Crise ambiental conduz onda de peças e filmes sobre desastres ecológicos

Teatro vive enxurrada de obras sobre o tema, enquanto ambientalistas lançam guia sobre como abordar assunto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Gotas caem sobre um corpo nu, molhando a pele de um ser misterioso que, ora está num matagal, ora num oceano profundo. A cena, do curta brasileiro "A Gota D’Água", de Mathias Reis, faz referência a crises hídricas é exibida no 2º Festival Internacional de Ecoperformance.

Com início nesta quinta (28), com versões online e presenciais, o evento reúne obras que expõem embates entre o homem e a natureza. A mostra, organizada pela companhia Taanteatro —com apoio da Satyros—, surge em meio a uma efervescência de peças voltadas à temática ambiental, como aponta a agenda teatral paulistana dos últimos meses.

trecho de performance mostra rosto pintado com cores da fauna e formas de planta
Cena de 'Skin to Nature', de malaias Carmen Cheah e SueKi Yee. Curta é exibido na 2ª edição do festival Eco Performance - Divulgação

Histórias sobre mudanças climáticas, águas poluídas, oxigênio comprometido, extinção de bichos e riscos à flora têm servido de fio condutor de dezenas de peças e performances nacionais.

Peças como "Terremotos", dirigida por Marco Antônio Pâmio, "A Turma da Floresta Viva", de Cristiane Natale e Guilherme Carrasco, —as duas em cartaz—, "Chernobyl", de Bruno Perillo, "Altamira 2042", de Gabriela Carneiro da Cunha, "Encantado", de Lia Rodrigues, com três temporadas já encerradas, e "Vozes da Floresta - Chico Mendes Vive", de Lucélia Santos, em cartaz a partir de sexta, são exemplos desse filão teatral que vem crescendo no país.

No Ecoperformance deste ano, que traz 48 filmes de 26 países, o Brasil surge em obras como "Eco(ar) – Voz em Estado de Derramamento", do Coletivo Membrana, "Ynstalação Cabokètykas: Corredora", de Pedro Olaia, "Sethico", de Wagner Montenegro, e "(In)flama o coração da América do Sul", de Mari Gemma De La Cruz.

Para a idealizadora do Ecoperformance, a coreógrafa Maura Baiocchi, contudo, a presença do tema nas artes cênicas do país ainda caminha a passos lentos. "Tanto o teatro quanto a dança são bastante centrados em dramas psicológicos. São muito antropocêntricos", diz ela.

Ao mesmo tempo, ela vê o crescimento recente de espetáculos inseridos na temática como uma maneira de estimular a conscientização ecológica do público. "É um assunto para ontem. Não deveríamos limitá-lo a jornais, fóruns políticos, ou palestras de slides cheios de números e gráficos."

É o que faz, por exemplo, "Altamira 2042" ao reproduzir sons da região do rio Xingu, na bacia amazônica, e iluminar o palco com cores predominantes do local. A peça é uma crítica à polêmica hidrelétrica de Belo Monte, construída em 2011, e enfoca os povos ribeirinhos e indígenas que vivem nos arredores daquela área.

Um corpo feminino segura equipamentos que emitem luzes coloridas neon num palco
Cena da peça 'Altamira 2042' - Nereu Jr

Contextos brasileiros também aparecem em "Vozes da Floresta - Chico Mendes Vive", com vídeos inéditos do líder seringueiro que dá nome ao espetáculo e cenas de conflitos agrários da Amazônia brasileira.

Não é só no Brasil que artistas estão olhando com mais ênfase para o assunto. Longas hollywoodianos recentes como "Não Olhe Para Cima", de Adam McKay, visto por muitos como uma alegoria sobre o aquecimento global, e "Moonfall — Ameaça Lunar", de Roland Emmerich, diretor conhecido por suas tramas apocalípticas, dialogam com a questão.

Ainda assim, muitos ambientalistas se incomodam com a forma como o tema costuma ser tratado. Prova disso é um manual para "escrever roteiros na era das mudanças climáticas" que a organização Good Energy lançou há poucas semanas, reunindo conselhos de cientistas e artistas sobre como retratar as questões ecológicos na ficção.

"Há um consenso sobre a ciência do clima, mas não sobre as histórias sobre ele. Não há precedentes para isso, o que é emocionante e perturbador", afirma um desses vários textos. "Como ainda há poucas histórias sobre isso nas telas, este é um território totalmente novo, o que significa que podemos moldá-lo juntos."

"Evite estereótipos como o rabugento do clima, o ambientalista ingênuo, ou o cientista nerd". "Mostre que um estilo de vida com baixo carbono pode ser sexy". "Lembre-se que a crise climática não precisa aparecer somente em tramas apocalípticas, mas também de comédia e fantasia". Essas são algumas das "dicas narrativas" que constam no manual.

A última delas, aliás, ecoa uma crítica recorrente dos ambientalistas. Segundo vários deles, retratar crises ecológicas como apocalípticas distancia o público da urgência do assunto e ignora os problemas do agora.

"Uma história apocalíptica, onde [os personagens] não têm salvação e tudo está perdido, desmobiliza as pessoas", afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Ele afirma que cartilhas como a do Good Energy, que propõem "um modelo ideal de obras" tocarem num assunto, não limitam a criatividade artística e são relevantes para o avanço da causa ambiental. "Acho isso extremamente importante. Não são regras. São apenas dicas que, inclusive, mostram como o tema pode ser atrativo para os artistas."

Mas há quem discorde da existência de manuais ativistas voltados ao campo artístico, no entanto. É o caso de Marco Antônio Pâmio, diretor de "Terremotos", espetáculo estrelado por Paloma Bernardi e Virgínia Cavendish que traz a história de três irmãs que vivem num mundo prestes a sofrer as caóticas consequências do aquecimento global.

"Acreditar que uma obra tem o poder de convencer alguém a fazer qualquer coisa é perigoso e arriscado", diz ele. "Querer provocar reflexão é saudável, mas impor dogmas, não."

"‘Terremotos’ é uma peça que tem otimismo, mas também tem uma trajetória extremamente sombria", continua ele. "Mas o pessimismo é, sim, legítimo. A arte não tem obrigação de ser panfletária."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.