Descrição de chapéu indígenas

Sebastião Salgado tem sua Amazônia inesquecível enfim à mostra em São Paulo

Jornalista Leão Serva, que acompanhou fotógrafo em algumas expedições, registrou making of de projeto longevo

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São Paulo

"Para mim, foi das coisas mais bonitas do meu trabalho de fotógrafo", disse Sebastião Salgado em entrevista ao UOL se referindo aos dez cadernos especiais que a Folha publicou entre 2017 e 2020 com suas fotografias da Amazônia, acompanhadas por textos meus. "Acho que nós fizemos uma coisa de que vamos ter um grande orgulho até o fim de nossas vidas".

Tudo começou num dia no início de outubro de 2017.

O telefone tocou, o número era internacional e desconhecido. Aprendi com a biografia do editor Samuel Wainer a sempre atender as chamadas, imaginando que uma delas pode trazer a grande história de minha vida. Quase sempre ouço papo de telemarketing. Mas naquele dia, o ensinamento se provou certo. Quando atendi, a pessoa disse "Leão? Aqui é o Sebastião Salgado".

Pouco tempo antes, eu tinha entrevistado Salgado sobre a exposição "Gênesis", para extinta revista Playboy.

Salgado começou a trabalhar no projeto "Amazônia" em 2013, quando ainda finalizava "Gênesis". Depois de anos viajando apenas com a equipe de apoio para a produção de fotografias, ele decidiu passar a ser acompanhado por um repórter.

Naquele momento, ele ligava de um ponto da floresta na região de Lábrea, no Amazonas. Estava saindo de cerca de um mês morando entre indígenas de um grupo que vive isolado naquela região no sudeste do Amazonas, os suruwahas. Iria então iniciar uma nova expedição, à terra dos famosos korubos, os "índios caceteiros", temidos pela violência de seus ataques de borduna na região do Vale do Javari.

"Eu gostaria que você viesse comigo e que a história fosse publicada em um jornal paulista", disse. "Eu sou colunista da Folha", respondi.

"Ótimo. Ofereça ao jornal."

Minutos depois, contatei o jornalista Sérgio Dávila, hoje diretor de Redação, que se entusiasmou ao primeiro contato. Soube depois que Otavio Frias Filho também vibrou com a ideia. Fechamos.

No dia seguinte, demos início ao trabalhoso processo para obter autorização das lideranças indígenas e da Fundação Nacional do Índio, a Funai, para participar da visita a um grupo de recente contato.

O relato da viagem foi publicado pouco antes do Natal de 2017. Salgado ficou feliz com o resultado, e a Folha também. Nasceu ali a parceria que se repetiria por outras nove vezes, resultando em cadernos com dez páginas de imagens impactantes, publicadas em grande formato.

Foram experiências inesquecíveis realmente, para levar com orgulho até o fim da vida. Em 30 anos de participações em expedições a grupos indígenas da Amazônia, eu jamais tinha feito tantas viagens em tão pouco tempo. Foram cerca de 120 dias em pouco mais de dois anos.

Além do poderoso impacto cultural da convivência com diferentes povos, havia a experiência de acompanhar o processo de trabalho do mais famoso fotógrafo do planeta e ouvir suas histórias.

Durante as viagens, adotei a rotina de documentar o dia a dia, para ajudar a compor os relatos dos trabalhos, com imagens feitas com iPhone.

Essas fotos acabaram por compor um "making of" das viagens e do modo de trabalhar de Salgado, às vezes da própria feitura de algumas de suas imagens icônicas.

Como diz o personagem replicante do clássico filme "Blade Runner", vi coisas que muitos humanos não acreditariam, e o celular foi um jeito de guardar para que não se perdessem no tempo.

Um momento muito interessante desse processo é quando Salgado devolve aos indígenas as imagens que captou, em coleções de fotografias. Essa troca intercultural é também um termômetro da multiplicidade dos povos indígenas brasileiros.

As famílias ashaninkas, da comunidade Apiwtxa, no Acre, têm como adorno em suas salas grandes fotos feitas por Salgado. Já o jovem líder Alfredinho Marubo, da comunidade de Maronal, no Vale do Javari, pediu que o fotógrafo enviasse cópias digitais das imagens, pois no disco rígido de seu computador elas ficariam preservadas para as futuras gerações.

Os indígenas têm diferentes graus de convivência com a fotografia, em preto e branco ou em cores, ultimamente, digital. Entre os marubos, um homem perguntou se Salgado não tinha condições de comprar uma câmera que fizesse fotos coloridas como seu celular. Ouviu em resposta uma longa explicação sobre as razões da radical opção do fotógrafo mineiro pela foto em preto e branco, desde meados dos anos 1980.

Entre tantas coisas surpreendentes, certamente, é admirável saber que nasceu em 1944 aquele homem energético que acorda antes de o dia amanhecer, carrega equipamento pesado, segue guerreiros jovens pela mata, acompanha caçadas e pescarias e pode passar, às vezes, mais de uma hora repetindo cliques até chegar ao registro ideal de uma cena.

Mais ainda, Salgado parece dedicar a mesma energia para a produção do fotograma perfeito e para varrer o estúdio improvisado na selva com uma lona, por exemplo.

Paciência de Jó e persistência zen são duas características impressionantes que se juntaram a um fortíssimo senso estético para resultar no trabalho profissional mais conhecido da fotografia internacional.

Agora, após dois anos de adiamentos provocados pela pandemia da Covid-19, já tendo sido expostas em Paris, Roma e Londres, as pérolas desse trabalho contínuo de quase uma década chegam a São Paulo nesta terça.

A exposição foi concebida de forma inovadora por Lélia Wanick Salgado, arquiteta e curadora, parceira de vida do fotógrafo.

Penduradas em fios, as imagens recuperam a posição que tinham originalmente diante de seu autor. Para ver rios fotografados de aeronaves, o espectador olha para baixo; copas das árvores, para o alto; para pessoas e retratos foca, diante do olhar direto. Com uma trilha composta por Jean-Michel Jarre a partir dos sons da floresta, o espectador transita por uma selva virtual.

Sebastião Salgado – Amazônia

  • Quando Ter. a sáb., 10h às 21h; dom., 10h às 18h. Até 10/7
  • Onde Sesc Pompeia - R. Clélia, 93, São Paulo
  • Preço Grátis

Amazônia

  • Preço R$ 900 (528 págs.)
  • Autor Sebastião Salgado e Lélia W. Salgado
  • Editora Taschen

Amazônia: O Processo de Criação de Sebastião Salgado

  • Quando Ter. a dom., 11h às 19h. Abertura em 8/3. Até 8/5
  • Onde Itaú Cultural, av. Paulista, 149, São Paulo
  • Classificação Grátis
  • Elenco Fotos de Leão Serva, Lélia Wanick Salgado e Everton Ballardin
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