Descrição de chapéu Cinema

Em 'A Ilha de Bergman', Mia Hansen-Love questiona o legado do cineasta sueco

Filme exibido em Cannes bebe do passado de sua diretora e se passa em ilha onde morou o autor de 'O Sétimo Selo'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A poucos quilômetros da capital Estocolmo, a ilha de Faro nunca teve muita importância para além das fronteiras da Suécia. Até que um dos maiores nomes do cinema, Ingmar Bergman, decidiu filmar por ali e, mais tarde, morar e morrer em meio às suas formações rochosas e praias de pedrinhas.

Agora, o legado cinematográfico do local é capturado pelas lentes de Mia Hansen-Love, cineasta francesa que com seu "A Ilha de Bergman" buscou um ponto de aproximação entre a sua obra e a do diretor sueco, responsável por clássicos como "Morangos Silvestres" e "O Sétimo Selo".

Vicky Krieps e Tim Roth em cena do filme "Bergman Island", de Mia Hansen-Love, apresentado no Festival de Cannes
Vicky Krieps e Tim Roth em cena do filme "Bergman Island", de Mia Hansen-Love - Divulgação

Na trama, Vicky Krieps dá vida a uma cineasta que acompanha o marido, personagem de Tim Roth com o mesmo métier, numa viagem a Faro, onde ele vai apresentar um de seus filmes no Bergman Center. Ele tem uma carreira mais consolidada, é mais velho, enquanto ela se digladia com as folhas de papel para conseguir escrever o roteiro de seu próximo projeto.

As cenas –que bebem de sua própria experiência, já que ela foi casada com o cineasta Olivier Assayas, mais velho– se alternam com a trama desse próximo filme, que se desenrola na cabeça da protagonista ao acompanhar uma jovem que reencontra um antigo amor durante uma festa de casamento em Faro –nessa fantasia, Mia Wasikowska e Anders Danielsen Lie assumem o casal.

Em conversa por vídeo, numa rara pausa de sua agenda tomada pela produção de seu próximo longa, Hansen-Love conta que "A Ilha de Bergman" tomou forma a partir de um conjunto de ideias distintas, e que abordar o legado e os temas do cineasta sueco nunca foi seu objeto primário.

Ela sabia que queria enquadrar um casal de cineastas com sua câmera, e que queria falar de relacionamentos, mas levou tempo até definir onde faria isso. A francesa, então, acabou lembrando do que chama de uma antiga obsessão, que criou ao saber da ilha quando Bergman morreu, em 2007.

"Eu queria muito visitá-la, porque estava fascinada. Eu conversava com pessoas que tinham ido até lá e ficava com inveja, e esse sentimento contaminou a minha vontade de fazer um filme sobre um filme", diz Hansen-Love.

"Eu sei que há muitos filmes sobre cinema, mas eu, na minha ingenuidade, achei que pudesse dizer algo que ainda não havia sido dito. Então eu decidi fazer um filme sobre a origem de tudo, sobre de onde um filme realmente vem, não sobre o glamour que normalmente vemos em tramas do tipo."

Ao longo das quase duas horas de "A Ilha de Bergman", acompanhamos o quão excruciante é para a protagonista decidir o que quer filmar e dar vida a seu roteiro. Ela vai buscando inspiração justamente no cinema de Bergman, seja ao rever algum de seus clássicos, ao visitar sua antiga casa ou até mesmo ao questionar o legado e a vida pessoal do cineasta sueco.

"Você acha que uma mulher pode criar um trabalho grandioso e cuidar de uma família ao mesmo tempo?", questiona a protagonista durante uma conversa em que as cinco mulheres e os nove filhos de Bergman, dos quais ele nunca foi muito próximo, são mencionados. São perguntas que Hansen-Love diz fazer a si mesma, não escondendo sua relação íntima com os dilemas e a jornada da personagem de Vicky Krieps.

"Eu não quero julgar ou ficar irritada em relação a isso, eu só realmente acho que é uma pergunta relevante", diz Hansen-Love. "Obviamente uma mulher não poderia criar um trabalho como o de Bergman, por vários motivos e também por não poder ter nove filhos e não cuidar deles. É praticamente impossível. É uma pergunta que eu faço muito a mim mesma, que não me impede de admirar os filmes de Bergman, mas me faz pensar no meu próprio trabalho, nas minhas possibilidades e em como expressar a minha voz."

Os tempos são outros, ela reconhece, mas nem por isso as mulheres estão em pé de igualdade com os homens, o que se faz presente nas suas inseguranças. Habitué dos festivais europeus –ela ganhou prêmios em Berlim, por "O que Está por Vir", e em Cannes, por "O Pai dos Meus Filhos"–, Hansen-Love diz se questionar, sempre que é selecionada para algum deles, se está cumprindo uma espécie de cota de diversidade ou se foi escolhida porque seu trabalho é realmente bom.

"Antes de levar ‘A Ilha de Bergman’ a Cannes, muita gente insinuou que eu tinha boas chances de levá-lo para competir no festival no ano passado simplesmente por ser mulher. Isso é bem irritante. A vitória de verdade, na minha opinião, virá quando a discussão não for sobre o filme ser de um homem ou uma mulher. Eu quero ser considerada uma boa diretora e que meus filmes sejam bons filmes, e é isso."

A Ilha de Bergman

  • Quando Estreia nesta quinta (24), nos cinemas
  • Elenco Vicky Krieps, Tim Roth e Mia Wasikowska
  • Produção França/Bélgica/Alemanha/Suécia/México/Brasil, 2021
  • Direção Mia Hansen-Love
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.