Descrição de chapéu The New York Times

Destaque para África no Metropolitan alerta para revisões cruciais no museu

Exposição exibe peças do acervo em diálogo com obras de arte ocidental, e reflete como é preciso politizar a história

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Vitrine de museu com duas peças antigas, uma é apenas um fragmento de rosto feminino, que mostra parte do nariz, queixo e boca; a outra, à direita da primeira, é uma máscara de um rosto feminino, toda em tons de bege

Dupla "Mulheres Excepcionais" da exposição do Met, com "Fragmento do Rosto de uma Mulher", do Egito (c. 1353-1336 a.C.), e "Máscara Pendente de Lyoba (rainha-mãe)", da Nigéria, século 16 Seth Caplan/New York Times

Holland Cotter
Nova York

Em termos de objetos, não há exposição mais linda em Nova York do que "A Origem Africana da Civilização", no Metropolitan Museum of Art. E também não há outra mais perpassada por tensões éticas e políticas.

A reunião de 42 esculturas em uma das galerias egípcias do Met exibe, pela primeira vez juntas, peças de suas coleções do Antigo Egito e da África Subsaariana, com séculos de distância —a obra subsaariana mais antiga em exibição é do século 13.

O pretexto para a mostra é prático. Ela ocorre imediatamente depois do recente fechamento para reforma da Ala Michael C. Rockefeller e de suas galerias de artes da África —a ala deverá reabrir em 2024. É uma maneira de manter alguns de seus tesouros em exposição e de reconhecer diretamente a própria África como a fonte original da cultura humana.

A exposição ocorre num momento em que a história da arte africana nos museus ocidentais —como ela chegou até eles e como é tratada— está sendo examinada de perto.

As peças do continente africano em poder do Met sempre ocuparam duas seções muito distantes —literalmente, em extremidades opostas do edifício na Quinta Avenida—, refletindo distinções ocidentais antiquadas e racistas entre "alta" cultura, a do Egito, e cultura "primitiva", a da maior parte do continente.

A exposição faz um gesto de unificação; considerando, porém, seu objetivo arquitetônico, a antiga divisão presumivelmente continuará intacta, em escala ampliada, na na geografia do museu após a reforma da ala Rockefeller.

Visão geral de sala do museu mostra o diálogo entre as peças escolhidas da coleção de arte africana e as pinturas de arte clássica europeia nas paredes
Visão geral de sala do museu mostra o diálogo entre as peças escolhidas da coleção de arte africana e as pinturas de arte clássica europeia nas paredes - Seth Caplan/The New York Times

A mostra também coincide com um momento de conscientização internacional sobre o colonialismo ocidental na África e as realidades predatórias da maior parte da captação de arte no continente. Em certos países europeus —Bélgica, França, Alemanha—, gestos tardios de restituição estão sendo discutidos.

O próprio Met devolveu recentemente à Nigéria duas das várias esculturas do Benin em seu poder. Mas a exposição não faz quase nenhuma menção clara a nada disso. É preciso olhar a informação nos rodapés —citações de proveniência nas legendas dos objetos— para saber dessa história de furtos.

Em vez disso, suas organizadoras —Alisa LaGamma, curadora encarregada do departamento de artes da África, Oceania e Américas, e Diana Craig Patch, curadora do departamento de arte egípcia— nos deram uma história diferente, menor, da aquisição de arte africana pelo próprio Met e as mudanças de percepção estética e cultural envolvidas na história.

Como os antigos gregos admiravam a arte dinástica egípcia, e aprenderam com ela, os fundadores do Met, helenófilos, também a valorizavam. Ao mesmo tempo, para eles, quase toda outra arte da África não era "arte" e pertencia ao Museu Americano de História Natural, do outro lado do Central Park.

Foi só no final dos anos 1960 que uma mudança de postura da instituição se manifestou, quando o Met começou a adquirir a coleção de arte primitiva do Museu Nelson A. Rockefeller e, em 1982, construiu uma ala para abrigá-la.

Por meio das datas de aquisição nas legendas, é possível identificar quando os objetos, antigos e mais recentes, entraram na coleção do Met e assim rastrear o progresso do investimento do museu para apresentar e promover a arte africana.

Mas as curadoras embutiram essa história em uma "exposição de obras-primas" à moda antiga, composta de uma seleção dos maiores sucessos das diferentes coleções africanas sob seu encargo.

E que seleção! Surpresas lado a lado, apresentadas em pares para comparar. Em qualquer canto dessa instalação desse tesouro em espaço reduzido, você se verá apanhado.

Sob a denominação "Pares Básicos" estão duas esculturas aproximadamente do mesmo tamanho, cerca de um metro de altura, separadas por milênios.

Em um entalhe egípcio em calcário, em alto-relevo, datado entre 2.575 e 2.465 a.C., um homem e uma mulher chamados Memi e Sabu olham rigidamente à frente, como que congelados para tirar uma foto. Estão nus, são joviais e alertas, e o homem predomina. Uma cabeça mais alto que sua companheira, ele tem o braço esquerdo sobre o ombro dela e cobre seu seio com a mão.

A outra escultura, isolada, foi cortada de um único bloco de madeira por um artista dogon, no Mali, no século 18 ou início do 19. Aqui não se nota hierarquia de gênero com base no tamanho. As figuras têm quase a mesma altura, e suas feições combinam com precisão delicada, quase matemática, até os atributos que definem seus papéis na vida: a aljava de flechas pendurada nas costas do homem e o bebê enrolado que a mulher carrega nas suas também têm o mesmo tamanho.

Os primeiros critérios de beleza escultórica do Met foram definidos por uma tradição "clássica" ocidental, em que a arte do Antigo Egito recebeu menção honrosa. Meus critérios são moldados pela exposição durante toda a vida a tradições diferentes, algumas ainda rotuladas de "primitivas". Mas, no caso desses dois objetos africanos, "mais belo" simplesmente não se aplica como categoria comparativa.

De qualquer modo, as comparações entre culturas podem ser traiçoeiras, se não forem baseadas em dados verificáveis —não é o caso aqui. Por exemplo, em nenhum lugar as curadoras tentam demonstrar que a arte do Egito serviu como fonte direta para a arte dos séculos 19 e 20 em Gana, no Mali ou no Sudão. E muitos dos temas conceituais sob os quais os objetos foram colocados —"Comemorando a Beleza", "Forças Fascinantes", "Domínio dos Metais"— são tão amplos que podem acomodar quase qualquer coisa.

Com efeito, os pares de fato se baseiam na morfologia, na forma, no motivo visual —isto se parece com aquilo— que apela diretamente ao olhar.

Você não precisa ter nenhum conhecimento especial para ver que uma figura de um filhote de leão, do tamanho de um punho, cinzelada e raspada em quartzito branco no início do Egito dinástico e palpitante de vida, é um milagre de empatia entre humano e animal. Ou que aquele esguio leopardo de bronze de Edo (1.550-1.680 a.C.), fundido em um ateliê da corte do Benin, onde hoje é a Nigéria, é uma representação da realeza sobre quatro patas.

Um objeto de poder em forma de hipopótamo, do Mali do século 20, moldado em terra misturada com álcool e sangue, se parece muito com uma granada de mão para merecer o tema sob o qual aparece, "Dominando o Perigo".

Mas e o belo pequeno hipopótamo de louça na mesma vitrine? A etiqueta informa que esse guardião de tumba —feito no Reino Médio do Egito e conhecido afetuosamente como "William" por gerações de visitantes do Met— foi considerado tão agressivo em seu zelo protetor que suas pernas foram quebradas antes do enterro para que não ferisse seu dono humano no pós-vida. (Três das pernas que ele tem hoje são substituições modernas.)

Na categoria "Almofadas Sublimes", encontramos um descanso de cabeça egípcio em alabastro, luminoso como um lótus, feito para eternos adormecidos, e outro de madeira do século 19 da República Democrática do Congo, destinado a proteger o penteado de uma mulher deitada. (O artista que o esculpiu é conhecido como o Mestre do Penteado em Cascata, o que se reflete na forma do suporte.)

As imagens mais impressionantes, porém, são as de corpos e rostos: humanos, divinos ou ambos.

Dois nus masculinos altos, esculpidos em madeira, um do Antigo Reino do Egito, o outro do Sudão do século 19, são figuras memoriais de gravidade equivalente, nobres como monarcas, leves como dançarinos.

Certas esculturas podem ter sido concebidas como retratos, embora os nomes ligados a elas tenham se perdido, como no caso da cabeça fragmentada de uma rainha egípcia cortada em jaspe cor de mel. E certas semelhanças sobreviveram com as identidades intactas. Um pendente de marfim do século 16, um ícone da Ala Rockefeller, representa a mãe e o principal assessor de um rei do Benin. A face de um velho marcada pelo tempo em quartzito, com os lábios voltados para baixo e olhos pesados, pertence ao rei egípcio Senwosret 3º, embora também pudesse ser facilmente uma foto daquele homem triste sentado à sua frente no metrô ontem à noite.

Tecnicamente, a mostra se estende pelo museu em geral, com algumas obras africanas estrategicamente posicionadas. Uma figura kongo de olhos arregalados, dedicada a expulsar o mal, perturba a paz das galerias grega e romana. Um grupo de cruzes usadas em procissões etíopes levita no Salão Medieval. No andar superior, nas galerias de pintura europeia, uma figura materna do Mali, esculpida em madeira, chamada honorificamente de "Gwandansu", está próxima de uma pintura monumental de Jusepe de Ribera, "A Sagrada Família com Santas Ana e Catarina de Alexandria", de 1648.

Criar esses pontos de luz através de culturas é importante, conforme vão se formando novos públicos e "conhecido" e "desconhecido" começam a mudar de lugar. O dia virá —já veio?— em que uma figura poderosa da etnia kongo seja tão conhecida do público do Met quanto um "kouros" grego, e "Gwandansu" ajude a explicar o que significa uma "Madonna". A ideia de beleza pode ao mesmo tempo ser inclusiva e preservar as diferenças.

Nesse sentido, "A Origem Africana da Civilização" certamente tem valor. Mas, enquanto prévia da reforma da Ala Rockefeller, também tem problemas. Não basta que o espaço seja apenas redesenhado e reorganizado. Ele tem de ser repensado conceitualmente, em todos os níveis, o que não será tarefa fácil para o Met —que, como todos os nossos grandes museus tradicionais, é profundamente conservador.

Nessa revisão, será vital incorporar o Egito na história das "artes da África", como faz a exposição atual. E será necessário politizar a narrativa histórica da arte. A coleção africana do Met (e as coleções da Oceania e das Américas) trata de colonialismo, de como a arte foi deslocada —por agressão ou acordo, frequentemente um na sombra do outro— de seu lugar de origem.

Não há como ser ético e atenuar, quem dirá esquecer, o relato da ocupação militar britânica assassina do Benin no século 19. Para a plena noção dessa realidade, recomendo um livro de Dan Hicks lançado em 2021, "The Brutish Museums: The Benin Bronzes, Colonial Violence and Cultural Restitution" —ou os museus brutos: os bronzes do Benin, violência colonial e restituição cultural.

Será ainda importante enfatizar o quanto boa parte da arte da África Subsaariana na coleção do Met é inerentemente, e muitas vezes francamente, sobre ética, sobre mecanismos de justiça social; sobre viver direito, em termos pessoais, sociais e espirituais; sobre a busca por equilíbrio no mundo natural. Tudo isso fica evidente no vigor acusatório da figura de poder, na calma montanhosa de Gwandansu e nos chifres apontados para o sol, buscando o céu, de uma máscara de colheita malinesa em forma de antílope.

São ideias sobre as quais ainda temos muito que aprender. E, como comprova a atual mostra do Met, em nenhum lugar do planeta elas são ensinadas com uma beleza tão fascinante quanto nas artes da África.

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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