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Lollapalooza é marcado por censura, manifestações de artistas e luto no palco

Primeiro grande evento em SP após a pandemia, festival faz edição histórica e acirra ânimos em ano de eleição

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Pabllo Vittar se apresenta no palco Adidas no primeiro dia de Lollapalooza Brasil

Pabllo Vittar se apresenta no palco Adidas no primeiro dia de Lollapalooza Brasil Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo e Brasília

Era difícil imaginar que uma simples toalha nas mãos de uma drag queen num Lollapalooza já cheio de drama causaria tanto alvoroço. Mas bastou Pabllo Vittar descer do palco de seu show para pegar o objeto, estampado com o rosto e o nome do ex-presidente Lula, no primeiro dia do festival, para o episódio provocar uma tentativa de censura do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, a pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

Depois do show de Pabllo, que ainda fez um sinal de "L", de Lula, com a mão, e de Marina —britânica que usava o nome de Marina and the Diamonds—, que xingou Putin e Bolsonaro no palco, o partido acionou o TSE por suposta propaganda eleitoral irregular. O tribunal acabou acatando parcialmente esse pedido, e determinou multa de R$ 50 mil para o festival se houvesse outras manifestações a favor ou contra qualquer candidato ou partido no evento.

Em resposta, a empresa produtora do Lollapalooza, a T4F, entrou com pedido de reconsideração no TSE na tarde de domingo. No documento encaminhado à corte eleitoral, a defesa do festival afirma não ter como fazer cumprir a ordem que "veda manifestações de preferência política" e diz não poder agir como censora privada, "controlando e proibindo o conteúdo" das falas.

As advogadas ainda afirmaram que os episódios representaram "o exercício regular da liberdade de expressão". E que "nem a T4F nem seus representantes dirigiram, de qualquer forma, o conteúdo do show, que não foi contratado com a intenção de promover qualquer candidato".

A história não parou por aí. Quando teve de intimar o Lollapalooza a cumprir essa decisão, o TSE percebeu que os representantes de Bolsonaro haviam errado o CNPJ da empresa que organiza o festival, mas o grupo acabou sendo intimado no local do show e por isso a T4F então se manifestou na noite de domingo.

Como se trata de uma decisão monocrática, tomada pelo ministro Raul Araújo, a ação ainda vai passar pela análise de mérito pelo plenário. Ou seja, a decisão poderá ser reformada ou mantida pelos ministros, podendo multar as manifestações durante o evento.

E os protestos foram muitos —tanto antes, quanto depois da tentativa de censura, o que acabou fazendo viralizar o termo "Lulapalooza", que bombou como nome extraoficial do festival nas redes sociais.
Em diversos momentos, o público puxou gritos de "fora, Bolsonaro", repetidos até sem razão aparente. Com maior ou menor adesão, os gritos continuaram durante os três dias, e em vários casos foram endossados pelos artistas.

Clarice Falcão dedicou a Bolsonaro uma música que falava "eu quero ver você numa piscina de óleo fervendo". A banda Fresno exibiu uma mensagem contra o presidente no telão do palco e recebeu ali Lulu Santos, que pediu o fim da censura, dizendo "quem manda na minha boca sou eu".

Por fim, Emicida, que no sábado tinha lembrado o público de tirar o título de eleitor para votar nas próximas eleições, no domingo se juntou a gigantes do rap nacional como Criolo, Planet Hemp e três Racionais —KL Jay, Ice Blue e Mano Brown— para dar uma espécie de resposta definitiva à confusão judicial no último show do Lollapalooza.

Fizeram uma apresentação do tipo sem censura e cantaram sobre o guerrilheiro Carlos Marighella, falaram, claro, sobre maconha e brincaram de criticar o presidente sem dizer o seu nome com todas as letras —mas eventualmente também dizendo Bolsonaro.

Em parceria com o deputado federal Marcelo Freixo, do PSB, o rapper Marcelo D2 deu uma procuração ao advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para que ele tente derrubar a liminar, seja com um recurso no próprio TSE quanto indo ao STF, o Supremo Tribunal Federal.

Eles não foram os únicos a considerar a decisão do TSE equivocada. Diversos juristas ouvidos pela reportagem compartilham a visão de que ela confunde propaganda eleitoral e liberdade de expressão.
D2, aliás, foi chamado de última hora para substituir o Foo Fighters com sua banda, o Planet Hemp, na apresentação com vários artistas do rap.

Isso porque, em meio à polêmica das manifestações, o festival ainda sofreu outro baque inesperado. Horas depois do fim do primeiro dia de shows, o baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, morreu em Bogotá, onde o grupo tocaria. A banda viria ao Brasil para ser a atração principal do Lollapalooza deste domingo.

A situação poderia deixar o festival com um clima estranho, mas acabou dando espaço para celebrações da vida e homenagens emocionantes a um dos mais importantes bateristas da história do rock.

A canadense Alessia Cara, que fez um show com covers de Djavan e João Gilberto, dedicou a emocionante "Best Days" ao músico. Emicida também tirou um tempo do seu show para falar sobre o músico e, no domingo, Joe Talbot, vocalista da banda de punk britânica, Idles, pediu que o público gritasse o nome de Hawkins tão alto que os deuses pudessem ouvir.

Mas a homenagem mais emocionante ficou por conta de Miley Cyrus, headliner do sábado. A cantora, que era próxima do baterista, disse que Hawkins foi a primeira pessoa para quem ligou depois que o avião em que estava fez um pouso de emergência, dias atrás. Contou que quase desistiu da apresentação, chorou e mudou o setlist para dedicar "Angels Like You" a ele.

Se tivesse cancelado sua participação, o festival perderia também o melhor e mais concorrido show da edição pós-pandêmica. Muitas variáveis tornaram histórica a uma hora e meia que Cyrus passou no palco principal —a cantora tinha passado por dias traumáticos, se recuperava de uma bronquite e voltava ao Brasil após sete anos e meio.

A cantora Miley Cyrus se apresenta no palco Budweiser durante o festival Lollapalooza, em São Paulo
A cantora Miley Cyrus se apresenta no palco Budweiser durante o festival Lollapalooza, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Primeira cantora pop mainstream a ser headliner do Lollapalooza, Cyrus pareceu deixar tudo o que tinha no show. Emendou músicas em versões roqueiras, covers de bandas como Pixies e Blondie e hits que todo o público parecia guardar na memória.

O auge veio quando ela convidou Anitta para cantar "Mother’s Daughter", que só entrou no setlist a pedido dos brasileiros, e "Boys Don’t Cry", da cantora carioca, que casou perfeitamente com o repertório. Anitta deixou o palco ovacionada após rebolar com Cyrus e receber vários tapas no bumbum enquanto dançava.

Enquanto isso, o headliner do dia anterior, a clássica banda de indie rock Strokes, fez um show esquecível, com poucos hits e interações estranhas com o público —desempenho parecido com o de quando
tocou no Lolla há cinco anos.

Mas o show morno foi exceção nesta edição do festival, que recebeu mais de 100 mil pessoas em cada um dos dois primeiros dias.

Mesmo com um lineup pouco coeso, remendado ao longo de dois anos por causa dos cancelamentos, a abstinência de um grande evento musical pareceu dar um gás para artistas e público. Nem as tempestades, que causaram ferimentos a um homem e provocaram o cancelamento de shows, frearam o ímpeto mútuo.

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