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De Jade Picon a Olivia Rodrigo, entenda o sucesso da estética infantil 'kidcore'

Estilo que conquista adultos millennials resgata símbolos característicos de geração que viveu anos 1990 e 2000

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uma criança num parque de diversão segura vários balões ultracoloridos

Obra 'Amparo', da artista Flávia Junqueira Divulgação

São Paulo

A cantora Olivia Rodrigo tem dezenas de adesivos de borboletas, flores e rostinhos sorridentes, as tais "smiley faces", colados em seu rosto no retrato que estampa a capa de "Sour", um dos discos mais ouvidos do ano passado. O músico Justin Bieber assina um famoso Crocs cheio de adereços como pizza, ursinho e arco-íris. E a influenciadora Jade Picon sempre pinta pequenos corações ao lado das pálpebras.

Febre nas redes sociais, o "kidcore" é uma estética que resgata a infância dos anos 1990 e 2000 e propõe um visual ultracolorido e excêntrico. Os ares chamativos são embalados por um quê divertido, lúdico e quase sempre cômico.

Uma jovem branca mostra a língua enquanto seu rosto está cheio de adesivos coloridos infantis
Olivia Rodrigo na capa de seu disco 'Sour' - Reprodução

O fenômeno faz sucesso entre jovens da geração Z —os nascidos entre 1995 e 2010— e, principalmente, entre os adultos millennials —os nascidos entre 1980 e 1994.

Isso significa que, por mais estranho —e contraditório— que possa parecer, é cada vez mais comum adultos usarem roupas e acessórios relacionados a elementos infantis como Barbie, balas 7 Belo, pirulitos, "Ursinhos Carinhosos", "Os Padrinhos Mágicos", Xuxa e pompons cor-de-rosa. O mesmo vale para penteados de maria-chiquinhas, colares de miçanga, anéis de crochê e maquiagens vibrantes.

Referências a filmes, séries, desenhos e músicas que se tornaram símbolos dos anos 1990 e 2000 aparecem entre muito brilho e extravagância —herdados da "dopamine dressing", onda fashion que remete a emoções como felicidade, excitação e êxtase.

Surgido em 2019, o "kidcore" ganhou força na pandemia e, desde então, tem invadido tantos guarda-roupas que já existem até lojas especializadas nesse nicho.

Com mais de 60 mil seguidores no Instagram, a Bubble Acessórios, por exemplo, tem uma vitrine que se parece bastante com a de algumas lojas para criança, mas, na realidade, é só voltada ao "kidcore". De acordo com dados da Bubble, 72% da sua clientela têm entre 18 e 34 anos.

"Quando pensamos em criar a loja, no começo de 2020, ainda eram poucos os comércios desse estilo, então eu me questionava se alguém realmente compraria um brinco de pirulito", diz Camila Prado, que fundou a Bubble ao lado da irmã, Ana. "Mas tem muita gente que gosta desse tipo de coisa. Até bem mais do que imaginávamos."

"Hoje até temos acessórios que contemplam quem é mais discreto, mas a grande maioria do que vendemos é ousado. Tem bastante gente que jamais usaria porque, realmente, são produtos que parecem de criança", afirma Ana Prado.

Alguns desses acessórios que ela classifica como discretos são semelhantes aos de participantes desta edição do Big Brother Brasil, como o colar de letras da Jade Picon —que também adota o "kidcore" no seu icônico biquíni roxo de crochê—, as pulseiras de miçanga de Brunna Gonçalves e os "bucket hats", ou chapéus no formato de balde, de vários "brothers" —item que é considerado "a nova bandana" do programa.

Já a lista dos produtos da loja classificados como ousados vai de colares do mangá "Sailor Moon" a brincos com imagens que remetem à canção "Lua de Cristal", da Xuxa. É a mesma linha de lojas como CellesShop e CoraBijus, que vendem sentimentos nostálgicos em troca do lucro. "É muito bom lembrar a época de quando éramos crianças", diz Camila Prado.

Segundo o psicanalista Celso Gutfreind, autor de "A Nova Infância em Análise", lançado no ano passado, a nostalgia atrelada à infância é um conjunto de "representações culturais em que as pessoas se refugiam" relembrando momentos felizes de suas vidas de criança, o que explicaria por que o "kidcore" explodiu na pandemia.

"Vivemos um trauma coletivo, que nos trouxe dificuldades financeiras e emocionais, nos deixou isolados, inseguros, doentes, de luto. Sem dúvida, isso é um convite para nos refugiarmos nessa infância em que supostamente éramos protegidos."

Gutfreind afirma que, embora a vida infantil seja muito atrelada a bom humor, alegria e festividade, a psicanálise a enxerga como "um grande trauma".

"Os bebês e as crianças são como uma obra aberta. Eles têm aquelas bochechas grandes, que ainda não tomaram forma e, na nossa cultura, isso é muito fofo", diz. "Mas é importante dizer que nenhuma criança é fofa. Dizem barbaridades, se masturbam na frente de todo mundo, são violentas."

Ainda segundo o psicanalista, essa postura sem filtro —somada ao que ele chama de "deturpação da memória infantil na fase adulta"— relaciona a infância às cores vibrantes e às vestes lúdicas do "kidcore", cheias de personagens fictícios e histórias de fantasia.

"Quando crianças somos menos controlados. Gritamos, dizemos o que pensamos e ainda não internalizamos nenhuma patrulha social", diz ele. "Manter o lúdico na fase adulta é muito importante, senão, nossas vidas ficam muito sérias, chatas, melancólicas. Precisamos dessa dimensão infantil."

Conhecidas por uma estética marcada por balões gigantes ultracoloridos e parques de diversão, as obras da artista Flávia Junqueira caminham nessa dimensão, que vai ao encontro do "kidcore".

"O que proponho não é um escapismo", afirma a paulistana. "Procuro criar um espaço onde os modos de ver e sentir que associamos à criança possam ser vividos por pessoas de qualquer idade. Espero que possam inventar realidades mais interessantes, como a de uma criança que transforma qualquer pedaço de papel prateado numa roupa de astronauta."

No acervo de instituições como o Museu de Arte do Rio e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, Junqueira —que bem antes do "kidcore" navega pelo lúdico infantil— ganhou notoriedade com fotografias de monumentos do patrimônio histórico nacional, como o teatro Amazonas, em Manaus, e o pavilhão da Bienal de São Paulo, além de espaços como o minhocão, no centro da capital paulista, e quadras de escolas de samba no Rio de Janeiro.

Nas fotografias e instalações da artista, os lugares costumam aparecer cheios de bexigas, brinquedos e elementos infantis. Inspirada na marca lúdica de artistas como o alemão Carsten Höller, que tem obras com tobogãs e cogumelos gigantes, Junqueira conta que sua próxima instalação é "Revoada", com balões de resina e cristal.

"Há um ponto de partida que é biográfico, que tem a ver com o fascínio que a festa infantil e os parques de diversões sempre exerceram sobre mim", conta. "Mas há também um modo de se relacionar com o tempo, o corpo e a matéria do que pode ser aprendido e cultivado por qualquer um que não subscreva o projeto moderno de civilização que, baseado em noções como a razão e o progresso, se afastou demasiadamente do horizonte da alegria."

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