Influencer que usa bolsa de ileostomia aponta falta de acessibilidade no Lolla

Lorena Eltz diz que passou por situação humilhante após não encontrar banheiro no festival

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São Paulo

A criadora de conteúdo digital Lorena Eltz, de 21 anos, relatou o constrangimento sofrido durante o festival Lollapalooza, ocorrido neste fim de semana.

Ela tem Crohn, doença autoimune que causa inflamações em todo o aparelho digestivo, e, por isso, usa uma bolsa de ileostomia, na qual as fezes são coletadas, o tempo todo desde os 12 anos. Convidada para participar dos três dias do festival, a influenciadora afirma que a bolsa vazou enquanto estava no evento, depois de ter de caminhar cerca de 20 minutos até a saída do festival para encontrar um banheiro.

"Andei todo esse tempo, em solo desnivelado, com a bolsa vazando e uma multidão de pessoas me olhando, perguntando o que estava acontecendo. Foi uma situação muito humilhante", conta ela, que diz ter usado a pia do banheiro de um restaurante, já fora dos limites do festival, para se lavar.

"Tive que pegar uma roupa emprestada de uma pessoa que estava no meu grupo e fui direto para o carro", diz Eltz à reportagem.

A influenciadora Lorena Eltz ao chegar no Lollapalooza - Arquivo pessoal

Procurado pela reportagem, o Lollapalooza Brasil disse em comunicado que "tem como compromisso realizar um evento inclusivo, em que todos são bem-vindos". A organização diz ainda que a cada ano o festival aprimora a sua estrutura e pensa em melhorias "para que todos tenham uma boa experiência dentro do Autódromo de Interlagos".

A nota afirma ainda que, neste ano, o acesso ao LollaBR contou com um portão dedicado a pessoas com deficiência, carrinhos de golfe para levar frequentadores até a área do festival, plataformas elevadas para assistir aos shows e equipamentos motorizados para facilitar a locomoção pelo espaço, assim como profissionais intérpretes de Libras e aparelhos de audiodescrição. "Todos os serviços serão avaliados e aperfeiçoados para as próximas edições", conclui o comunicado.

A influenciadora veio de Porto Alegre, onde mora, e supunha que o festival fosse acessível e inclusivo. "Venderam isso e eu achei que seria mesmo. Porém me deparei com elevadores que não funcionavam, poucas rampas de acesso e vários dos carrinhos de golfe, meio oferecido para a locomoção de pessoas com deficiência no local, que não funcionavam."

Eltz afirma que não encontrou banheiros, nem mesmo químicos, que pudesse usar. Ela diz também ter pedido ajuda no posto médico, mas afirma que não teve prioridade. Relata ainda que andou mais do que poderia, além de não conseguir comprar água para se hidratar. Segundo ela, era proibido entrar com comida ou bebida no espaço.

Questionada sobre a proibição, a organização do evento afirma que havia uma lista do que o público poderia ou não levar ao entrar no festival. Entre os itens permitidos constam barra de cereal, frutas cortadas e alimentos industrializados fechados. A organização diz ainda que os itens seriam comercializados durante o festival. Já na lista dos itens que eram proibidos no evento estavam garrafas, latas e bebidas.

A influenciadora afirma que os alimentos permitidos ela não pode consumir. "Fui orientada a comprar alimentação lá dentro, pois seria melhor assim. Contudo, procurei o local [para comprar refeição e água], mas não foi feita a venda, muito menos tinha fila preferencial."

A experiência fez com que a influenciadora, que tinha sido convidada para o festival e ganhou convite para todos os seus três dias, decidisse não retornar. "Tive crise de ansiedade. Meus amigos foram nos outros dias e relataram outros absurdos. A cadeira de rodas de uma delas atolou na lama."

A amiga a que Eltz se refere é a estudante de moda e influenciadora Giovanna Massera, de 25 anos, de Osasco, na Grande São Paulo. Ela tem lúpus e lida com as limitações da doença desde os 12 anos, como a utilização de bengala para se locomover. "Não posso andar muito, por isso que, ao chegar ao Lollapalooza, procurei pelos carrinhos de golfe e a cadeira motorizada que a organização havia anunciado. Mas, quando finalmente consegui um carrinho, o funcionário explicou que só poderia ir até determinado ponto", diz.

Massera afirma que conseguiu a cadeira motorizada após caminhar bastante e subir escadas, mas precisou trocar a cadeira por falta de bateria. "Havia ladeiras no local, a cadeira ainda atolou três vezes na lama, quase capotei. Minha irmã, que também tem lúpus, precisou fazer força para empurrar a cadeira, sem falar que tivemos que devolver a cadeira do outro lado do autódromo. Fiquei com muitas dores e ainda tive que andar até o portão de saída", reclama.

Segundo a estudante, faltou treinamento aos funcionários e espera melhorias do Lollapalooza. "Ninguém sabia dar informações, como onde ficavam os carrinhos de golfe. Nós queríamos assistir aos shows e acabamos perdendo alguns por causa desses impedimentos. Foi um estresse."

Eltz diz que recebeu muitas mensagens de apoio de pessoas que também enfrentaram dificuldades ao participarem do Lollapalooza. "Não havia qualquer infraestrutura, ultrapassando a questão das pessoas com deficiência. O único lugar que vendia comida não estava funcionando. As filas para comprar água eram enormes. Como um evento que dura o dia todo não oferece o mínimo para um público que pagou caro pelo ingresso? Na minha opinião, o festival foi negligente, uma situação totalmente caótica."

Ela afirma que a cultura atual ainda é de exclusão. "É um pensamento que nos exclui, pois diz que não podemos viajar, participar de um festival. Os lugares devem estar prontos para isso. Basicamente, neste caso, era oferecer um local para as pessoas sentarem, comerem, além de banheiros."

O também influencer e produtor audiovisual Rafael Brunelli, de 30 anos, faz coro. Ele tem escoliose, causada por uma doença de nascença, e participou do evento no final de semana. "Os funcionários não sabiam informar se havia entradas ou filas preferenciais nem onde estavam os carrinhos de golfe", afirma. "Como a minha deficiência é na coluna, não posso fazer longas caminhadas, ficar muito tempo em pé nem sentar sem apoio. Mesmo assim não consegui o carrinho."

Brunelli questiona o fato de a organização ter anunciado que seria um evento acessível para todos. "Mas, para ir ao local acessível, precisava passar por um barranco, por exemplo. Todos os locais do evento deveriam ser acessíveis. Nossos corpos existem, queremos ver os shows, curtir tudo. Não conseguimos mudar nossas deficiências, mas os organizadores dos eventos podem fazer as mudanças necessárias. Não é mimimi, a lei nos garante esse acesso e vamos lutar por ele", comenta.

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