Balmain leva o fetiche como escudo a Paris, já Saint Laurent exagera nas peles

Grifes anteveem estado das coisas com carcaças rígidas para enfrentar o ódio e looks que escondem o que estava à mostra

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Paris

A nova expressão em voga nas redes para definir um senso de liberdade e enfrentamento da realidade, no Brasil, é "bota um cropped e vai". Pelas bandas de Paris, a julgar pelas apresentações desse calendário de desfiles invernais, ela poderia ser bem traduzida para um "bota o escudo e vai".

Depois de a Dior fazer do corset um elemento de empoderamento feminino, o desfile da Balmain, que encerrou os trabalhos desta Quarta-feira de Cinzas, emoldurou modelos com espécies de carcaças daquelas que mais parecem verdadeiros coletes à prova de balas. Feitos de material rígido, entremeados pelo couro e pela borracha, adornaram a alfaiataria concisa e os looks poderosos carregados de fetichismo de Olivier Rousteing.

Modelo desfila coleção outono-inverno 2022-2023 da Balmain durante a Semana de Moda de Paris - Stephane de Sakutin/AFP

Estilista pop das celebridades, de Kim Kardashian a Neymar, que acompanhou o desfile ocorrido em pleno bairro boêmio do Marais, o designer desafiou tradicionalistas com roupas coladas, pele à mostra e fitas transformadas em costuras laterais numa coleção de sensualidade pulsante.

Não daquelas convencionais, quando decotes e pernas exibicionistas são usadas como ferramentas de sedução, mas sim um compilado de referências a lingerie, com estruturas de corset matelassadas que recobrem a parte de cima e aparecem combinadas a calças de couro justíssimas e a colos descobertos.
O propósito inicial de Rousteing, ele avisa no texto da apresentação, não era fazer um manifesto sobre o conflito de Rússia e Ucrânia, como ele mesmo diz poder inspirar comparações devido às peças que remetem à segurança.

Sua ideia, na verdade, era fazer desses looks um lembrete de que devemos estar preparados para os ataques de ódio, agressão e mentiras que podem brotar nas redes sociais —ele mesmo foi vítima delas, depois de sumir do estardalhaço virtual, após um acidente que deixou parte do seu corpo queimado. Não, ele também não parecia falar da realidade brasileira.

Mas tantas coincidências só transformam suas criações em artefatos inerentes ao tempo, a uma realidade nada glamorosa que se impõe, não importando se ela acontece no plano virtual ou no tátil. Sabemos que bons designers conseguem fazer, baseados em inspirações desconectadas dos temas vigentes, roupas que atravessam o noticiário sem nem tocar nele.

O estilista francês Olivier Rousteing em desfile da coleção outono-inverno 2022-2023 da Balmain durante a Semana de Moda de Paris - Stephane de Sakutin/AFP

"Embora essa passarela não tenha sido desenhada como uma resposta direta à recente invasão horrível de nossos vizinhos, enquanto assistimos às notícias, meu time e eu mantivemos a mensagem da coleção", escreveu.

Numa cena rara de dança para uma temporada extremamente sisuda e técnica como é a de Paris, um grupo de bailarinos trajados de cinza-chumbo encenou um ato de conflito no qual seus corpos se entrelaçam e se afastam, num retrato de agonia cujos rostos aflitos se aproximam da tela "Guernica", de Picasso, mas que culmina num beijo entre dois homens e numa união de corpos como mensagem de paz.

Grupo de bailarinos se apresenta durante o desfile da coleção outono-inverno 2022-2023 da Balmain na Semana de Moda de Paris - Stephane de Sakutin/AFP

Leveza e fragilidade unidas num mesmo look, como no vestido branco de neoprene que é diluído em rendas em seu terço final, expõem a sensibilidade de um designer que sabe atrair uma audiência a fim de causar nas redes sociais com looks exuberantes.

Essa pode ser, de fato, uma temporada em que grandes estilistas revistam a tradição, o porto seguro para dias ansiosos, para mostrar o potencial de suas tesouras. Como fez Anthony Vaccarello, nome por trás da Saint Laurent .

Os ombros proeminentes, os detalhes do smoking lançado pelo fundador da grife e toda a pele aparente característica do trabalho de Vaccarello foram equacionados na coleção desfilada em frente à torre Eiffel.

Mais uma vez, o segredo aqui não é o que se revela, mas como se escondem as partes antes expostas.
Um bloco gigante de casacos de pele falsa, que de tão perfeccionistas parecem verdadeiras, foram os escudos usados para tratar do acolhimento, da segurança pessoal, em dias de inverno russo.

Seja por medo, seja por egoísmo, Paris, a capital da moda que mais sofreu os dias sanguinolentos do século 20, pode não querer por ora tratar em voz alta dos problemas na vizinhança. Seus estetas, porém, deixam respostas cada vez mais nítidas sobre o estado real das coisas.

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