Em "São Paulo", são costuradas citações de três dezenas de autores, a começar de José de Anchieta, padre e dramaturgo que fundou formalmente a cidade. O jesuíta descreve como era difícil chegar ao planalto, isolado e protegido.
Editando essas fontes diversas, em especial "A Capital da Solidão", publicado pela Objetiva em 2003, a atriz e roteirista Regina Braga fala dos séculos no triângulo do centro velho e da expansão posterior. Fala da escravidão, da faculdade no Largo São Francisco e da greve geral em 1917.
Mas é quando ela mesma se coloca em cena, quando entra quase fisicamente pela cidade, passeia pelo centro novo, lembra a sua São Paulo, que o solo ganha força e, por vezes, emociona, levando o espectador a enxergar pelos olhos da jovem interiorana.
Passagens sobre os bandeirantes ou João Ramalho podem soar ofensivas, mas ela relata ser o que ouvia, estudante, até os anos 1950 e 1960 —e se percebe o conflito. Regina Braga se põe como personagem, e as leituras ganham sentido.
Ela conta da pensão em que morou, que era da mãe da também atriz Myriam Muniz. Descreve a Escola de Arte Dramática antes da Cidade Universitária, o Teatro de Arena, o impacto ao assistir a "Pequenos Burgueses" no Oficina.
Vislumbramos o que ela viveu e o que a fez se apegar a São Paulo, apesar de tudo de ruim na cidade. É então que ela recorda a imagem do dramaturgo e ator santista Plínio Marcos, sentado no chão.
E é através dele, sambista fora de lugar como ela, que o quase musical de velhas e novas canções paulistanas se arredonda, sob a direção de Isabel Teixeira e com instrumentistas aprimorados na roda de choro tornada orquestra.
Eles se deixam envolver pela atriz e sua pequena voz. Ela está à vontade, como numa mesa de bar, talvez do Redondo, em meio ao samba de imigrantes como sua família --e como aqueles de "Nas Quebradas do Mundaréu", de Plínio.
Mas não é um espetáculo biográfico ou de reminiscências. "São Paulo" traz algumas das canções e histórias que formaram Regina Braga, na parte da cidade que ela separou para si mesma e que se pode acompanhar também com nostalgia. Ainda que muitos não consigam cantar com ela, na roda.
Evitando as mais gastas, sua trilha vai de "Aguenta a Mão", de Adoniran Barbosa, e "Raiz", de Paulo Vanzolini, a "Tristeza do Zé", de Luiz Tatit e José Miguel Wisnik, e "Persigo São Paulo", de Itamar Assumpção, alcançando uma inesperada unidade formal em torno da cidade.
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