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Nova biografia de Vivian Maier mostra fotógrafa e babá sob lente fascinante

Livro afirma de modo convincente que ela merece ser mais conhecida pelo seu trabalho do que protegida pela discrição

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Alexandra Jacobs
The New York Times

Se uma imagem ainda valesse mil palavras, já saberíamos mais que o bastante sobre Vivian Maier, a chamada babá fotógrafa cujo acervo imenso de imagens foi descoberto aos poucos e não chegou a ser completamente processado, em todos os sentidos da palavra, até depois de sua morte, aos 83 anos, em 2009, justamente quando o iPhone começava a circular amplamente.

Muito tempo antes de todos andarmos por aí carregando essas bolachinhas de prazer e sofrimento no bolso, Maier já tinha suas Brownies, Leicas e Rolleiflexes como suas companheiras constantes. O registro consequente de seus deslocamentos pelo mundo —pelo menos 140 mil negativos de paisagens, pessoas comuns, celebridades, crianças, animais e lixo— é mais amplo e rigoroso que o de qualquer influenciador.

Apesar de seus selfies recorrentes, algumas com sombras dando um efeito noir, Maier foi na realidade o oposto de uma influenciadora. Suas composições surpreendentes praticamente não foram compartilhadas durante sua vida –Maier tentou mas não conseguiu criar uma linha de cartões postais. Na realidade, praticamente não foram vistas por ninguém.

A exibição póstuma de suas imagens, seguida por uma recepção popular extasiada que começou na internet, vem ocupando críticos, advogados e estudiosos.

Uma biografia de Maier por Pamela Bannos lançada em 2017 sugeriu que a miscelânea de homens que levaram a público e até certo ponto lucraram com as fotos de Maier –comprando e vendendo as impressões em leilões, organizando exposições populares e produzindo livros e documentários sobre ela— agiram com presunção quando tentaram contextualizar sua história e mais ainda quando se arrogaram o direito de contar essa história.

(Maier teria desconfiado profundamente de homens, de modo geral; ela aconselhava as crianças de quem cuidava a não se sentar no colo deles. E em certa ocasião deu um soco tão forte num sujeito que queria ser prestativo que o deixou com concussão cerebral.)

Uma nova biografia de Maier assinada por Ann Marks, ex-executiva corporativa com experiência de analisar "pessoas comuns", rejeita essa ideia de exploração. O livro procura gentilmente devolver crédito às pessoas que puseram a fotógrafa no mapa –especialmente John Maloof, corretor imobiliário que se converteu em artista e cujo filme "Finding Vivian Maier" foi indicado ao Oscar.

(Maloof parece ter saído de um emaranhado tenebroso de disputas sobre copyright internacional como o ganhador dos direitos autorais.) Marks pensa que Vivian Maier teria gostado de figurar nesse mapa, não obstante sua vida de obscuridade que por momentos descambou para a quase miséria.

Talvez a diferença de visão não venha ao caso. Assim como não é possível caluniar os mortos, não é possível atribuir intenção a eles, especialmente se, como é o caso de Maier, eles não deixaram um testamento nem instruíram as pessoas com quem tinham intimidade sobre seus desejos —ou nem sequer tiveram pessoas íntimas deles.

Mesmo as pessoas que empregaram Maier como preceptora ("babá" parece um termo brando demais para ser aplicado a ela) e a alojaram em suas casas a consideravam estranha, até mesmo, olhando em retrospecto, sinistra.

Econômica nas referências sobre seus empregadores passados, Maier recorria a castigos corporais e arrastava junto os pequenos de quem cuidava enquanto clicava coisas como manequins nus e ovelhas sendo levadas ao matadouro em distritos dúbios da cidade.

Em nossa era de checagem de antecedentes, atividades infantis hiperprogramadas e revisões de cinco estrelas no site Care.com, Maier jamais teria sido contratada.

(Ela tratou com afeto excepcional três meninos da família Gensburg, de Chicago; eles retribuíram ajudando a antiga babá em sua velhice e, mais tarde, espalhando suas cinzas numa reserva florestal onde haviam colhido morangos silvestres com ela. Maier também foi babá por pouco tempo dos filhos de Phil Donahue após o divórcio dele, tendo gravado os programas do apresentador e mais tarde emoldurado um artigo "contendo sua declaração de que as mulheres eram subestimadas na televisão".)

Aparecendo em famílias de repente e com vivacidade instantânea e perfeita, era inevitável que Maier fosse comparada com Mary Poppins ou, quando corria em sua bicicleta elétrica, com a Bruxa Malvada do Oeste. Pensei também em Ole Golly em "A Pequena Espiã", com seu jeito um tanto masculino, seu andar militar, sapatos pesadões e discurso sem rodeios. Maier frequentemente se vestia como uma espécie de espiã.

Munida de acesso e permissões que Maloof negou a Bannos, Ann Marks relata a vida de Maier com a intimidade de um álbum de recordações –e, em vários momentos, a intromissão sancionada de um diário de detetive.

Os leitores veem as blusas estampadas da Liberty que Vivian Maier usava –ela era compradora ávida e cuidadosa— e as medidas de um daqueles seus sapatões pesados. Ficam sabendo sobre seus hábitos higiênicos esdrúxulos –lavar o cabelo com vinagre e hidratar o rosto com vaselina. E tomam conhecimento de suas coleções. Certa vez a pilha de jornais que Maier acumulava –um de seus grandes interesses— ficou tão pesada que entortou as tábuas do assoalho.

Marks argumenta que esse hábito de acumular era um sinal de transtorno mental, uma provável explicação do suposto mistério do extremo afinco com que Maier protegia sua privacidade –algo que deveria ser totalmente discutido e desestigmatizado, em lugar de ser meramente descartado como simples excentricidade.

"Se Vivian tivesse tido câncer ou mesmo problemas físicos menos graves como tremores, artrite ou estrabismo, esses problemas não teriam sido vistos como irrelevantes a seu trabalho de fotógrafa", escreve a biógrafa. "Ela provavelmente teria sido elogiada por sua perseverança em seguir adiante apesar disso."

Ansiosa por seguir essa teoria ao longo da história de Maier, Marks por vezes manifesta a atitude indiscriminada de uma pessoa que se deixa levar pelo fascínio dos sites de genealogia, rastreando seus antepassados até perder de vista.

"Para mim, nenhum detalhe é sem importância", ela escreve em sua introdução. Opa, pensei. Ali e em vários apêndices que descrevem métodos de pesquisa e obstáculos encontrados, a biógrafa mostra que seu trabalho pode pecar pelo excesso de zelo.

Mas a maior parte de "Vivian Maier Developped" é um apanhado completo e fascinante de uma artista que trabalhou por amor à arte. E demonstra de modo convincente que Maier merece ser mais conhecida, e não envolta em discrição em nome da compaixão cautelosa.

Para acrescentar meu próprio apêndice –a seleção de fotos, artefatos e documentos feita por Marks é criteriosa e satisfatória, mas o formato do livro a reduz a muitos quadradinhos. Traga uma lupa.

Tradução de Clara Allain

Vivian Maier Developped: The Untold Story of the Photographer Nanny

  • Preço US$40 (357 págs.)
  • Autor Ann Marks
  • Editora Atria Books
  • Língua Inglês
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