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Cinema

'JFK Revisitado', de Oliver Stone, é cansativo, mas muito necessário

Documentário reúne perguntas, respostas, testemunhas e gráficos, em repetição exaustiva da morte de Kennedy

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JFK Revisitado: Através do Espelho

  • Quando 8 de abril, às 19h
  • Onde É Tudo Verdade Play
  • Produção EUA, 2021
  • Direção Oliver Stone

Ninguém dirá que é agradável assistir a um filme que por mais ou menos um terço do tempo discute sobre o buraco aberto na cabeça de um homem, sobre os miolos desse homem atingidos por uma bala, sobre de onde veio a bala.

Mas talvez não exista assunto mais sério a discutir nos Estados Unidos dos últimos 60 anos ou quase: o assassinato de John Kennedy, presidente da República, atingido e morto em 1963. Para efeitos oficiais, o fato foi obra de um atirador solitário, Lee Oswald. Que pouco depois seria, por sua vez, assassinado por um certo Jack Ruby, quando estava sob custódia da polícia.

Em 'JFK Revisitado: Através do Espelho', o cineasta Oliver Stone analisa documentos sobre o atentado contra o presidente americano John Kennedy que deixaram de ser sigilosos
Em 'JFK Revisitado: Através do Espelho', o cineasta Oliver Stone analisa documentos sobre o atentado contra o presidente americano John Kennedy que deixaram de ser sigilosos - Divulgação

A chamada Comissão Warren, que investigou oficialmente os fatos, criou a versão oficial, que decretou que Oswald agiu sozinho, por livre e espontânea vontade. Assim também Ruby, que era dono de um night club. Tanta gente agindo sozinha debaixo do nariz da polícia parece não ter incomodado a maioria da comissão.

Mas havia pontas soltas aos montes, e Oliver Stone não se conformava com elas já há uns 30 anos, em 1991 mais precisamente, quando lançou seu "JFK: A Pergunta que Não Quer Calar".

Com o novo "JFK Revisitado — Através do Espelho", que ganhou sessões on-line como um dos grandes destaques do 27º Festival É Tudo Verdade, ele volta ao tema e recorre ao puro documentário: perguntas, respostas, testemunhas, gráficos, além da repetição quase exaustiva do filme feito por um particular que documentou a morte de JFK.

A versão que chega ao público, com duração de duas horas, é uma adaptação daquela concebida para uma minissérie de quatro episódios.

Não é agradável de ver, nem muito menos divertido. Mas essa não é a questão adequada ao caso, e sim: qual a relevância de tanta investigação se o homem já está mesmo morto e não vai ressuscitar.

A segunda parte do filme é mais específica a esse respeito e trata de colocar em questão uma série de organismos que são a base da democracia americana, do "american way".

Em outras palavras, para Oliver Stone e uma série de pessoas que estudaram exaustivamente os fatos, é perfeitamente possível que Kennedy tenha sido vítima de um complô interno, envolvendo sabe-se lá quem. Mas chefões da CIA, Allen Dulles à frente, e, claro, J. Edgar Hoover, o eterno mandachuva do FBI, estão entre os suspeitos principais.

Isso não leva muito longe. Porém Stone faz a pergunta mais incômoda em casos desse tipo: a quem interessa o crime? Nesse caso, o interessado imediato é Lyndon Johnson, ou LBJ, o vice que assumiu a presidência. Ainda assim, no entanto, sobram outras questões: se for isso, a que interesses responderia LBJ?

Bem, àqueles que a política de Kennedy incomodaria. Uma camada infiltrada nos principais órgãos de governo, sem nomes claramente definidos, mas com interesses aos montes. Eles se incomodariam sobretudo com a política externa de Kennedy, que, garante "JFK Revisitado", pretendia tirar os militares americanos do Vietnã, restabelecer relações saudáveis com Cuba e pôr fim às hostilidades com a URSS. Um programa e tanto.

Tudo isso enuncia uma questão específica dos EUA e que pode interessar aos EUA. Mas o que temos nós com isso? Se o assassinato de Kennedy ainda continua uma ferida (aberta ou não?) na história americana, qual o nosso interesse nisso?

Existe, sim. De certa forma, temos aí os EUA envolvidos numa sinistra ocultação de dados incômodos. E sabemos muito bem aquilo tudo o que eles deixam escapar quando essas coisas já não são problemáticas.

Fiquemos num caso apenas: a interferência americana em uma série de golpes na América Latina, na segunda metade do século passado, inclusive no Brasil. Se estendermos o prazo, tais sombras se lançarão sobre inúmeros outros episódios marcantes, entre os quais está o ataque ao Iraque por participação suposta no 11 de Setembro, seguido por outra suposição —que a imprensa dos EUA engoliu com entusiasmo—, a de que o Iraque desenvolvia e fabricava armas químicas. Serviu para arrasar o país, mas armas químicas nunca apareceram.

E etc. Para resumir: a ideia geral de Stone é que o assassinato de Kennedy representou uma reviravolta radical no rumo que os EUA (e a humanidade) esperavam tomar. Foi uma vitória dos que queriam estender a Guerra no Vietnã (Stone acredita que Kennedy tiraria os seus soldados de lá) e, depois disso, continuam atribuindo aos EUA o papel de salvadores do mundo (ou a palavra talvez seja polícia).

Por trás da morte de Kennedy, Oliver Stone sugere, ao longo de seu bem tradicional e bem aplicado documentário, que existem muitos buracos mais em crânios, muitos outros miolos voando mundo afora em função da morte de Kennedy. Pode não ser divertido, mas não é algo a dispensar assim sem mais.

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