Conheça Rosana Paulino, artista na Bienal de Veneza que desfila na Beija-Flor

Sua obra se conecta intimamente com enredo da escola este ano, sobre intelectualidade e negritude

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Rosana Paulino está com um olho na Bienal de Veneza e outro na Sapucaí. Enquanto 25 desenhos da artista paulistana de 55 anos estão expostos nas salas do Arsenale e dos Giardini, ela desfila na madrugada deste sábado (23) no Sambódromo do Rio de Janeiro, uma das personalidades negras homenageadas pela Beija-Flor de Nilópolis no enredo "Empretecer o Pensamento é Ouvir a Voz da Beija-Flor".

Para o desfile deste ano, a escola da Baixada Fluminense escolheu relacionar intelectualidade e negritude, temas dissociados historicamente pelo racismo. Não à toa, a agremiação passeia, do século 19 até os dias atuais, por nomes da literatura, música e teatro, como Machado de Assis, Abdias do Nascimento e Conceição Evaristo. Fechando o desfile, 30 personalidades negras estarão juntas em um carro alegórico. Paulino será a representante das artes visuais.

A artista Rosana Paulino - Karime Xavier - 29.nov.2018/Folhapress

Além disso, uma das alas prestará homenagens a uma obra da artista —o título do trabalho é guardado por ela e pela escola a sete chaves. Na Sapucaí, o enredo dialoga com o uso de tecidos e a costura, suporte e procedimento utilizados por Paulino que simbolizam as cicatrizes da desigualdade racial.

"Minha família sempre gostou de Carnaval. Atrás da casa da minha avó, em São Paulo, havia uma fábrica de adereços. Já na minha adolescência, foi num desfile que vi, pela primeira vez, pessoas negras representadas como sujeitos, com suas subjetividades e complexidades", ela rememora.

Paulino observa, no entanto, que a intersecção entre seu trabalho e o Carnaval pode estar menos ligada ao material utilizado. São os modos de representação que unem o desfile às suas obras, sobretudo a partir do fim da década de 1990, quando elas ganham a forma tridimensional.

Em outras palavras, o desdobramento na parede branca dos seres que formam a instalação "Tecelãs", de 2003, parece a evolução de uma escola de samba na avenida. Junto ao chão, os insetos se agrupam numa densidade monocromática. Conforme sobem pela parede, se tecem e entram em erupção, ocupando todo o espaço. Por consequência, o espectador admira, a distância, o sentido totalizante da obra —ou o conjunto de "Tecelãs".

De modo análogo, "Rainha", de 2006, se dispõe no vazio como uma comissão de frente, no conjunto entre a escultura principal, representando a alteza, e as soldadas, responsáveis pela defesa. Feita de terracota, "Rainha" foi preparada numa queima primitiva, que atribui o tom "foncé" às esculturas.

Já em "Musa Paradisíaca", de 2018, a artista faz menção no título ao nome científico da banana, tratando com irreverência carnavalesca a herança da estrutura colonial que dificulta o progresso da sociedade brasileira. Num longo tecido, estão representados o azulejo português e a mulher negra escravizada. Ao lado, letras bordam repetidamente a expressão "Yes, Nós Temos" [Banana], uma referência à canção de 1938, de Braguinha.

"Parece que o Brasil tem gosto em ser colônia. Damos dois passos para frente e depois recuamos. Mas acho que o carnaval ocupa um lugar importante na sociedade. A população de Nilópolis, por exemplo, se organiza ao redor da quadra da Beija-Flor. E na avenida, o Carnaval sempre foi um lugar de crítica política", diz.

Sob o aspecto temático, o enredo da Beija-Flor se associa de imediato às principais inquietações de Paulino. Além de celebrar a intelectualidade negra, a escola questiona os estereótipos pelos quais a África é retratada, um lugar de povos supostamente primitivos ou exóticos. Assim, "Empretecer o Pensamento é Ouvir a Voz da Beija-Flor" reverencia a ancestralidade negra, tema caro à artista.

"Parede da Memória", que pertence à coleção da Pinacoteca de São Paulo e foi realizada entre 1994-2015, traz uma extensa composição, reproduzindo 11 retratos do arquivo familiar de Paulino. Em diferentes combinações, as fotos revelam 1500 imagens, inseridas em patuás —amuletos de proteção em religiões de matriz africana.

"Bastidores", de 1997, traz desenhos de mulheres negras com olhos e bocas suturados, tematizando o silenciamento histórico. No tecido "Atlântico Vermelho", de quase uma década depois, Paulino lembra a dor dos escravizados, aspergindo tinta vermelha sob a azulejaria portuguesa.

"A questão da ancestralidade é comum ao meu trabalho e à escola de samba. Podemos ver, por exemplo, a ala das baianas ou a bateria, onde os ancestrais são reverenciados. É muito comum você achar famílias inteiras convivendo nas quadras", ela afirma.

Se na avenida as escolas se comunicam por alegorias, Paulino, em seus 30 anos de carreira, mantém a busca por arquétipos que representem a mulher negra. Do outro lado do Atlântico, nos pavilhões da Bienal de Veneza, 25 desenhos de sua autoria trazem, até novembro, um panorama de sua investigação.

São expostas obras de três séries —"Jatobás", "Senhora das Plantas" e "Tecelãs". "Quando falamos do arquétipo e do psiquismo das mulheres negras, aparece uma enxurrada de Vênus e Atenas, figuras que não conversam com a gente. Elas são universais para quem?".

Acertando os últimos detalhes antes do desfile, Paulino revela que a experiência de agora a instigou a acentuar as relações entre a sua produção artística e o Carnaval. "Eu me sinto mais atraída pela música. Quero fazer uma instalação com o som do surdo, instrumento que eu adoro. Tem um poder de comunicação muito forte", diz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.