Anitta e Ivete Sangalo se tornaram alvos de fake news ao irem contra Bolsonaro

Excluindo políticos e políticas, mulheres são as principais vítimas de campanhas de desinformação nas redes

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Plínio Lopes
São Paulo | Agência Lupa

As cantoras Anitta, Daniela Mercury e Ivete Sangalo tornaram-se alvo de desinformação depois de se posicionarem contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Desde o começo do ano, a Lupa verificou nove publicações falsas diferentes envolvendo as artistas.

Os conteúdos enganosos começaram a circular logo na sequência de posicionamentos contrários delas ao atual governo. Um levantamento feito com a ferramenta CrowdTangle mostra que mais de 400 posts feitos a partir dos mesmos nove conteúdos falsos tiveram, juntos, pelo menos 79 mil interações no Facebook. Além disso, grande parte desses conteúdos também circulou no WhatsApp.

A cantora Anitta em imagem de divulgação de seu novo álbum, 'Versions of Me'
A cantora Anitta em imagem de divulgação de seu novo álbum, 'Versions of Me' - Marco Ovando/Divulgação

No dia 29 de dezembro de 2021, durante um show em Natal, fãs de Ivete Sangalo protestaram e xingaram Bolsonaro. Ao escutar os protestos, a cantora fez uma provocação: "Não ouvi, tá baixinho". Na sequência, ela incentivou os gritos da multidão e disse que o presidente iria "acabar escutando de tão alto que foi". O vídeo que registrou a cena viralizou nas redes sociais e, desde o episódio, apoiadores do presidente vêm fazendo campanha contra a cantora.

As primeiras publicações falsas atacando Ivete viralizaram já no começo de janeiro deste ano. Uma delas afirmava que a cantora teria perdido os patrocinadores e mais de 100 mil seguidores no Instagram depois do show. A Lupa mostrou que a informação era falsa.

Outra publicação que compartilhava um vídeo que mostrava protestos realizados com foguetes na frente de um apartamento também foi usada para atacar a cantora. A legenda que acompanha a gravação sugeria que o protesto estava acontecendo por ela ter incentivado xingamentos a Bolsonaro. A informação também é falsa. Na verdade, o protesto do vídeo tinha sido direcionado ao presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellintani, e não tinha nenhuma relação com Ivete.

A cantora baiana ainda foi alvo de outras duas publicações falsas em janeiro. Uma delas afirmava que o filho de Ivete, Marcelo, teria cantado uma música com apologia à facada em Bolsonaro. Na realidade, a música que ele cantava era "Rita", do cantor Tierry, que tem o seguinte refrão: "Rita, volta, desgramada Volta, Rita, que eu perdoo a facada". A música não tem conexão com Bolsonaro.

A outra publicação afirmava que ela teria caído no palco ao ouvir a plateia gritar ‘Lula ladrão’, em referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O vídeo é uma montagem. O áudio original mostrava a plateia cantando a música "Eternamente", e não chamando o ex-presidente de "ladrão".

As checagens feitas pela Lupa entre janeiro e abril mostram que, excluindo políticos e políticas, as mulheres são as principais vítimas das campanhas de desinformação nas redes sociais. "Isso não começou com as cantoras, mas lá atrás, com Dilma [Rousseff], Manuela D'Ávila e as jornalistas Miriam Leitão e Patrícia Campos Mello", afirma Lídice Leão, jornalista, mestra em psicologia social pela Universidade de São Paulo, a USP, e pesquisadora da subjetividade e do sofrimento entre mulheres.

Segundo ela, existe um fator histórico que faz a sociedade esperar que as mulheres sejam ‘dóceis’, comportadas, educadas e obedientes. A sociedade herda e reproduz esse pensamento de forma inconsciente. "Quando Ivete, Anitta e Daniela se pronunciam contra um governo que já traz, como toda sociedade, essa herança em relação às mulheres, elas viram alvos certos", diz Leão.

As jornalistas Miriam Leitão e Patrícia Campos Mello também foram vítimas de boatos checados pela Lupa no passado. Porém, é da política que vem um dos maiores exemplos nesse sentido —a ex-vereadora Marielle Franco, que foi assassinada em março de 2018, virou alvo de várias publicações com desinformação logo após sua morte. "Inventaram falas dela, que ela defendia traficante. Até depois de morta, ela foi atacada e virou alvo de notícias falsas", pontua a jornalista.

Em março e em abril, a cantora Anitta foi quem passou a ser a vítima das ondas de desinformação. Durante o festival musical Lollapalooza, ela pediu a saída do presidente do poder e se posicionou constantemente contra Bolsonaro. Desde que isso ocorreu, a Lupa verificou quatro publicações falsas envolvendo a cantora.

A primeira delas, de 28 de março, dizia que Anitta teria ‘lambido o traseiro’ da também cantora Pabllo Vittar durante o Lollapalooza. Na verdade, a cena não aconteceu no evento e não envolveu nem Anitta, nem de Pabllo Vittar. Outra publicação afirmava que a cantora carioca teria dito que deixaria o Brasil caso Bolsonaro fosse reeleito. A informação é falsa. Não existem registros de que Anitta tenha dito isso e a assessoria de imprensa dela negou a informação.

Um dos posts simulava a Folha para dizer que Lula estaria cogitando convidar Anitta para o Ministério da Educação. A imagem era uma montagem e o próprio jornal negou a autoria. A assessoria de Lula também disse não considerar convidar a cantora para um eventual governo.

A última publicação verificada envolvendo Anitta simulava outro veículo, desta vez a revista IstoÉ, para afirmar que a cantora pretendia ensinar o "mundo do sexo anal" para crianças. A informação é falsa. Não foi publicada pela revista e não existem registros de que a cantora tenha falado sobre o assunto. A assessoria da cantora disse que o conteúdo que circula nas redes é "absolutamente falso".

Uma estratégia comum entre os disseminadores de desinformação é utilizar o nome de veículos de imprensa conhecidos, como a Folha ou a IstoÉ, para tentar dar credibilidade ao conteúdo enganoso.

Leão afirma que os ataques relacionados à sexualidade de Anitta têm o objetivo de afastá-la do estereótipo de mulher ‘recatada’ e controlar o que ela pode fazer com o corpo. "Qual a forma mais violenta e eficaz de atacar uma mulher que historicamente deveria ser ‘bela, recatada e do lar’? Escancarando que ela não é nada disso", diz a pesquisadora.

Além das cantoras, a atriz Alinne Moraes também foi alvo de desinformação relacionada à sua sexualidade nas redes. Uma publicação dizia que ela teria afirmado que faria "sexo gratuito" caso Bolsonaro fosse eleito em 2022. A informação também é falsa.

"Hoje, a Anitta é a mulher que mais escancara que o corpo é dela, que ela faz o que quer e mostra o que quiser. A forma mais incisiva de atacá-la é falando que o corpo não é dela. É inventando mentiras e criando narrativas usando o corpo dela", complementa Leão .

Daniela Mercury participa do 'The Masked Singer Brasil'
Daniela Mercury participa do 'The Masked Singer Brasil' - Mauricio Fidalgo/Globo

Já a cantora Daniela Mercury foi alvo de um vídeo falso que circulou nas redes sociais dizendo que ela teria afirmado que "a nossa Constituição não é a Bíblia" e que "Jesus era gay, muito gay, muito bicha, muito veado". O vídeo é uma montagem e foi editado para parecer que ela fazia referência a Jesus Cristo quando, na verdade, ela estava falando sobre o cantor Renato Russo, morto em 1996.

A montagem já havia circulado em 2018, mas voltou a ganhar força nas redes este ano. O vídeo foi compartilhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mas apagado logo na sequência. A cantora afirmou que vai processar o parlamentar, que é filho do presidente Bolsonaro, por crime contra a honra. Mercury é crítica do governo Bolsonaro e constantemente utiliza suas redes sociais para se posicionar contra o presidente.

No dia anterior ao qual Eduardo Bolsonaro compartilhou o vídeo falso, a cantora convidou seus seguidores para uma manifestação contra o aumento de preços dos combustíveis, a fome, o desemprego e o presidente Bolsonaro. Ela também tinha se posicionado contra o veto presidencial à Lei Paulo Gustavo, que destinaria R$ 3,8 milhões para o setor cultural.

Editado por Maurício Moraes

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