Aculturação é um processo que no geral se dá nas discussões pela via única da cultura, restrita ao esfacelamento "natural" de tradições perante o avanço dos tempos. A realidade é mais perversa, porém, e especialmente no capitalismo tais transições se dão em diversas frentes por diferentes agentes da política e economia até a territorialização.
"Adeus, Capitão", dirigido por Vincent Carelli e Tatiana Almeida, não só reflete como é uma excelente documentação de todos os males da aculturação nas populações indígenas do país. Com o filme, Carelli fecha uma trilogia simbólica sobre a opressão sofrida pelo índio brasileiro, formada ainda por "Corumbiara", voltado ao massacre desses povos no interior de Rondônia, e "Martírio", que trata da luta perdida dos guarani-kaiowá para retomar seus territórios no Mato Grosso do Sul.
Dessa vez, o registro se dá em torno dos povos gavião no interior do Pará, mas a ameaça em si está menos na destruição física das aldeias que nas guerras culturais para manter a história preservada.
Enquanto o mapeamento histórico é mantido na narração de Carelli, a organização das imagens é mais pessoal ao antropólogo e indigenista, com muitos materiais provindos de seu contato recorrente com os gavião —o primeiro encontro remonta a 1971.
O envolvimento pessoal dos diretores é a grande força do documentário. Enquanto "Martírio" era definido pela afronta a um sistema formado nos ciclos de violência ao índio, "Adeus, Capitão" é pautado na melancolia do retrato, enxergando no já morto líder Krohokrenhum —o capitão do título— a figura de resistência de um processo que a lentos passos desmantela sua história.
Nessa perspectiva, impressiona que Carelli se insira bem mais nas documentações dos eventos deste projeto. O antropólogo é uma presença recorrente nas imagens e, além de uma imagem de arquivo específica e da viagem dos documentaristas para visitar Krohokrenhum no leito de morte, se abre os trabalhos de "Adeus, Capitão" no registro de Carelli e pessoas próximas do líder manuseando álbuns de fotografias.
Já daí se denota a sensação de ponto final de uma longa trajetória ensaiada pelo filme. O momento é de ternura, mas as recordações verbalizadas sugerem ao espectador um definhamento que não pode ser revertido.
Nisso, a chave do filme está numa frase dita por Carelli logo na primeira meia hora: "Para um povo guerreiro, o contato é sempre uma rendição". Tal rendição é simbólica a todos os atos, sobretudo o geracional. Enquanto se encarrega de acompanhar os desdobramentos de Krohokrenhum para manter a salvo seu povo e cultura, dedica-se um bom tempo aos jovens da aldeia e em como se relacionam com as tradições repassadas.
O que no começo é encarado como motivo de orgulho e da renovação de identidade aos poucos se converte na descaracterização, com rituais mesclados e a juventude criando distância gradual. Enquanto isso, pequenos movimentos comprometem os esforços do líder e dão espaço para que forças maiores de globalização avancem para dentro da aldeia.
A genialidade de "Adeus, Capitão" não está nesse acompanhamento em si, mas em como se pontua o processo nos agentes de tais frentes. É a lenta negociação de indenização pela invasão econômica na reserva, as missões evangélicas que convertem as mulheres, a aglomeração da aldeia com outra no espaço, os jovens que preferem futebol a qualquer assunto.
Tudo se soma para diminuir a figura de Krohokrenhum, enquadrado aqui como herói trágico de uma narrativa de corrosão. O "índio bravo", aí sim, é derrotado pelo tempo.
Em meio a isso, há a figura de Carelli. O documentário é repleto de imagens fortes, mas a mais dolorosa acontece durante o funeral de Krohokrenhum. No trajeto da procissão em direção ao local de enterro, o diretor é visto contemplando de dentro a população envolvida, abatido diante de tanta tristeza.
Como ele, o espectador no filme testemunha o fim gradual de um povo por suas tradições, e nesse momento se revela a narrativa como funeral de uma cultura.
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