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Livros

Marina Colasanti costura relato afetivo a embates da era Vargas em livro

'Vozes da Batalha' conta história romanesca de um cartão postal carioca, o Parque Laje, lar da tia-avó da escritora

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Maria Esther Maciel

Vozes da Batalha

  • Preço R$ 28,54 (304 págs.); R$ 27,11 (ebook)
  • Autoria Marina Colasanti
  • Editora Tusquets

Numa breve nota incluída no final de "Vozes da Batalha", romance de Marina Colasanti recentemente lançado pela editora Tusquets, a autora escreve: "Este livro é o cumprimento de uma promessa nunca feita. É meu testemunho de gratidão. É a narrativa da intimidade entre mim e minha tia-avó, que sempre chamei de tia. São fatos que habitaram minha vida. Posso dizer que é um livro da família."

Retrato da escritora, jornalista e tradutora, Marina Colasanti, em 2017, aos 80
Retrato da escritora, jornalista e tradutora Marina Colasanti, em 2017, aos 80 - Zô Guimarães/ Folhapress

Para quem lê as 304 páginas do volume, entretanto, a obra vai muito além de uma história familiar centrada na trajetória da famosa cantora lírica italiana Gabriella Besanzoni (1888-1962), que se casou com o magnata brasileiro Henrique Laje em 1925 e viveu, por muitos anos, no Rio de Janeiro. Além de uma biografia afetiva da artista, o livro pode ser lido como um relato autobiográfico da própria Colasanti e a história romanesca de um dos mais conhecidos cartões postais da cidade carioca: o Parque Laje.

Foi nesse espaço —antes uma grande chácara— que o marido apaixonado da cantora mandou construir para ela um suntuoso palacete projetado pelo arquiteto Mario Vodret, onde passariam a morar até 1941, ano do falecimento de Laje.

Esse cenário fascinante, descrito em minúcias por Colasanti, ocupa grande parte da narrativa, visto que nele a escritora ítalo-brasileira —que já publicou mais de 70 livros em diferentes gêneros literários— também viveu após vir para o Brasil, aos dez anos de idade, acompanhada dos pais e do irmão Arduíno. Quase todas as descrições do palacete e seu entorno vêm à tona pelos olhos da menina Marina, deslumbrada não apenas com os cômodos luxuosos e a paisagem paradisíaca da chácara, mas também com o talento, a elegância e a generosidade da tia-avó.

Se, nessas passagens do livro, a própria linguagem —em sintonia com o que é descrito— se mostra fulgurante, em outras, porém, percebe-se uma dicção mais sóbria, visto que são apresentadas sob a perspectiva da escritora no momento presente da escrita. Isso evidencia um jogo temporal habilidoso e envolvente, em consonância com os modos de olhar de uma mesma narradora em diferentes épocas de sua própria história.

Festas glamourosas, idas e vindas entre países, disputas milionárias, embates jurídicos e políticos, cenas da alta sociedade carioca do tempo e reveses familiares atravessam a narrativa que, sempre modulada pelos ritmos da memória e da imaginação, se apresenta menos como uma figuração do que uma fulguração do vivido.

Pode-se dizer que esse romance híbrido desdobra, sobre novos vieses, um outro livro de memórias da escritora, "Minha Guerra Alheia", de 2010, voltado para a infância de Colasanti na Itália nos tempos sombrios de guerra e pós-guerra, antes de sua vinda para o Brasil. Embora enfoquem contextos muito diversos, eles não deixam de se aproximar enquanto obras que convertem fatos históricos e reminiscências pessoais em narrativas consistentes e bem urdidas.

Se em "Vozes da Batalha" não há bombas caindo sobre a cidade, nem soldados com metralhadoras nas ruas como no outro romance, os embates alheios —que envolvem a era Vargas e o governo de Carlos Lacerda no estado de Guanabara— se misturam à voz afetiva que narra e à voz poderosa da diva italiana que, como mostra sua sobrinha biógrafa, abandonou a carreira para se casar no Brasil, mas nunca deixou de cantar e se dedicar à música. São essas vozes, em meio a outras menos explícitas, que movem todo o livro.

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