Descrição de chapéu

Obra de Lygia é precoce e traz beleza proverbial que penetra e revela

Grande autora popular de delicadeza atmosférica, ganhou prêmios de destaque e foi traduzida no exterior

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Paulo Werneck

Lygia de Azevedo Fagundes nasceu em São Paulo, em 19 de abril de 1923, filha de um advogado e promotor público, Durval de Azevedo Fagundes, e de uma pianista, Maria do Rosário de Azevedo Fagundes, a Zazita.

A família viveu em cidades do interior paulista até fixar-se na capital do Estado, onde Lygia foi matriculada na tradicional Escola Caetano de Campos.

Datam dessa época suas primeiras menções nas páginas dos jornais: em 1935, ela tirou o segundo lugar no concurso Rainha dos Estudantes de São Paulo 1936. A vencedora, Aurea C. Giraldes, teve 1.736 votos, apenas 15 a mais do que Lygia, segundo a Folha da Manhã.

Lygia Fagundes Telles fumando
A escritora Lygia Fagundes Telles em 1964 - Folhapress

Sobre sua beleza, que permaneceria proverbial por muitas décadas, Lygia diria, bem mais tarde, em entrevista à Folha: "Eu era bonitinha. Mas quando meu amigo Ives Gandra [Martins] falou, no outro dia, que eu era a mais bonita da faculdade, tive que lembrá-lo de que éramos só umas sete ou oito mulheres. Convenhamos: não era uma vantagem tão grande assim!".

Em 1936, os pais de Lygia se separaram. Ao sair do Caetano de Campos, no ano seguinte, ela entrou em um curso preparatório para a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e, paralelamente, na Escola Superior de Educação Física, que concluiria em 1939.

Estreia em livro

Ainda assim, a adolescente Lygia encontrava tempo para a atividade que seria determinante em sua vida. Escritora precoce, teve um conto, "Vidoca", premiado em concurso pela revista "A Cigarra".

Estreou em livro aos 15 anos, um ano depois de sair do Caetano de Campos, com os contos de "Porão e Sobrado" (1938), saudado com entusiasmo.

"Annotem este nome: Lygia Fagundes. Será o de uma grande novelista", vaticinou o crítico da "Folha da Manhã", seção "Livros e Idéas" de 30 de novembro de 1938. E prossegue: "É o que afirma seu livrinho 'Porão e Sobrado' (Brasil Editora, S.Paulo). [...] Lygia Fagundes tem todas as qualidades para ser uma grande contista brasileira, excepto a maturidade. [...] O outro livro de contos, que virá, já não será uma promessa, será o êxito, que o seu talento lhe garante. Com uma condição única: substitua ella a pressa pela paciência..."

Sem pressa, "Praia Viva", sua segunda coletânea de contos, só apareceria em 1944. Mais tarde, já consagrada, Lygia não permitiria a reedição de seus primeiros livros, mas incluiria alguns dos contos em antologias. Até o final da vida, contos de juventude ainda seriam retrabalhados pela autora, com ajuda de sua neta, Lúcia Telles.

Cinco anos depois, em 1949, passaria a assinar as "Crônicas do Planalto" no "Suplemento de Letras e Artes" do jornal "A Manhã", e ganharia o primeiro dos muitos prêmios importantes literários que colecionou: o Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, por seu terceiro livro de contos, "O Cacto Vermelho".

A entrada na São Francisco, segundo suas entrevistas, marcou a descoberta das tertúlias literárias nos jornais da faculdade de direito, "Arcádia" e "A Balança", além de livrarias, leiterias e cafés do centro de São Paulo.

Um ano depois de se formar, em 1947, Lygia casou-se com o jurista e seu ex-professor Goffredo Telles Vianna Jr.

Neto da mecenas modernista Olívia Guedes Penteado, Goffredo era deputado federal pelo Partido de Representação Popular, de orientação integralista. O casal mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveria até 1952.

Em 1954, o casal teve seu único filho, Goffredo Telles Vianna Neto, que daria a Lygia duas netas: Lúcia e Margarida. Em 1960, Lygia e Goffredo se separaram, e Lygia passou a trabalhar como procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Só se aposentaria do Serviço Público em 1991.

Maturidade

O ano de 1954 marcou também a chegada da "maturidade literária" para Lygia. A expressão é do crítico Antonio Candido, sobre seu primeiro romance, "Ciranda de Pedra", no ensaio "A Nova Narrativa". A própria autora consideraria esse livro, que virou novela da Globo em 1981 e 2008, o marco zero de sua produção madura.

A convivência com os intelectuais do grupo Clima —críticos de cinema, teatro e literatura reunidos em torno de uma revista de mesmo nome— inaugurou um momento fértil para a obra de Lygia.

Em 1963 —o mesmo ano em que publicou seu segundo romance, "Verão no Aquário"— passou a viver com o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (1916-77), fundador da Cinemateca Brasileira e crítico de cinema da "Clima", ao lado de Candido, Decio de Almeida Prado e Lourival Gomes Machado.

A parceria amorosa e intelectual já rendeu frutos em 1967: a convite do cineasta Paulo César Saraceni, o casal escreveu a quatro mãos "Capitu", uma adaptação de "Dom Casmurro", romance de Machado de Assis. O texto ficou perdido nos arquivos da escritora até ser encontrado e publicado em 1993, pela editora Siciliano. A edição atual, da Cosac Naify, tem uma foto de Lygia e Paulo Emílio na capa.

Críticos importantes já atestavam a qualidade da prosa de Lygia: "Essas pequenas obras-primas, de tão fremente inquietação íntima e que exalam um desespero tão profundo, ganham a clássica serenidade das formas de arte definitivas", escreveu Paulo Rónai.

Antonio Candido também escreveria sobre ela: "Lygia Fagundes Telles sempre teve o alto mérito de obter, no romance e no conto, a limpidez adequada a uma visão que penetra e revela, sem recurso a qualquer truque ou traço carregado, na linguagem ou na caracterização".

Consagração

Se já tinha o reconhecimento da crítica, nos anos 70 Lygia viu-se em plena posse de sua arte e pronta para a consagração como grande autora popular. Além de escrever alguns de seus livros mais importantes, ganhou prêmios de destaque e foi traduzida no exterior. Já em 1970, "Antes do Baile Verde" recebeu na França o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros.

Três anos depois, "As Meninas" recebeu o Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, o Jabuti de romance (um dos cinco quelônios que ganhou ao longo de sua carreira) e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). O seu primeiro livro a ganhar tradução estrangeira, na Argentina, abriu alas para os demais: nas décadas seguintes, a obra de Lygia ganharia o mundo, com traduções para o inglês, o alemão, o francês, o italiano, o polonês, o sueco, o checo e o russo.

Em "As Meninas", o poeta Carlos Drummond de Andrade viu "beleza", "força", "matéria viva e lancinante". O crítico Otto Maria Carpeaux comparou-a com outra mestra do conto: "Lygia Fagundes Telles tem realmente algo da delicadeza atmosférica de uma Katherine Mansfield. A diferença é apenas a seguinte: ela também sabe escrever romance e 'As Meninas' é mesmo um romance de alta categoria".

Naquele mesmo ano de 1977, no mês de setembro, um ataque cardíaco matou Paulo Emílio, aos 60 anos. Lygia então assumiu a presidência da Cinemateca Brasileira —até o final da vida, seu vínculo com a instituição seria forte.

Em 2006, outra morte prematura pesaria sobre a escritora: a de seu filho, Gofredo Telles Neto, em Salvador, aos 52. Cineasta, ele é autor do documentário "Narrarte", sobre a vida e a obra da mãe. O filme traz cenas de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras.

As duas perdas a impulsionaram mais ainda a prosseguir com sua obra. Um ano depois de perder o filho, ela lembrou o momento difícil em entrevista à Folha: "De um certo modo, eu me transformei numa espécie de testemunha dele e de mim. Quando ele morreu, eu pensei: 'O que estou fazendo aqui? Vou morrer junto?'. E decidi escrever. Sobre ele, nunca; isso eu não poderia fazer. Mas de um certo modo, a lembrança do meu filho está em tudo."

Imortal

A popularidade cresceu com a efervescência cultural dos anos 1980, quando o país viveu a volta à democracia. Datam dessa época suas eleições para a Academia Paulista de Letras (1982) e para a Academia Brasileira de Letras (1985), onde ela ocupa a cadeira 16, tendo sucedido a Pedro Calmon.

Em 1981, "Ciranda da Pedra" (1954) seria levada às telas da TV Globo, que faria uma nova adaptação do mesmo livro em 2008.

A glória literária também veio na forma da mais alta distinção das letras lusófonas, o Prêmio Camões, que ela conquistou em 2005.

Em novembro de 2008, aos 85, a escritora decidiu mudar da carioca Rocco, que a editou por sete anos, para a paulistana Companhia das Letras. Coordenada por um conselho editorial, composto por Alberto da Costa e Silva, Antônio Dimas e Lilia Moritz Schwarcz, a coleção das obras de Lygia fixou o texto de seus livros, incluiu textos críticos e lançou novos volumes, como "O Segredo" (2012) e "Passaporte para a China" (2011).

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