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Isabel Marant se veste com as cores da Ucrânia em desfile anticlímax em Paris

Coleção festiva apresentada pela mãe do estilo cool francês buscava sepultar a tristeza pandêmica, mas esbarrou na guerra

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Paris

Deve ser complicado para um estilista criar uma coleção que tenta sepultar a tristeza dos dias pandêmicos e ver que toda a euforia foi por água abaixo na semana passada, quando a guerra na Ucrânia eclodiu e tirou a alegria que ensaiava voltar ao rosto dos europeus. Isabel Marant, a mãe do estilo cool parisiense, se viu numa sinuca de bico.

Seu desfile na Semana de Moda de Paris, na quinta-feira, pretendia ser uma festa que tomaria a noite num "after party". Importou de Nova York os músicos da banda de rock pisicodélico Blonde Redhead, que tocaram na apresentação, e abriu espaço para celebridades ostentarem os ombros poderosos e o brilho de sua última coleção. Entre elas, estavam as atrizes brasileiras Isis Valverde e Giovana Lancellotti, que acompanharam a apresentação da primeira fila.

Mas o sentimento de ver o glamour festeiro característico de suas roupas cruzarem o prédio na praça Colette era de que as ideias exploradas ali não se encaixavam nem com o clima de dúvidas sobre o futuro, persistente nesta temporada de inverno 2023, nem com o próprio humor da estilista.

Ela apareceu no final da apresentação trajada com um tricô tão folgadão quanto as peças que exibiu, todo bordado com a bandeira azul e amarela da Ucrânia. Na superfície, soou como protesto, mas, se lido mais a fundo, pode ser lido como desculpas.

A estilista Isabel Marant veste tricô largão estampado com bandeira da Ucrânia ao final do seu desfile na Semana de Moda de Paris - Piroschka van de Wouw - 3.mar.2022/Reuters

É que Marant é uma das estilistas mais atentas ao desejo das pessoas, ao que elas esperam da nova moda de luxo. Seus desfiles são vistos como termômetros daquilo que virá. A designer manteve sua função de oráculo das ruas, mas cancelou a celebração que pretendia fazer no pós-desfile e, em vez dela, convocou seus clientes a ajudar os ucranianos com doações.

O show, no fim das contas, não se resume agora a uma predição das vitrines, mas sim ao que o futuro poderia ser se o noticiário não tivesse surpreendido tanto. Calças cargo, combinações de casacos pesados sobrepostos a peças levinhas e várias propostas casuais em jeans borrados levaram à passarela o "relax" arquitetado para o dia e a noite.

Havia poucas incursões em brilho, fator que não é possível afirmar se foi retirado de última hora ou planejado de antemão. Remetiam, porém, ao estilo urbano sem muitas intervenções plásticas, na contramão do que os estilistas parisienses gostam de fazer para se diferenciar.

A moda proposta por Marant é fácil, palatável e gostosa como os dias poderiam se apresentar depois de longos anos carentes de alegria.

Vestidos do tipo camisola se misturavam às propostas mais ousadas, como nos minivestidos estampados de flores roxas miúdas, bem ao estilo funkeira carioca que ela adora homenagear. A micropeça era arrematada com botas de cano alto acima do joelho –a "over the knee"– forradas de um glitter carnavalesco conjurado no futuro do pretérito, ou seja, daquilo que poderia ser e não é.

Claro, havia opções plausíveis para uma realidade que impõe certa dose de condicionamento físico e mental. O viés esportivo que ela implementou em sua estética notívaga estava lá, em tops, bolsos e outros detalhes utilitários.

Embora haja um inegável acerto em costurar roupas reais, Marant, a julgar pelas conexões com a vida fora das passarelas que gosta de costurar, logo deve ajustar a bússola caso o futuro breve não esteja tão dado a festas —como ela já não parece estar.

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