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Cinema

Filme 'Alemão 2' alfineta Bolsonaro e as UPPs sem esquecer cenas de ação

Sequência do longa de 2014 dá mais protagonismo às mulheres e mistura fogo cruzado com cenas documentais

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Neusa Barbosa

Alemão 2

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Vladimir Brichta, Gabriel Leone, Leandra Leal
  • Produção Brasil, 2017
  • Direção José Eduardo Belmonte

O território é uma espécie de marca identitária para o diretor José Eduardo Belmonte. Nascido em São José dos Campos, no interior de São Paulo, despontando na carreira a princípio em Brasília e mais recentemente radicado no Rio de Janeiro, ele tem a percepção exata do que é ser um estranho no ninho —um traço marcante na raiz de sua obra mais bem-sucedida, "Alemão", de 2014, vista por 1 milhão de espectadores nos cinemas, adaptada para a TV e indicada ao Emmy.

Inserindo novos personagens no cenário inóspito do famoso complexo carioca, Belmonte retoma o fio de uma visceral tragédia brasileira, o enfrentamento eterno entre traficantes e policiais que há anos acumula cadáveres e inferniza a vida dos moradores comuns.

cena de filme
Vladimir Brichta, Leandra Leal e Digão Ribeiro em cena do filme 'Alemão 2' - Laura Siervi

Como no filme de 2014, policiais ilhados lutam pelas próprias vidas num labirinto de ruas estreitas, estimulando a adrenalina do público numa sequência de tiroteios muito bem encenados, que põem o espectador no centro do fogo cruzado.

Uma diferença em relação à obra inicial é o aprofundamento do perfil dos policiais do esquadrão central, formado por um veterano traumatizado e dependente de remédios, Machado, papel de Vladimir Brichta, um jovem linha-dura, Ciro, vivido por Gabriel Leone, e uma novata forçada a descobrir seus melhores instintos, Freitas, papel de Leandra Leal.

Recusando revestir esses policiais da aura idealizada dos seriados americanos, o roteiro, em sua versão final assinado por Marton Olympio e Thiago Brito, abraça a vertente do empoderamento feminino na figura da delegada Amanda, vivida por Aline Borges, que se põe como barreira contra os corruptos da corporação. Ela é, talvez, a única personagem que poderia ocupar o posto de heroína, ainda que insegura em algumas ações.

Duas outras figuras femininas simbolizam com maior veemência do que no filme de 2014 a insuportável situação dos moradores comuns –Mariana, papel de Mariana Nunes, uma sobrevivente da primeira história, mãe do filho do traficante morto no primeiro filme, Playboy, vivido por Cauã Reymond, e uma veterana enfermeira, vivida por Zezé Motta, dona da casa onde os fugitivos se refugiam e com uma coragem que se traduz na sagacidade eficaz para conseguir um cessar-fogo, ainda que temporário, no confronto armado.

Pelo menos um dos traficantes, o Soldado, papel de Digão Ribeiro, se comporta com nuances que, se não romantizam de modo algum a vida marginal, ao menos humanizam sua tomada de posição na vida, na longa sequência em que ele compartilha sua escassa chance de sobrevivência com os policiais encurralados —desta vez, numa fuga, não mais limitados a um bunker. Encarnando um rival de Soldado, o ator cearense Démick Lopes —de "Greta" e "Praia do Futuro"— se destaca numa participação tão magnética quanto feroz.

Por mais que as situações retratadas não mostrem, em si, grandes novidades, é visível que Belmonte volta a este terreno disputado em busca de fazer afirmações novas. Ainda mais do que em 2014, ele recorre a imagens documentais, borrando as fisionomias dos retratados nelas mas de maneira alguma impedindo o reconhecimento de vários dos personagens —como o general Braga Netto, comandante da intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018.

Não por acaso, esse mesmo ano foi escolhido como época da trama do filme, na véspera das eleições presidenciais, sem deixar de, mais adiante, lembrar quem as venceu. Além disso, o diretor frisa, nos letreiros finais, uma declaração política sobre o fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora e da política de ocupação das favelas e comunidades.

Belmonte assina um filme atento às convenções de gênero mas sem descuido do discurso social. Desta vez, com mais perícia na caracterização dos personagens e no ritmo das sequências de ação, valorizadas na frenética montagem do trio Ricardo Fagundes, Lucas Gonzaga e Bruno Lasevicius.

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