Entenda como FBC fez de 'Se Tá Solteira' um hit no TikTok com um clima de baile funk

Com o sucesso da música nas redes sociais, disco 'Baile' se tornou obrigatório nos sets dos principais DJs do país

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Ilustração do disco 'Baile' do rapper mineiro FBC

Ilustração do disco 'Baile' do rapper mineiro FBC Divulgação

São Paulo

Quando o beatmaker Vhoor sugeriu que o rapper FBC fizesse uma música usando batidas do Miami bass, sua primeira reação foi de desconfiança. "O Vhoor ficou insistindo tanto para usarmos os beats de Miami que eu aceitei. Em dez minutos, escrevi a música ‘De Kenner’ e gravamos. Quando ouvi, falei ‘pô, sou rapper, não dá para aparecer com essas músicas engraçadinhas, não, guarda isso aí’."

"De Kenner" é uma das faixas de "Baile", disco com bases resgatadas dos funks cariocas dos anos 1990 e que acabou virando presença obrigatória nos sets dos principais DJs do Brasil. Seja num churrasco na periferia ou numa balada chique no centro da cidade, é difícil não ter ouvido alguma faixa do álbum nos últimos meses.

Dois homens negros são fotografados em um fundo infinito cinza
O produtor musical Vhoor e o cantor de rap FBC, parceiros do disco 'Baile' - Wanderley Vieira/ Divulgação

A fórmula do sucesso de "Baile" inclui ainda o Miami bass, que Vhoor pôs em todas as faixas do álbum. Surgido nos bairros negros de Miami, nos Estados Unidos, nos anos 1980, o ritmo misturava sons eletrônicos e de buzinas a vozes robotizadas dos cantores de rap. A ideia dos produtores e compositores da época era fazer um contraponto aos discursos politizados das letras do hip-hop, usando batidas aceleradas e versos sobre baladas e curtição.

"O Miami venceu", diz Fabrício Soares, o FBC. "Foi um risco grande fazer esse trabalho todo em Miami bass. Quando lançamos a primeira música do disco, ‘Se Tá Solteira’, ficamos bem preocupados, porque ela não teve o retorno que a gente esperava mesmo depois de algumas semanas. Até que bombou."

Esse sucesso teve como combustível coreografias viralizadas no Tik Tok e no Instagram pela cantora Anitta e outros artistas badalados. Mas vale ressaltar que não é só "Se Tá Solteira", —que acumula quase 10 milhões de audições no Spotify e outros 5 milhões de views no YouTube— que é cantada em uníssono pelos fãs nos shows do rapper. Todas as canções do disco costumam enlouquecer o público durante as apresentações.

"Baile" surgiu depois da insistência de Vhoor, nome artístico de Victor Hugo, quando eles colaboravam no EP "Outro Rolê", primeira parceria da dupla, também do ano passado. Então, o duo explorava sobretudo as batidas de trap e drill, mas a temática do baile funk já aparecia em músicas como "Baile de Ladrão".

O artista, que tem outros três álbuns de rap na carreira —"S.C.A", de 2018, "Padrim", de 2019, e "Best Duo", de 2020, este feito em parceria com a cantora Iza Sabino—, conta que foi só depois de mostrar o disco a um amigo num lava-rápido que mudou de ideia sobre o seu flerte como o Miami bass. "Quando pus ‘De Kenner’, vi o semblante dele mudar. Aí eu pensei ‘é isso!’."

A preocupação de FBC não era para menos. O estilo dançante do Miami bass, além de antigo, é tido na cultura da música eletrônica como obsoleto. Nenhum hit de sucesso dos últimos anos é afiliado ao gênero, que chegou ao Brasil no início dos anos 1990 e foi logo incorporado ao funk nos bailes cariocas. A mistura dos gêneros pode ser vista em sucessos como o "Rap das Armas", da dupla Cidinho e Doca, ou o "Rap do Solitário", de MC Marcinho.

O DJ Marlboro, um dos propulsores do funk no país, conta que o êxito do ritmo, que ajudou a disseminar, aliás, só aconteceu porque ele sofreu essa metamorfose. "A mistura da música eletrônica do Afrika Bambaataa, um dos criadores do Miami bass, com o samba, o forró e o rap que estava aparecendo em São Paulo e no Rio foi a receita do sucesso do funk carioca nos bailes", afirma.

Usar um gênero que desapareceu das rádios e do streaming ao mesmo tempo em que o atualiza é uma tarefa para poucos. Uma tentativa parecida foi feita pelos MCs Marcinho e Delacruz e o betmaker Gu$t no início do ano passado em "Romântico 90". A música buscava modernizar o tamborzão, batida muito presente nos funks dos anos 1990, mas acabou não sendo tão bem-sucedida quanto aquelas de "Baile".

Por outro lado, o fato de que Vhoor empregou a mesma fórmula que outros produtores usaram nos primórdios da música eletrônica no país é um dos pilares do sucesso de "Baile". "Essa cultura da música eletrônica nos bailes não ficou só no Rio, em Minas Gerais e no Maranhão, por exemplo, ela vive até hoje", afirma Vhoor. "Até 2010, o funk consciente de Belo Horizonte usava Miami bass como base das músicas."

Esse histórico ajudou "Baile" a ter uma sonoridade familiar e até nostálgica para os que frequentavam os bailes nos anos 2000. "As festas de rap de BH há uns 20 anos atrás eram conhecidas por serem lugares hostis. Você não via mulheres, gays ou lésbicas nesses rolês. Já os bailes funk eram lugares abertos a todos", diz FBC.

Vale dizer que no álbum é possível ouvir um pouco da história desse ritmo nas festas em bairros periféricos, numa espécie de plano-sequência sonoro. Nos primeiros versos da faixa "Vem pro Baile", que inicia o disco, FBC percorre as comunidades de Belo Horizonte como se estivesse convidando todos para a festa "Sala VIP" na Cabana do Pai Tomás, na zona oeste da capital mineira.

Ainda na música, é lembrada uma coreografia que acabou viralizando nas redes sociais. "Todo mundo junto, um pra lá e dois pra cá/ no ritmo dançante 'cê gira pro meio e desliza/ só não esquece a guitarrinha."

Conhecido como "Passinho de BH", segundo FBC, a dança surgiu no fim dos anos 1990 durante as festas de funk nas periferias. "A cultura do passinho, muito influenciada pelos estilos de dança da música eletrônica americana e pelo charme, ganhou espaço nos bailes de gueto em Minas."

Nas dez faixas do álbum, o rapper equilibra letras mais empolgantes e outras com um discurso mais comum nos discos de rap —mas sempre com o mesmo estilo que anima as pistas de dança. "A obra toda fala da mesma coisa, por isso segue o mesmo ritmo. Minha ideia foi contar uma história de uma comunidade criada pela união dos moradores. Nem todo mundo entende essas histórias que estão por trás do álbum, mas quem presta atenção consegue identificar a continuidade das músicas já nos nomes delas", diz ele.

Depois de ficar por semanas em novembro na lista "Top Músicas - Brasil", no Spotify, a faixa "Se Tá Solteira" continua como principal som de coreografias nas redes e permanece uma das favoritas para embalar o Carnaval de 2022 —caso ele aconteça. "Eu quero mais é que 'Baile' viralize no TikTok, no Instagram ou onde for e que isso resulte em dinheiro para a gente focar em outros projetos mais tranquilos."

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