'Call Jane', drama cômico sobre aborto, esquenta disputa no Festival de Berlim

Berlinale chega à sua segunda metade também com Andreas Dresen, Nicolette Krebitz, Mikaël Hers e Bertrand Bonello

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Berlim

O Festival de Berlim entrou em sua segunda metade ainda sem um longa que tenha arrebatado corações e mentes. Mas um filme relativamente modesto, mas de tema forte, como "Call Jane", pode ter ligeira vantagem sobre os demais na luta pelo Urso de Ouro.

Dirigido e escrito por Phyllis Nagy —roteirista de "Carol", de Todd Haynes—, o longa traz um viés expressamente pró-aborto. A temática já rendeu prêmios em outras edições e outros festivais, como o de Veneza. Estaria Berlim disposta a mais uma vez premiar um filme sobre o assunto?

Elizabeth Banks em cena do filme "Call Jane", de Phyllis Nagy
Elizabeth Banks em cena do filme "Call Jane", de Phyllis Nagy - Divulgação

O diferencial do longa de Nagy está no foco, que é sobretudo o processo de politização de uma dona de casa na causa feminista, mais do que propriamente na defesa do aborto. Elizabeth Banks interpreta Joy, que corre o risco de morrer após engravidar. Os médicos se recusam a tirar o bebê, então ela recorre a um serviço ilegal conhecido por "Call Jane" (chame a Jane).

A trama se passa em 1968, mas as falas soam a um feminismo tão tipicamente dos anos 2020 que, por vezes, o filme ganha ares meio grotescos. Mas é um drama cômico agradável, com uma performance especialmente boa de Sigourney Weaver, no papel da chefe das aborteiras.

Já o alemão Alexander Scheer interpreta o advogado de um muçulmano preso em Guantánamo na comédia "Rabiye Kurnaz Vs. George W. Bush", de Andreas Dresen. O filme se baseia na história de uma mulher capaz de tudo para tirar da prisão seu filho, detido após o 11 de Setembro.

O longa é antes de mais nada um veículo para a comediante alemã Meltem Kaptan explorar seu talento expansivo. Mas tirando os dois atores, o filme não tem muita coisa — parece uma comédia televisiva rotineira, que desperdiça uma boa premissa com uma abordagem superficial, ainda que com cenas de fato engraçadas.

A cineasta alemã Nicolette Krebitz também levou à Berlinale uma comédia, "A E I O U - A Quick Alphabet of Love", sobre o romance entre uma mulher já com certa idade e um pós-adolescente. É um filme estranho, usando efeitos vanguardistas de montagem para que a narrativa não fique muito convencional. As ambições formalistas da diretora mais atrapalham que ajudam, mas o longa traz uma importante discussão sobre o amor e o desejo na maturidade.

A protagonista de "Les Passagers de la Nuit", do francês Mikaël Hers, também já não é nenhuma garota quando redescobre a possibilidade de amar. Em seu primeiro longa desde "Amanda", que em 2018 o tornou conhecido, Hers faz uma ode aos anos 1980, tanto na estética quanto na defesa de um estilo de vida mais simples. É também um filme sobre solidariedade, com cenas tocantes, mas é um bocado difuso, e por isso incapaz de conseguir o mesmo engajamento afetivo que "Amanda" e sua trama bem mais centrada.

Mais curioso que qualquer filme da competição é a nova obra do francês Bertrand Bonello, que apresentou o longa mais experimental de sua carreira na mostra Encounters. "Coma" faz parte do hoje corriqueiro subgênero "filme de pandemia", com foco em uma adolescente apavorada com a nova realidade do mundo.

Sem quase poder sair de casa, ela passa seus dias a imaginar histórias melodramáticas, tendo suas bonecas como protagonistas, e, sobretudo, a consumir vorazmente material que encontra na internet. A garota recorre ao canal de uma influenciadora digital que fala de qualquer assunto, inclusive suas teorias pitorescas sobre Michael Jackson.

O filme tem um clima de paranoia e pesadelo, e muitas cenas não parecem ter conexão com o resto. Mas é a descrição de um estado de espírito, e esse ar de mistério é um dos grandes trunfos desse pequeno filme de Bonello, que está longe de ser uma unanimidade, mas que denota grande bravura por parte do diretor.

Apesar de alguns trechos excessivamente inacessíveis, em seus momentos mais inspirados, "Coma" parece ser o filme que David Lynch está nos devendo desde que lançou "Império dos Sonhos", em 2006.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.