelas.

Também neste caso, o estúdio se cercou de talentos latinos para poder contar a história de forma autêntica —o filho de porto-riquenhos Lin-Manuel Miranda criou as músicas, enquanto brasileiros, cubanos e outros se espalharam pelos bastidores.

Miranda, aliás, esteve envolvido em uma série de projetos audiovisuais nesse último ano. Desde que se tornou o queridinho da América, após a explosão do musical "Hamilton" na Broadway, ele tem sido convidado para participar dos mais diferentes tipos de trabalhos. Além de compor para "Encanto", ele também criou as músicas da animação da Netflix "A Jornada de Vivo", sobre um jupará cubano, e estreou como diretor em "Tick, Tick… Boom!" —duas indicações ao Globo de Ouro e ao Critics Choice.

Outro musical —dessa vez que Miranda criou originalmente para a Broadway— a trazer latinidade a Hollywood foi "Em Um Bairro de Nova York". Um dos principais eventos cinematográficos do ano passado, o filme decepcionou nas bilheterias, mas tem canções e coreografias que transpiram latinidade, ajudando a narrar a história de uma comunidade de expatriados que buscam nos Estados Unidos uma vida melhor.

Dilemas dos latino-americanos que moram por lá estavam presentes, como questões relacionadas ao subemprego e à imigração ilegal. "Foi um bom ano [para os latinos no cinema]", disse Miranda em entrevista recente, "mas veremos como serão as coisas em 2022".

"Eu espero que nós estejamos vendo de fato uma renascença de diversidade nas telas, mas ao mesmo tempo nós precisamos lutar por isso cada vez mais. E eu me sinto orgulhoso de fazer parte disso", afirma o compositor. O protagonista do longa, Anthony Ramos, aparece entre os indicados ao Globo de Ouro.

O gênero musical quase que monopolizou a diversidade latina em 2021. Além dos projetos já citados, "Cinderela" foi outro que contribuiu nesse sentido. Versão pop para o clássico conto de fadas, o longa do streaming Amazon Prime Video pôs a cubana Camila Cabello para calçar os sapatinhos de cristal.

No universo dos heróis, tivemos numa das grandes apostas da Marvel para o ano uma latina assumindo o papel de líder de uma equipe de superpoderosos. Salma Hayek, nascida no México, guiou os personagens imortais de "Eternos", num filme que decidiu fazer da diversidade uma prioridade.

Em "O Esquadrão Suicida", da concorrente DC, a brasileira Alice Braga viveu uma guerrilheira que tenta derrubar um regime autoritário de uma nação ficcional localizada na América Latina.

E vale citar também Guillermo del Toro, mexicano que deve levar seu "O Beco do Pesadelo" ao menos para categorias técnicas de alguns prêmios.

Mas nem sempre as tentativas de levar diversidade para as telas convencem. Sabemos que incluir as chamadas minorias em filmes e séries pode trazer grandes lucros para os estúdios e, nessa busca desenfreada por público, erros grosseiros são comuns.

Foi o que aconteceu com outro blockbuster da mesma Disney que esteve por trás de "Amor, Sublime Amor", "Encanto" e "Eternos" —"Jungle Cruise". Inspirado na atração homônima de seus parques temáticos, o filme traz uma trupe de personagens americanos e britânicos para a Amazônia brasileira dos anos 1910, mas não teve brasileiros no elenco ou nos bastidores.

Talvez por isso a trama sirva um banquete de erros e estereótipos da nossa cultura ao espectador. O mais gritante é a moeda que estava em circulação no Brasil naquela época —o mil réis, e não o real, dito por vários personagens enquanto eles negociam o valor de um barco com Dwayne Johnson.

Já o cenário da vila amazônica onde a ação começa lembra muito mais uma vila mexicana, que é adornada por botos-cor-de-rosa que inspiram uma lenda contada pelos personagens, mas que nada tem a ver com o nosso folclore. A tribo que habita a região não é liderada por uma atriz de ascendência indígena ou ao menos por uma sul-americana, mas por uma mexicana.

No elenco do longa estava ao menos o venezuelano Édgar Ramírez —interpretando um colonizador espanhol, é verdade—, que também estrelou "Dia do Sim", da Netflix, comédia que acompanha uma família de origem latina e que usa o espanhol em seu dia a dia.

"Nós vivemos num mundo de diversidade, e acho que nos tempos de hoje, em que a diversidade e os valores atrelados a ela são constantemente desafiados, é importante mostrarmos que essa é a nossa realidade", disse ele a este repórter no lançamento de "Dia do Sim".

Quando veio "Jungle Cruise", no entanto, ele salientou que este era um "filme de fantasia, não um documentário", e que "deveríamos ser compreensivos" quanto à ausência de autenticidade.

Outro filme da temporada, "Apresentando os Ricardos", gerou críticas semelhantes recentemente por ter Javier Bardem, um espanhol e portanto europeu, no papel do cubano Desi Arnaz. Ele está indicado ao Globo de Ouro de ator.

Entre erros e acertos, Hollywood distribuiu acenos ao público latino-americano nesse ano que se encerrou. As bilheterias de países como Brasil e México, afinal, são importantes para a indústria, e não podemos ignorar o fato de que, mesmo nos Estados Unidos, o espanhol vem ganhando cada vez mais espaço —projeções acreditam que o país deve se tornar o maior falante do idioma no mundo, desbancando a Espanha, em poucos anos.

Pensando nisso, produtoras têm investido não apenas na representatividade, mas também em conteúdo inteiramente voltado para os latino-americanos. O streaming Starzplay, por exemplo, lançou em outubro um braço de conteúdo exclusivamente hispânico, que já tem séries de países como México, Chile e Colômbia prontas.

"É um movimento que faz todo sentido, estamos falando de uma das línguas mais faladas do mundo", diz Superna Kalle, presidente de conteúdo internacional da plataforma, que diz acreditar que o próprio público americano padrão também está mais aberto a conteúdos em outras línguas.

"Nesse novo universo em que vivemos, com essa disputa entre plataformas de streaming, o único jeito de crescer é sendo global e, ao mesmo tempo, regional. Os talentos e as histórias de tantos países para os quais tradicionalmente não olhamos precisam ser trazidos à tona."

Erramos: o texto foi alterado

Ao contrário do informado na galeria que acompanha esta matéria, o jupará não é uma espécie de macaco nativa de Cuba, mas um mamífero arborícola presente em outras regiões do continente americano. A galeria foi corrigida

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