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Livros

Hermann Hesse, com 'O Lobo e Outros Contos', nos faz revirar os olhos

Autor indispensável aos jovens se torna frustrante quando relido à luz de sua busca pelo individualismo do homem branco

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Alex Castro

Escritor, é autor de "Atenção." (Rocco)

O Lobo e outros contos

  • Preço R$ 109 (448 págs.); R$ 89,90 (ebook)
  • Autor Hermann Hesse
  • Editora Todavia

Hermann Hesse, cantor da luta do indivíduo contra a sociedade repressora, era antes de tudo um romancista. Seus maiores sucessos, "Sidarta", "Demian" e "Lobo da Estepe", foram ícones da contracultura dos anos 1960 e 1970 –para quem ainda não conhece sua obra, ainda são a melhor porta de entrada.

"O Lobo e Outros Contos", antologia selecionada por Volker Michels em 2001 e que sai agora pela Todavia em tradução de Sonali Bertuol, permite que os fãs vislumbrem, aqui e ali, os rascunhos, os borradores, as tentativas das ideias que serão mais tarde desenvolvidas nesses romances consagrados.

Para quem não gosta de Hesse, entretanto, o volume traz apenas versões piores de romances que já não achavam tão bons. Os melhores contos são provavelmente os que nos apresentam um Hesse diferente, como "A Cidade" e "O Império".

ilustração com silhueta de uma casa vermelha
Ilustração de Fabio Zimbres para a edição de 'O Lobo e Outros Contos', de Hermann Hesse, da Todavia - Reprodução

Pois Hesse é um autor que muitas pessoas amam odiar ou odeiam amar. Ele consegue o raro feito de ser ao mesmo tempo canônico –vencedor do Nobel de Literatura de 1946– e não canônico –frequentemente menosprezado por ser um "autor adolescente" e pouco lido e estudado nas universidades.

Talvez a comparação mais esclarecedora para compreender a sua qualidade juvenil seja entre Hesse e José J. Veiga, autor brasileiro injustamente menosprezado, e que esse ano também teve seus "Contos Reunidos" lançados, dessa vez pela Companhia das Letras. Veiga e Hesse são o reflexo um do outro, semelhantes, mas invertidos.

Ambos escrevem sobre jovens, sempre com linguagem simples e límpida, quase que como fábulas. Mas enquanto Veiga usa crianças para abordar as grandes questões da sociedade, Hesse parece estar sempre tratando das questões da adolescência, das dores do amadurecimento, da luta pela individuação.

retrato de homem branco de óculos e bigode
O escritor alemão Hermann Hesse, autor de 'O Lobo da Estepe' e 'Sidarta' - Divulgação

O narrador de "Sombras de Reis Barbudos", de Veiga, é uma criança que não entende exatamente o que acontece à sua volta, mas o romance não é sobre os "dilemas de ser criança" e sim sobre ditadura, autoritarismo, conformismo. Por outro lado, em "Klein e Wagner" –a noveleta mais longa de "O Lobo e Outros Contos" e uma das poucas a ter um protagonista adulto– o narrador está justamente fugindo da mulher e dos filhos, ou seja, das obrigações da vida adulta, e indo em direção a um "sul" idílico e idealizado, uma infância perdida.

Talvez seja esse o grande tema de Hesse, a angústia existencial de um jovem homem branco, em fase de formação, querendo realizar sua potência individual e sendo reprimido pela família, pela religião, pela sociedade. Hesse fala com tanta força a leitores jovens porque as questões que o interessam são justamente aquelas que praticamente todos nós tivemos e temos que enfrentar, resolver, e superar para nos tornarmos pessoas adultas livres, independentes, funcionais.

É por isso também que sua literatura pode ser tão poderosa e marcante na adolescência, e tão frustrante quando relida por pessoas adultas que já resolveram essas questões, seja se rendendo ao mundo ou forjando seu próprio caminho.

Na obra de Hesse, "individualismo" ainda é uma qualidade a ser perseguida, conquistada, celebrada. Em 2022, no entanto, a busca pela potência de um homem branco se tornou um tema mais problemático e espinhoso que em 1919, ano em que Hesse não apenas publica "Klein e Wagner", mas também faz praticamente a mesma coisa que seu protagonista-narrador –abandona a mulher (vítima de graves distúrbios psiquiátricos) e os três filhos (que serão criados por parentes e amigos) e vai para a Itália, onde escreve o conto. Mais tarde, ele volta só para formalizar o desquite. Na celebração da busca por individualismo, sempre falta mencionar as vítimas.

As questões que apaixonavam Hesse continuam atuais e ainda são parte integrante do processo de amadurecimento da maioria das pessoas. Hoje em dia, felizmente, já existem obras que abordam essa mesma luta contra o conformismo e o autoritarismo da sociedade, mas de pontos de vista menos masculinos, menos brancos, menos privilegiados.

Para leitores e leitoras nessa busca, recomendo "A Vegetariana", de Han Kang, publicado pela própria Todavia, e "Querida Konbini", de Sayaka Murata, pela Estação Liberdade.

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