Descrição de chapéu Moda Rússia

Hermès puxa saída de marcas da Rússia e desfila moda subversiva em Paris

Remetendo a uma gangue de garotas dos anos 1950, coleção uniu ousadia do corpo exposto à alfaiataria militar

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Paris

A pressão nos bastidores que tomou corpo desde os primeiros desfiles em Milão surtiu efeito nesta metade de temporada de desfiles em Paris. Em um recado claro aos seus pares, um dia antes de subir à passarela no prédio da Guarda Republicana neste sábado (5), a Hermès anunciou o fechamento de suas lojas na Rússia e o bloqueio temporário de suas operações no país.

Como é de praxe no olimpo das grifes de luxo, o efeito manada foi imediato. Logo ela foi seguida por outra marca familiar, a Chanel, depois, pelo grupo Richemont —Cartier, Chloé e Montblanc—, e, na noite de sexta-feira (4), pelos grupos Kering —Gucci, Bottega Veneta e Saint Laurent— e LVMH —Dior, Louis Vuitton e Celine. Era mesmo chegada a hora da debandada.

Modelos desfilam peças da estilista Nadège Vanhee-Cybulski para a coleção outono-inverno 2022-2023 da Hermès na Semana de Moda de Paris - Sarah Meyssonnier/Reuters

Pressionadas não só pelas rodas fashionistas, mas também por uma audiência que encheu as redes sociais de críticas, as marcas ou cediam ou enfrentavam uma crise pior de imagem. Apesar das doações milionárias às organizações que auxiliam refugiados na Ucrânia, pedia-se uma atitude mais firme, a exemplo do que fizeram varejistas, como a sueca H&M e a americana Nike.

É simbólico que tenha sido a Hermès a puxar o bonde. A marca detém uma das carteiras de clientes mais ricas do mundo, ao lado de Chanel e Louis Vuitton, e fala para uma elite que pode sentir na carne os efeitos dos bloqueios no trânsito financeiro e de relações com o lado oriental do globo.

Suas roupas são emblema do chamado old money. Não a tendência —que se inspira no "preppy" colegial dos Estados Unidos—, mas à casta de milionários discretos que não ostentam logos nas roupas nem gostam da exposição dos flashes.

Por isso também, foi ainda mais interessante ver como a estilista Nadège Vanhee-Cybulski posicionou sua tesoura e suas palavras para este desfile. Armado dentro de uma caixa verde-oliva, daqueles esmaecidos que tingem o uniforme militar, o desfile foi embalado por uma trilha agressiva, uma batida persistente cujos sons remetiam a pés em marcha.

No chão, em vez de madeira ou outro material rígido, havia areia, da mesma cor das paredes esverdeadas e que conferiam um tom de austeridade a uma coleção extremamente leve. No texto da apresentação, entre palavras sobre o tipo de beleza imaginada pela designer, a pergunta "para onde iremos amanhã?" servia tanto de aviso sobre o belicismo quanto um convite para um escape.

É claro que tantos detalhes não foram concebidos como resposta à escalada bélica no Leste Europeu, até porque, as coleções são pensadas com meses de antecedência. Mas, assim como em outros desfiles de grifes importantes, a exemplo de Prada, Balmain e, no domingo (6), Balenciaga, a análise do clima de beligerância é indissociável do processo criativo e grandes estilistas são influenciados pelo estado das coisas. O tom de conflito, é evidente, não é de agora.

Dúbia e enervada de paradoxos, as ideias talvez sejam as mais inteligentes já construídas pela estilista da Hermès. Em vez do peso das botas "over the knee", acima dos joelhos, ela colocou meias transparentes da mesma altura e combinadas com canos mais baixos. E, em vez do peso insistente do couro, usou mais malhas de tricô, seda e cashmere do que uma linha de inverno poderia sugerir.

A matéria-prima base da grife, cuja origem é a selaria e há mais de 180 anos é uma das preferidas de cavaleiros, esteve presente, mas não é o cerne da nova moda "tecnoequestre", como a estilista definiu seu norte criativo.

Os detalhes dos fechos, as ondas dos uniformes equestres e os matelassados que sempre serviram de estudo para a marca, foram colocados em segundo plano para dar aos shorts, às blusas soltinhas e aos vestidos de seda esvoaçantes um lugar de contravenção aos códigos da marca.

Rebeldia que, aliás, tem a ver com "voyelles", uma gangue de garotas dos anos 1950 que saltava à noite pelo lado esquerdo do rio Sena para desafiar o moralismo do patriarcado da época com um senso de independência, tanto nas roupas quanto no posicionamento antissistema, que balançou o comportamento da Paris no pós-guerra.

A estilista Nadège Vanhee-Cybulski, da Hermès, durante a Semana de Moda de Paris - Van Der Hasselt/AFP

Nadège não costuma usar décadas específicas para criar suas coleções, sempre consistentes com a herança da marca. O fato de olhar para os anos 1950 só aumenta a carga de subversão que propõe para a grife e seus clientes, acostumados demais à imagem etérea de elegância.

Como se dissesse que o passado ensina mas não deve ser visto como cartilha estática de comportamento, ela mistura a ousadia do corpo exposto aos resquícios da alfaiataria militar daquela década para situar o estado das coisas, um meio entre a festa, o reencontro pós-pandêmico e as dúvidas sobre o futuro da Europa.

A marcha do desfile acabou dentro daquele prédio, que serve de casa para os guardas pessoais do presidente e de seus ministros, ao mesmo tempo em que uma outra começava, na Praça da República, quando milhares de pessoas foram às ruas para protestar contra a Guerra na Ucrânia.

De alguma forma, e, pela primeira vez nesta semana, os mundos da moda de luxo e da geopolítica pareceram um pouco menos distantes após o banho de realidade da Hermès.

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