Tela de Tiradentes que enfeita momentos-chave da Câmara é uma reprodução

Por segurança, obra original de Rafael Falco está, na verdade, há dez anos em arquivo climatizado em Brasília

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Brasília

Pano de fundo de diversos momentos importantes da política nacional na Câmara dos Deputados, o óleo sobre tela "Tiradentes ante o Carrasco" teve nos últimos dez anos uma rotina muito mais monótona do que se supunha em Brasília.

A cena do mártir da Inconfidência Mineira recebendo a veste que usaria em sua execução é só uma reprodução em alta resolução.

A imagem fica atrás da mesa de comando da Comissão de Constituição e Justiça, a principal da Câmara, e testemunhou episódios como o depoimento de alguns dos principais políticos do Brasil, além das reuniões da comissão especial que deu seguimento ao impeachment de Dilma Rousseff.

A obra original de Rafael Falco, pintor e professor nascido em 1885 na Argélia e que veio ainda criança ao Brasil, habita desde 2012 uma das prateleiras de correr de uma sala de cerca de 30 metros quadrados da Câmara, com umidade entre 50% e 60% e temperatura em torno de 20 graus.

Conservador puxa do arquivo quadro Tiradentes ante o Carrasco
Paulo Santos, 55, conservador e restaurador, mostra 'Tiradentes ante o Carrasco', óleo sobre tela de Rafael Falco, que fica em arquivo climatizado - Ranier Bragon/Folhapress

"Tiradentes ante o Carrasco" é de 1951 e foi doada à Câmara em 1959, quando a capital federal ainda era no Rio de Janeiro. A partir de então, foi exposta no Palácio Tiradentes, que hoje abriga a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Pouco tempo depois, migrou junto com toda a capital federal para Brasília, emoldurando a parede de fundo da Comissão de Constituição e Justiça.

Há dez anos, o quadro foi recolhido ao depósito climatizado devido ao avanço do craquelê, as rachaduras que a ação do tempo provoca na tela. Avaliaram também que a luz excessiva e a falta de um ambiente com clima e umidade controlados danificariam ainda mais a obra.

A segurança foi outro fator que pesou. Em 2013, por exemplo, "Candangos", de 1960, o gigantesco óleo sobre tela —2,83 metros por 8,81 metros— do mestre do modernismo brasileiro Di Cavalcanti, exposto no Salão Verde da Câmara, apareceu com uma mancha de urucum depois de um ato de indígenas.

A obra, uma das principais do acervo histórico e artístico da Casa, teve de passar por restauração.

"Tiradentes ante o Carrasco" é só um exemplo da vasta coleção de obras de arte da Câmara. O acervo tem 1.878 peças, entre quadros, esculturas, bordados, fotografias, gravuras, pinturas, entre outros.

"Pelo critério técnico da Casa, as cinco obras de maior relevância histórica e artística são a pintura 'Candangos', de Di Cavalcanti; a escultura do anjo, de Alfredo Ceschiatti, o painel 'Araguaia', de Marianne Peretti, o painel 'Muro Escultórico', de Athos Bulcão; e o painel 'Mural Cívico', de Otávio Roth", informou a assessoria da Câmara.

As quatro primeiras obras ficam expostas no Salão Verde da Casa, o principal ponto de circulação e porta de entrada do plenário principal. A decisão sobre o lugar de exposição das obras, ainda de acordo com a assessoria, "cabe ao Centro Cultural da Câmara, ouvidos a Comissão Curadora, o Departamento Técnico e a Coordenação de Preservação de Conteúdos Informacionais, quando necessário".

Um tour virtual pode ser feito na página da Câmara, no projeto Google Arts & Culture.

Além de obras de arte, a Câmara também armazena em suas dependências objetos de inestimável valor histórico e cultural. São publicações raras, produzidas dentro e fora do Parlamento e igualmente acondicionadas em salas climatizadas.

Na parte de obras raras, há exemplares de todos os tomos da primeira edição da "Encyclopèdie", monumental livro do pensador francês Denis Diderot, publicado na segunda metade do século 18 e que contou com a colaboração, entre outros, de Rousseau, Voltaire e Montesquieu.

Mesmo tendo sido editados há mais de 270 anos, os exemplares da Câmara estão em razoável estado de conservação. A publicação mais antiga nos arquivos da Casa tem 500 anos de existência. E, assim como a obra de Diderot, também está em razoável estado de conservação. É a edição de 1522 da descrição do mundo feita pelo geógrafo Pompônio Mela em 43 d.C., em Roma.

"Situa a Terra no centro do Universo e descreve regiões, costumes e artes da África, Europa e Ásia sem, contudo, detalhar suas distâncias e sistemas administrativos. É o único tratado de geografia da Antiguidade escrito em latim clássico", descreve o catálogo de obras raras da biblioteca da Câmara.

O acervo da Câmara guarda ainda uma pasta recém-descoberta por servidores nos gigantescos arquivos e que está em fase de descrição para adequado armazenamento. São primeiras páginas originais de jornais que noticiam momentos históricos, como a do New York Times relativa ao assassinato de John Kennedy, em 1963, e a do paulistano Diário Popular com a notícia da Lei Áurea, em 1888.

No setor que abriga os papéis produzidos pela atividade legislativa da Câmara, há os originais de todas as Constituições brasileiras, incluindo a anterior à primeira, de 1823.

Ela ficou conhecida como a "Constituição da Mandioca" —já que o voto e a possibilidade de se candidatar só eram permitidos a quem tivesse uma renda medida em quantidade de produção de farinha de mandioca, um meio de privilegiar a elite agrária dominante—, mas a assembleia acabou dissolvida pelas tropas de dom Pedro 1º, insatisfeito com a redução de seus poderes planejada pelos constituintes.

Com tal acervo, a Casa que começou os seus trabalhos há quase 200 anos, em 1823, tem um setor de restauração próprio.

Quando da visita deste repórter, em novembro, profissionais trabalhavam na recuperação de atas de sessões e de livros no início do século 19, além da documentação em papel produzida pela Constituinte de 1988.

Uma das restauradoras, Aline Rabello Ferreira contou que, entre os achados que rotineiramente a equipe encontra no amplo emaranhado de documentos arquivados, estava a carta de um fazendeiro, do início do século 19, pedindo a instalação de escolas públicas no interior da Bahia.

Algumas das obras raras da Câmara podem ser consultadas na página da biblioteca da Casa. Parte do acervo já está digitalizada. Documentos históricos produzidos e recebidos desde 1823 também podem ser consultados de forma digital.

Para os interessados em conhecer os livros raros e documentos históricos pessoalmente, é preciso fazer um agendamento por meio do serviço Fale Conosco da Câmara, mediante cadastro.

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