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Dior refaz o 'new look' e remete à guerra na Ucrânia na Semana de Moda de Paris

Estilista Maria Grazia Chiuri fez manifesto sobre o silenciamento imposto às mulheres para ilustrar este novo tempo

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Paris

Algumas coisas são ditas sem que uma única palavra tenha de ser escrita. A moda tem dessas coisas, e, num momento em que o silêncio sobre a guerra na Ucrânia ainda dá a tônica das passarelas e das conversas mornas nas salass de desfile, a Christian Dior fez um manifesto sobre o silenciamento imposto às mulheres para ilustrar a roupa de um novo tempo.

Mas, antes de entrar na coleção apresentada nesta terça-feira dentro de uma enorme caixa montada em pleno jardim das Tulherias, em Paris, é preciso posicionar essa coleção no tempo. O "new look", o traje composto por saia ampla, jaqueta acinturada e o chapelão que sepultou a rigidez dos trajes da Segunda Guerra, completa 75 anos.

A ideia de Dior ao fazer daquela estrutura uma nova silhueta glamorosa era dar às mulheres, cansadas da alfaiataria simplista demais do período, um emblema de feminilidade que seria perpetuado ao longo das décadas. Era o fim dos dias cáusticos, escassos, e o costureiro, com essa nova visão, devolveu a alegria e o movimento às caixas registradoras da costura francesa.

Corta para 2022. O que falaria mais alto para o público feminino, uma roupa nova para usar na festa ou algo que represente a luta travada fora dos provadores para firmar posição? Maria Grazia Chiuri, a maior voz do feminismo em sua seara, desconstrói os motivos que levaram o fundador da marca a criar o "novo look" e escolhe dar, em vez da graça, um conjunto de proteção para "a próxima era".

A cintura marcada no look do passado foi presa na passarela pelo novo espartilho, amarrado com cadarços e inspirado na indumentária dos motociclistas. Como escudos para o choque diário de um mundo extremista, as peças ainda recebem ombreiras estruturadas como o uniforme do futebol americano. A estilista corta os panos em voz alta. "Isso é para o combate que se anuncia."

Certa de que o mundo não é o mesmo daquele vivido por Christian Dior em 1947, ela pincela as ancas mais largas da jaqueta Bar para criar casacos de alfaiataria combinado ora com calças soltas na barra, ora com saias cheias de camadas. De uma forma bem amarrada, ela mescla a austeridade da primeira metade da década de 1940 com o perfil de celebração dos últimos 25 anos.

Não há bom humor, nem beleza gratuita nas sacadas de Chiuri para o próximo inverno. Mesmo as flores, tema caro à maison mais feminina do calendário parisiense, aparecem impressas em rosés esmaecidos, com fundo desbotado cujo efeito simula naturezas-mortas. E, bem, ela está mesmo a ponto de ficar no novo tempo vislumbrado pela grife.

A natureza é um tema sutilmente marcado no tecido, sem que para isso ela precise estar explícita em tons e desenhos. Em parceria com uma startup italiana, a estilista aplicou um sistema que regula a umidade do corpo, e, se for necessário, esquenta a temperatura corporal. Mais uma vez, aqui ela oferece as novas peças essenciais para um mundo colapsado.

Num jogo de assimetria, como se espantasse o olhar dos homens, as saias são plissadas num tecido usado na alfaiataria masculina de forma que os comprimentos se apresentem como curtos, médios e longos a depender do ângulo de visão. É como se Chiuri incorporasse o que a tecnologia têxtil pode servir ao seu discurso.

De volta à caixa branca que, etérea, foi montada pela marca em meio à natureza viva nesta semana de moda, as paredes vermelho sangue foram adornadas por uma instalação da artista italiana Mariella Bettineschi, mais especificamente a série de retratos do trabalho "A Próxima Era".

Nele, obras de nomes importantes da arte barroca, de Caravaggio a Tiziano, foram refeitas pela artista, que tirou as paisagens e aplicou dois olhos, levando ao centro da obra os sentimentos de cada mulher cujo trabalho foi servir de modelo para um homem exprimir seu talento.

A estilista Maria Grazia Chiuri aparece ao final do desfile da Christian Dior na Semana de Moda de Paris - Piroschka van de Wouw/Reuters

O resultado é uma justaposição de ideias como se, atentas à passarela, as mulheres da Renascença, presas a espartilhos, cores e lenços, pudessem se ver vingadas pela estilista.

Chiuri também oferece o básico —nada básico, claro— do prêt-à-porter luxuoso que torna a Dior um ícone da costura.

Plissados, cortes lânguidos, a paleta de cores e o cuidado matemático com que um casacão de náilon é envolto na modelo escancaram as intenções mercadológicas da marca.

Há também opções em jeans, a base mais casual e vinculada às origens do proletariado que divide em dez vezes um pedaço do sonho proposto pela grife, aplicado em calças de cintura alta e conjuntos de duas peças simples.

Modelos desfilam peça da coleção outono-inverno 2022-2023 da Christian Dior na Semana de Moda de Paris - Stephane de Sakutin/AFP

O tecido serviu para construir um conjunto de casaco, camisa e saia nas cores azul, branco e amarelo. A combinação lembrava a bandeira da Ucrânia, com direito a uma tiara e flores, particular ao figurino tradicional de festa das mulheres daquele país.

A coleção atende a todos os corpos e estilos porque, embora pareçam carregadas, as peças são destacáveis e podem ser combinadas entre si.

É que, no novo mundo em frangalhos, reformulado e pouco afeito ao espírito novidadeiro, cada pedaço desse "novo look" é uma camada a mais nos escudos que protegem a máquina fashion em períodos de crise. Se uma nova virá, é cedo para dizer, mas a Dior já parece querer estar preparada para ela.

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