'Amo o Brasil, apesar da política', diz o diretor italiano Dario Argento

No Festival de Berlim, cineasta de 83 anos rompe hiato e lança novo filme de terror

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Berlim

Berlim recebeu o novo filme da francesa Claire Denis sem ter muita certeza sobre como reagir. Em "Avec Amour et Acharnement" (amor e tenacidade, em tradução livre), exibido na competição oficial, ela disseca a relação de um casal que entra em crise quando o ex da mulher reaparece, voltando a despertar nela sentimentos intensos.

A abertura com a qual a personagem se entrega a esse romance do passado, mas sem abandonar o marido, deixou o público da Berlinale confuso, sem saber se o filme defende o direito de essa personagem amar livremente ou se a condena por está rompendo um contrato com o parceiro atual.

As coisas nunca são simples no cinema da diretora francesa, e desta vez não é diferente. No longa, Juliette Binoche interpreta Sara, uma radialista parisiense que vive há nove anos com Jean (Vincent Lindon). O filme começa com belas imagens da dupla em férias em uma praia, em momentos idílicos a dois —além da atração sexual, há entre eles um forte elo de amizade.

Vincent Lindon e Juliette Binoche em cena do filme 'Avec Amour et Acharnement', dirigido por Claire Denis e exibido no Festival de Berlim 2022
Vincent Lindon e Juliette Binoche em cena do filme 'Avec Amour et Acharnement', dirigido por Claire Denis e exibido no Festival de Berlim 2022 - Curiosa Films/Divulgação

Quando voltam de viagem, a realidade de Jean parece pouco promissora —descobrimos que ele passou um tempo na prisão, o que lhe trouxe problemas profissionais e financeiros. Quando François (Grégoire Colin), um antigo amigo de Jean e ex-namorado de Sara, o convida para trabalhar com ele, surge o impasse: vale a pena aceitar o emprego? Ou é bom evitar a reaproximação entre Sara e François?

Quando Sara revê o ex depois de vários anos, fica extremamente tocada; é óbvio que ela nunca superou a separação. Mas também é evidente que ela ama Jean —o filme não trabalha com códigos dos romances mais clássicos, com noções como "só há um amor verdadeiro para cada pessoa". O longa nos diz que, sim, é possível amar e desejar mais que um, ainda que sejam amores e desejos distintos.

"Quando essa terceira pessoa volta a esse casal, já que era amigo de Jean e ex de Sara, pega os dois de surpresa: não era algo esperado. Então eles precisam enfrentar isso —juntos, mas também cada qual à sua maneira", disse Binoche, em conversa com a imprensa.

Denis complementou: "A aventura do amor em um casal é mutável, nunca estável. Há sempre colisões. É algo que sempre pode acontecer em uma relação".

A cineasta diz que não entende convenções burguesas como "adultério" ou "traição". Até aí, tudo bem, e não há problema nisso se há um acordo entre ambas as partes de um casal sobre o tema.

A grande questão que Denis parece ignorar (mesmo nos termos de seu filme) é que o real problema de uma traição conjugal nem sempre é a "caretice" ou moralismo em termos de comportamento ou sexo, mas sim se tratar de uma quebra de confiança do parceiro. A liberdade de amar, que a cineasta parece defender, trata isso como algo secundário; pode ser uma visão libertária, mas é discutível em termos de solidez de caráter.

Mas a Denis, pouco importam os binarismos, do tipo "pessoa boa" ou "pessoa má"; são pessoas, acima de tudo, experimentando sentimentos contraditórios que a vida estimula. O filme tem grandes acertos, como a opção por filmar os atores em close bem próximos em seus rostos, em alguns instantes chave.

Mas há deslizes formais —o longa parece ter sido muito decidido na hora da montagem; algumas subtramas, como a questão da paternidade de Jean de um rapaz negro, são bastante dispensáveis. Em uma festa, a atriz Lola Créton, que tem um certo prestígio no cinema francês, surge em um ou dois planos, como a atual namorada de François. Se era para entrar muda e sair calada, por que Denis a escalou para o papel? Tudo indica que suas cenas foram deletadas na edição.

A diretora Kamila Andini em uma conferência para promover 'Nana'
A diretora Kamila Andini em uma conferência para promover 'Nana' - REUTERS/Christian Mang

Também na competição, a Berlinale trouxe outro filme sobre um triângulo amoroso, embora em chave completamente distinta. "Nana", da indonésia Kamila Andini, mostra a opressão feminina em seu país na década de 1960. A personagem-título é uma mulher casada com um homem mais velho que sofre ao descobrir que ele tem uma amante. No entanto, as duas mulheres acabam se unindo, em uma relação de cumplicidade diante de sua situação marginal. Um bonito filme, delicado, que em geral teve boa acolhida pelos jornalistas.

Fora da competição, Berlim recebeu o veterano Dario Argento, aos 81, que apresentou "Occhiali Neri", seu primeiro longa em dez anos. O filme segue o mesmo estilo que o consagrou: um assassino em série apavora Roma. No caso, ele persegue garotas de programa, que mata com extrema crueldade.

A protagonista é uma prostituta de luxo que acaba ficando cega após fugir do assassino. Com a ajuda de uma fidelíssima cachorra e de uma criança chinesa que testemunha seu acidente, ela tentará escapar do serial killer.

O filme é fluido, gostoso de assistir, assim como os longas mais notórios de Argento, como "Suspíria", de 1977. Mas não traz nada de muito distinto do que o cineasta já fez. Não é que alguém em sã consciência vá assistir a um longa do italiano esperando uma grande reflexão filosófica, sociológica ou mesmo psicológica, mas, desta vez, a vacuidade do filme é um bocado flagrante, apesar de garantir o entretenimento.

Na conversa com a imprensa, Argento relembrou sua ascendência brasileira. "Minha mãe nasceu em Porto Alegre e morou um tempo no Rio e em São Paulo. Sempre foi uma das minhas inspirações", disse.

"Sempre vou vez ou outra ao Brasil, onde tenho família. É um país que adoro. Mesmo que, vez ou outra, tenha regimes políticos nada satisfatórios", alfinetou. Se em seu cinema, a política passa longe, ao menos na vida real, ao que parece, Argento está bem antenado ao que acontece no mundo.

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