Descrição de chapéu tiktok

Por que dancinhas no TikTok são essenciais para fazer uma música virar hit

Coreografias foram peças-chaves para sucessos como 'Envolver', de Anitta, e 'Batom de Cereja', de Israel & Rodolffo

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Pocah dança ao lado de suas bailarinas no clipe de 'Muito Prazer'

Pocah dança ao lado de suas bailarinas no clipe de 'Muito Prazer' Divulgação

São Paulo

Foi depois de improvisar uma coreografia numa festa do Big Brother Brasil que Rodolffo, da dupla com Israel, levou "Batom de Cereja" ao topo das paradas e fez a música se tornar a mais tocada do ano no Spotify, no YouTube e nas rádios Brasil afora.

Enquanto o cantor entoava o refrão "eu bebo, cê beija", os brothers e as sisters levavam as mãos ao rosto, ora com os polegares voltados para cima, como se virassem um copo, ora com as palmas estendidas e as línguas para fora, para encenar um beijo.

Anitta, Israel & Rodolffo e Luísa Sonza
Anitta, Israel & Rodolffo e Luísa Sonza - Maria Alejandra Cardona/Reuters e Divulgação

Além de "Batom de Cereja", há "Esquema Preferido", dos Barões da Pisadinha, que alcançou a segunda posição no ranking do YouTube com passinhos simples. Para dizer que "ela roda a cidade inteira para ficar comigo", as mãos giram no alto, enquanto uma sarrada arremata o refrão "porque eu sou seu esquema preferido".

As dancinhas e o TikTok, não há como negar, dominaram a indústria da música. Para o artista brasileiro, que cresce entre estilos como o samba e o funk, com um talento para requebrar que vem de berço, as coreografias são uma aposta certeira para alavancar a posição de suas músicas nos rankings das mais tocadas e até ajudar na internacionalização de seu trabalho.

Anitta ​sabe bem disso. Foi com as mãos no chão, a bunda empinada e muito rebolado que, em março, a cantora levou "Envolver" ao topo das músicas mais tocadas do mundo no Spotify. A coreografia levou até a apresentadora Ana Maria Braga a dançar —e divulgar gratuitamente— o single.

É um ciclo que se retroalimenta. O influenciador dança, o público reproduz e o número de plays cresce. "Para gravar um TikTok, a pessoa vai ensaiar várias vezes, gravar outras tantas, e nisso os plays vão se somando. Você ouve a música mais de dez vezes antes de postar a dancinha", diz o coreógrafo Flavio Verne, que assina projetos de artistas como Pabllo Vittar e Luísa Sonza.

O Now United, grupo com 18 integrantes, cada um de um país, é outra evidência de que os passinhos são importantes para fazer sucesso e se globalizar. Em março, eles encheram o Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Durante a apresentação, houve até um vídeo para ensinar à plateia as coreografias.

"As dancinhas possibilitam que o artista alcance consumidores do mundo inteiro, independentemente de seu idioma, do que canta, de onde vem", diz Marcelo Castello Branco, diretor da União Brasileira dos Compositores, que fez sua carreira na música presidindo a Universal Music na América Latina.

"Os 15 segundos do TikTok são 15 segundos de ouro, porque podem levar o ouvinte para outras plataformas onde é possível consumir a música na totalidade."

É de olho neste potencial que os artistas têm procurado profissionais como Verne, que tem criado uma coreografia por semana, às vezes até duas, com seus assistentes —Amanda Araújo, Lia Cará e Renan Silveira, que também são dançarinos.

Sua cliente mais nova é Duda Beat, que decidiu investir mais em coreografias ao lançar seu segundo disco, "Te Amo Lá Fora", no ano passado. Com a volta dos shows, suas apresentações agora são mais performáticas e transformam o sofrimento de relacionamentos fracassados em dança.

Para criar uma coreografia, Verne diz que dorme e acorda ouvindo a música por três dias seguidos. Depois, conversa com o artista para compreender qual público deve ser atingido e se há alguma referência de outras coreografias que precisa ser resgatada.

A partir disso, o coreógrafo vai ao estúdio para ver como se saem na prática os movimentos que elaborou. São muitos testes, principalmente para o pré-refrão e o refrão, as partes mais importantes da música. "Eu gravo tudo, assisto e vou editando. Pego um pedaço de uma versão, outro de outra, e vou colando até chegar ao formato que considero ideal."

Ele então apresenta o vídeo ao cliente e faz ajustes numa espécie de Ctrl + C e Ctrl + V. O processo todo leva no máximo uma semana, "quando o prazo é generoso", diz. Não pode demorar muito porque o artista e seus dançarinos levam outra semana para aprender a coreografia antes de gravar clipe.

Verne também coreografa apresentações especiais, como a de Vittar no Lollapalooza e no Coachella, o maior festival de música pop do mundo, nos Estados Unidos, que também contou com a presença de Anitta e apresentou à indústria musical estrangeira a música brasileira que vai além da bossa nova.

O TikTok, diz Verne, é um dos elementos que mais impactam o trabalho de um coreógrafo. É no aplicativo, afinal, que as dancinhas costumam viralizar antes de migrar para outras redes sociais como o Instagram.

O problema, afirma, é a limitação que o aplicativo impõe, principalmente em relação aos movimentos, que precisam ser ajustados à verticalidade da tela e menos complexos para serem bem recebidos pelos principais 'tiktokers' de dança.

Há, ainda, uma preocupação com a longevidade do trabalho. "A demanda hoje é muito maior, mas é tudo mais perecível. Uma coreografia hoje 'hita' durante dois meses no máximo. Se for trend só de TikTok, dura 15 dias só", diz Verne, que quer se soltar das amarras do aplicativo.

"Em 90% das vezes, pedem para eu criar pensando em viralizar no TikTok. Com os artistas com que trabalho há mais tempo, consigo ter uma conversa mais franca e peço para gente fazer sem pensar no TikTok. Fazemos o que achamos que temos que fazer, o trabalho fica bom e naturalmente vira uma trend."

"Sentadona" é prova disso. Com um rebolado semelhante ao de Anitta em "Envolver" —isto é, difícil de ser feito—, Sonza tem emplacado o single no topo da lista dos clipes brasileiros mais vistos no YouTube por semanas desde que foi lançado, em março. A música ainda marcou a primeira entrada da cantora no ranking das 50 mais tocadas do mundo no Spotify.

"Não é uma coreografia fácil, que todo mundo consegue fazer", diz. "Mas o que vem acontecendo é que os usuários querem investir, se esforçar, ou seja, querem ir para o chão e ralar os joelhos."

Uma das figuras mais importantes da indústria musical brasileira nos anos 1990 e 2000, Rick Bonadio afirma que as coreografias sempre foram importantes para um artista do pop, mas considera que hoje seu impacto é muito maior para alavancar uma canção numa parada e, consequentemente, gerar dinheiro.

Criador de grupos como o Rouge, que viralizou com coreografias como a de "Ragatanga", o produtor afirma ainda que, no Brasil, há um terreno mais fértil do que no restante do mundo para as dancinhas, ainda que elas também tenham grande impacto na indústria estrangeira.

"O Brasil gosta de dançar. É um país de pessoas alegres. O brasileiro dança bem, diferentemente do inglês, por exemplo, que é mais reprimido. Prova disso é que, para além do pop, temos o samba e o sucesso de grupos como É o Tchan e Molejo."

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