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Cinema

'Fabian' revive levante nazista com jeitão de David Lynch e Sganzerla

Longa de três horas de Dominik Graf estreia com história de perdição em narrativa desconjuntada

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São Paulo

Fabian - O Mundo Está Acabando

  • Elenco Tom Schilling, Albrecht Schuch, Saskia Rosendahl
  • Produção Alemanha, 2021
  • Direção Dominik Graf

Por curiosas curvas do destino, dois filmes com cerca de três horas de duração estreiam em semanas consecutivas, mostrando que alguma ousadia é necessária para quebrar o marasmo do circuito comercial brasileiro. O belo "Drive My Car", de Ryusuke Hamaguchi, chega na semana que vem. Antes estreia este inquietante "Fabian - O Mundo Está Acabando", do alemão Dominik Graf.

Um inventário de formas cinematográficas, das mais desleixadas às mais elaboradas, passando pelo cinema de fluxo, pelo maneirismo de câmera e montagem e pelo onirismo à David Lynch. A proposta de "Fabian" é assim ambiciosa para dar conta da perdição do personagem do título, publicitário vivido por Tom Schilling, dividido entre a marca de cigarros que ajuda a promover, o hedonismo tenso da Berlim de 1931 e o amor por Cornelia, aspirante a atriz interpretada pela excelente Saskia Rosendahl.

No começo, temos a visão subjetiva de uma pessoa que passeia pelo metrô de Berlim nos dias atuais. Conforme a pessoa-câmera encontra o protagonista ofegante, voltamos a 1931, à beira da ascensão nazista. Graf expõe, com esse movimento, sua visão da circularidade da história, e que vivemos o princípio do mesmo estado de horror de outrora.

O filme é uma adaptação do celebrado romance de Erich Kästner, já levado às telas em 1980, numa versão mais comportada, por Wolf Gremm, diretor que, pela idade e início de carreira, poderia pertencer ao cinema novo alemão, mas não tinha o talento de seus pares.

Já Dominik Graf, cineasta irregular, mas com obras notáveis como "Traição Fatal", de 1988, ou "Os Invencíveis", de 1994, pertence à geração intermediária, surgida nos anos 1980 após a internacionalização dos diretores mais famosos do cinema novo alemão —Wim Wenders, Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder— e antes da chamada escola de Berlim de Christian Petzold e Angela Schanelec.

Como o epílogo de "Berlim Alexanderplatz", disparado o episódio mais delirante do monumento de Fassbinder realizado também em 1980, mas estendido até o limite do grotesco em suas três horas de duração, o filme de Graf explora saturações, sujeiras, abjeções, arquivos e delírios para entender a Alemanha de ontem e de hoje.

É um filme deliberadamente desconjuntado, por vezes acelerado demais, mas realizado por um diretor talentoso. Como lidar com a formação da sordidez, com o desabrochar do horror em uma nação que já deu ao mundo tantos filósofos e artistas sublimes, senão com um desequilíbrio premeditado do estilo? Haveria outra forma, claro, mas Graf nos faz pensar que só poderia ser desse jeito.

Por isso, do ponto de vista formal, "Fabian" se assemelha, em muitos momentos, ao Rogério Sganzerla explosivo de "Sem Essa Aranha", com a diferença de que raros operadores, hoje, filmam bem com a câmera na mão. Mas a comparação mais fácil seria com o cinema de Alain Resnais, sobretudo em "O Ano Passado em Marienbad" ou "Muriel", pela representação, na montagem, do fluxo de lembranças e imaginações do protagonista.

Mais do que mostrar o mundo e a história com os trejeitos da moda — câmera hesitante, cortes apressados, uso quase irresponsável do zoom, confusão dos sentidos provocada por uma montagem agressiva— Graf procura uma encenação do caos mental do personagem em meio a um mundo que escapa de suas mãos, mas que ele vive com intensidade.

Aproximadamente dez anos separam os nascimentos de Wolf Gremm e Dominik Graf, enquanto 20 separam os de Alfred Döblin e Erich Kästner. "Berlin Alexanderplatz", de Döblin, é de 1929. "Fabian", de Kästner, é de 1931. O "Fabian" de Gremm é de 1980, mesmo ano do "Berlim Alexanderplatz" de Fassbinder. A história de Döblin teve nova adaptação, mais pós-moderna, em 2020, um ano antes de "Fabian" ser lançado na Alemanha.

Esta breve contextualização cronológica dá uma ideia do peso enfrentado por Graf nesta nova adaptação e da escolha por uma estética agressiva e suja, quase contrária ao academicismo de Gremm e ao maneirismo elegante de Fassbinder. Tomara que o espectador acompanhe essa ousadia até o fim e aceite essa experiência inusitada, por vezes até desagradável, mas certamente única.

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