Descrição de chapéu
Ivan Finotti

Angeli, com drogas e sexo nos quadrinhos, foi melhor que a escola

Quando Putin ameaça usar as armas nucleares na Ucrânia, dá saudade de seu personagem Rigapov, o Idiota do Apocalipse

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Para quem foi adolescente nos anos 1980, a revista Chiclete com Banana e os quadrinhos de Angeli eram um espanto. O fato de trazer na capa, desde o número 1, o aviso "desaconselhável para menores de 18 anos" evidentemente só fazia aumentar a curiosidade da molecada.

O cartunista Angeli em retrato de 1985, quando saiu o primeiro número da revista Chiclete com Banana, com Rê Bordosa na capa - Wagner Avancini/Angular

Não me lembro de ter comprado o primeiro número, que saiu em outubro de 1985 com Rê Bordosa na capa, mas sim o número 4, de abril de 1986 (a revista era bimestral), que trazia um punk esverdeado chamado Bob Cuspe.

Cuspe havia sido criado em 1983, para a página de tirinhas desta Ilustrada, mas com 13 anos eu não lia a Folha. Meu primeiro contato com Angeli foi mesmo com as revistas na banca, aos 15.

Depois, eu ainda compraria duas coletâneas de Angeli, com histórias publicadas antes no jornal, editadas pela Brasiliense. Esses livretos eram no formato de paisagem, e não de retrato, para acomodar, se não me engano, duas tiras por página.

O álcool, as drogas, o sexo e o rock'n'roll que permeavam a revista mais do que nos divertiam: eles nos ensinavam algo sobre o mundo. Na escola, durante as aulas, eu e alguns amigos espantávamos o tédio desenhando da forma mais fiel possível todos esses personagens.

Lembro claramente de desenhar um homem que pega suas bochechas e vai esticando-as, de forma que elas fiquem maiores a cada quadro. Em seguida, ele pega as bochechas e as coloca em cima da cabeça, como uma peruca mal-ajambrada. No final, não é mais um rosto que vemos, mas um pesadelo engraçado, se é que isso é possível.

Das dezenas de personagens que Angeli criou, tenho uma saudade especial daqueles que ficaram nos anos 1980. O primeiro deles é Rigapov, o Idiota do Apocalipse. O nome vem de uma mistura de Reagan (presidente americano na época) com um russo qualquer terminado em "pov". E o personagem é um líder mundial mimado, que a todo momento ameaça apertar o botão dos mísseis nucleares que vão devastar o planeta.

Rigapov foi um personagem importante à época; é a capa do número 3 da Chiclete com Banana. É claro que a queda do muro de Berlim, em 1989, e da União Soviética, em 1991, tiraram a urgência da figura. Hoje, entretanto, quando Putin ameaça usar armas nucleares na Ucrânia, me lembro novamente de Rigapov. Talvez agora ele seria rebatizado como Trumputin.

Outros que se perderam foram Ritchi Pareide, o Roqueiro do "Leblão", que definhou junto com o rock brasileiro, e Walter Ego, uma encarnação dos yuppies egocêntricos que assolaram aqueles anos e que também não sobreviveram.

E havia, é claro, o saudoso Benevides Paixão, correspondente de um jornal brasileiro no Paraguai. Benevides era, a meu ver, uma tiração de sarro com a própria Folha. Justamente naqueles anos, o jornal iniciava uma profunda reforma que viria a mudar o jornalismo brasileiro, e uma nova geração de jornalistas, ambiciosa e estridente, ganhou os holofotes.

Mas, diferentemente dos outros personagens citados acima, o correspondente paraguaio não foi de todo esquecido. Ainda nos anos 1980, alunos do curso de jornalismo da PUC-SP batizaram seu espaço como Centro Acadêmico Benevides Paixão. E, ao saberem da aposentadoria de Angeli nesta quarta-feira (20), deixaram um recado em sua página no Facebook: "Esse carinha aí, em nossa foto de perfil, é criação dele. Benevides Paixão é um brilhante jornalista dos quadrinhos de Angeli. Temos orgulho em levar o nome Benevides Paixão e o de seu criador adiante. Gratidão, Angeli!"

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