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TSE se mete em trapalhada que beira censura ao Lollapalooza

Confusa, decisão do ministro Raul Araújo fica entre o óbvio e o aterrorizante

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É difícil saber o que pretendeu o ministro Raul Araújo com sua decisão sobre o Lollapalooza, mas é fácil ver o que ele conseguiu –associou o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, ao espírito de censura que emana de Jair Bolsonaro, do PL, e seu entorno.

A história é conhecida. O partido de Bolsonaro, incomodado com manifestações de artistas no Lollapalooza, pediu que o TSE impedisse qualquer tipo de propaganda eleitoral a favor ou contra qualquer candidato.

Ninguém seria ingênuo de imaginar que o PL estivesse preocupado com eventual desrespeito às normas brasileiras. Estava apreensivo, na verdade, com o fato de os artistas terem se expressado a favor de Lula, do PT, e contra Bolsonaro.

A cantora Pabllo Vittar faz o símbolo de 'L' com a mão, em alusão ao ex-presidente Lula, do PT, durante sua apresentação no primeiro dia do Lollapalooza 2022, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Os advogados do presidente pediram que o TSE impusesse multa em caso de descumprimento e, se fosse necessário, impedisse a continuação do evento. Nada surpreendente para o partido de um governo que impôs censura ao filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" nas plataformas de streaming.

O surpreendente foi a reação do ministro do TSE à frente do caso Lollapalooza.

Raul Araújo até que começa bem sua decisão. Lembra que a Constituição assegura a liberdade na manifestação do pensamento em mais de um artigo e faz questão de citar que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

No parágrafo seguinte, o ministro continua o que parece uma argumentação sensata e menciona outro artigo constitucional, lembrando ser "vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".

Na sequência, Araújo diz que o Lollapalooza ocorre desde 2012 e que neste ano é realizada mais uma edição. O passo lógico seguinte seria concluir que, em se tratando de festival tradicional, ele não se confunde com showmício extemporâneo e que, considerando as garantias da Constituição, está rejeitado o pedido do partido de Bolsonaro. Certo?

Não para Araújo. Eis que o ministro resolveu dar um cavalo de pau argumentativo para afirmar que as manifestações de Pabllo Vittar e Marina caracterizam propaganda político-eleitoral e que, como tais, não estão contempladas nas garantias constitucionais.

O ministro não procura se aprofundar nesse ponto, embora devesse, pois não se afasta um dispositivo da Constituição como quem está repelindo um pernilongo incômodo.

Araújo, talvez tentando convencer a si mesmo, repete que os artistas fizeram propaganda eleitoral e afirma que a atitude contraria a legislação. Então, como se estivesse dando um golpe de mestre no pobre pernilongo, cita o artigo 36 da Lei das Eleições, que afirma que "a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição".

Fosse um enxadrista, talvez dissesse "xeque-mate". Mas então seu adversário mostraria a ele que, na verdade, ele se esqueceu de ler o artigo 36-A, da mesma lei. "Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos."

Se os artistas não pediram voto e se limitaram a elogiar Lula e criticar Bolsonaro, o que o TSE tem a ver com isso? Era a pergunta que Araújo deveria ter feito aos advogados de Bolsonaro.

E a tal bandeira que Pabllo pegou? Também está protegida por outra norma, mas esta Araújo nem mencionou –"é permitido a qualquer tempo o uso de bandeiras como forma de manifestação de suas preferências por partido político, federação, coligação, candidata ou candidato".

Depois de tudo isso, Araújo atende parcialmente o pedido bolsonarista e veda "a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato".

O curioso é que isso a lei já faz –e com maior clareza, porque o ministro não explica o que entende por "ostensiva e extemporânea". À Justiça Eleitoral, ao menos em tese, caberia avaliar eventuais descumprimentos dessa regra.

Ou seja, após consumado o desrespeito, o TSE aplica a penalidade devida. O que não cabe a ele, em hipótese nenhuma, é determinar censura prévia para impedir elogio ou crítica a seja quem for.

Diante dos recursos judiciais, o ministro Raul Araújo terá oportunidade de explicar melhor o que pretendeu com sua decisão –se apenas ganhou os holofotes repetindo a lei ou se mandou para o presidente Jair Bolsonaro um sinal de que se irmanou no objetivo de derrotar a democracia.

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