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Coleção póstuma de Virgil Abloh vai a Paris com direito a constelação de modelos

Desfile da Off-White teve de Cindy Crawford a Naomi Campbell e foi fiel à revisão de códigos que consagrou o estilista

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Paris

Nas últimas horas desta noite gélida de segunda-feira (28) em Paris, uma constelação de tops, estrelas da música e fãs da moda se reuniu em torno de um lustre gigantesco forrado por velas para uma espécie de memorial.

A última coleção desenhada pelo estilista Virgil Abloh, morto em novembro passado, para a sua grife Off-White, cruzou os arcos de mármore do Palais Brongniart, no complexo de edifícios da suntuosa Praça da Bolsa, como se fossem os últimos suspiros de um designer que se propôs a tirar a rua do gueto para levá-la aos salões mais chiques. Conseguiu.

Modelo desfila look da Off-White na Semana de Moda de Paris - Julien De Rosa/AFP

Se foram os tênis pesadões e a estética industrial que o alçaram ao posto de ícone da juventude fashionista, cansada dos arroubos de classicismo da moda de luxo, suas últimas ideias mostraram como é possível fundir a ideia de simplicidade vinculada ao streetwear com o viés de baile rebuscado.

Por alguns minutos em meio aos sintetizadores, às notas de música clássica e ao hip-hop ecoado na sala abarrotada, uma constelação de tops, de Cindy Crawford a Naomi Campbell, de Gigi Hadid a Kendall Jenner, de Amber Valetta a Laís Ribeiro, transformaram o manifesto derradeiro do estilista num espetáculo de alta-costura. Ou o que a moda definiu como "street couture".

A modelo britânica Naomi Campbell desfila peça da coleção outono-inverno 2022-2023 da Off-White durante a Semana de Moda de Paris - Julien De Rosa/AFP

Tirar os capuzes dos moletons e costurá-los a vestidos amplos de festa, como o vermelho sanguinolento que encerrou a apresentação, ou fazer da bota de cano médio amarrada com cadarços o novo salto alto das fashionistas, não resumem a "experiência imaginária" dessa Nave Espacial Terra, como Virgil intitulou o desfile.

O trunfo do estilista foi atualizar tudo o que se entende como o guarda-roupa da nobreza, dos vestidos à alfaiataria, passando pelos chapéus, que aqui foram transformados em bonés amplos forrados de brilho, com o intuito de tirar a espessa camada de poeira da história.

Nessa reunião de chiques, o tapete vermelho foi estendido também fora da passarela, por estrelas como o rapper Pharrell Williams, uma das primeiras celebridades a chegar ao desfile e que apareceu acompanhado do filho, e a cantora Rihanna. Grávida, ela voou de Milão, onde acompanhava a semana de moda italiana, para assistir à última apresentação do amigo.

Trajada com casaco felpudo, vestido bege coladíssimo e correntes enroladas no pescoço, a popstar é personificação do tipo de diva que Virgil acreditava ser a cara da nova geração: arriscada nas escolhas do armário, pouco afeita às reproduções da moda tradicional e com um olhar ácido para o moralismo fashion do século 20.

A cantora Rihanna e o comediante Dave Chappelle na plateia do desfile da coleção outono-inverno 2022-2023 da Off-White durante a Semana de Moda de Paris, a última desenhada pelo estilista Virgil Abloh, morto em novembro de 2021 - Julien de Rosa/AFP

Numa alfinetada explícita à costura francesa, o estilista colou o termo "little black dress" —ou pequeno vestido preto— no look micro desfilado por Kendall Jenner. O jargão é uma brincadeira com o nome de uma criação de Coco Chanel, o "little black jacket", o pequeno casaco preto de tweed que é considerado uma das maiores invenções da estilista. É como se Virgil, que é americano, mostrasse aos franceses —esse, sim, é o novo comprimento curto.

A modelo americano Kendall Jenner desfila look da coleção outono-inverno 2022-2023 da Off-White durante a Semana de Moda de Paris. No vestido, está estampado 'little black dress', ou pequeno vestido preto - Julien De Rosa/AFP

Essa coleção póstuma é toda sobre a revisão de códigos, algo que, aliás, o próprio estilista gostava de subverter e dividir com o público, como dito por ele no áudio que abriu a apresentação.

Por que uma noiva trajada de branco não pode cortar a saia do vestido bolo para mostrar as pernas e o tênis, como mostrou Bella Hadid? Por que o laço rosa gigante da alta-costura desenhada por Cristóbal Balenciaga não poderia adornar um vestido de moletom, a exemplo do look desfilado pela angel Candice Swanepoel? Para Virgil, os códigos da moda não são leis de estilo imóveis, ideia que muitas marcas de alta-costura gostam de manter, mas referências com prazo de validade que precisam estar alinhadas à geração que as veste.

O espírito questionador do designer foi traduzido ao pé da letra na apresentação, quando em dado momento um modelo trajado de branco apareceu empunhando uma bandeira gigante, também branca, na qual se lia "questione tudo".

Não está claro se a ideia fora concebida por ele ou plantada agora por sua equipe como mensagem subliminar ao humor beligerante que tomou a Europa na última semana semana com a investida militar de Vladimir Putin contra a Ucrânia. Serviu, porém, como uma suposta resposta de Virgil ao belicismo e ao conformismo da atualidade.

Prova de que esse conceito encontra eco na juventude, que tem o bolso mais cobiçado pelas grifes de luxo, é a enorme audiência amealhada ao longo dos anos pela Off-White. Nos minutos que antecederam a apresentação, quase 12 mil pessoas esperavam a transmissão ao vivo do desfile quando somadas as audiências de YouTube, Instagram e TikTok.

As redes sociais foram decisivas para o sucesso da marca, que se valeu de ideias simples, mas de potencial imagético poderoso para impulsionar a casta dos "hype beasts", as feras hype, que pagam milhares de dólares por tênis de tiragem limitada.

Os escritos pretos sobre base branca, o lacre de segurança laranja preso ao cabedal, as fitas de segurança amarelas e pretas usadas como aviso de "não ultrapasse" ficaram para trás, pelo menos na imagem vendida a partir de agora pela passarela da Off-White pós-fundador.

A modelo americana Gigi Hadid desfila peça da coleção outono-inverno 2022-2023 da Off-White durante a Semana de Moda de Paris - Julien De Rosa/AFP

Os conglomerados New Guards Group e Louis Vuitton Moet-Hennessy, que agora detêm os direitos sobre a marca de streetwear, pretendem pôr em prática o que definiram ao portal de notícias Business Of Fashion como "mapa infinito" de ideias deixado por Virgil Abloh, cujos mandamentos apontariam os caminhos para o futuro multibilionário da etiqueta.

Parte desse testamento foi apresentado hoje e, se funcionará na vitrine é uma outra história. No entanto, a julgar pela consciência de quem o redigiu, sua validade será proporcional ao esforço da grife em manter o senso de curiosidade e o verniz provocativo vivos para muito além da reprodução de tendências do passado.

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